Após a divulgação do Datafolha, militantes de candidatos que não pontuam bem protestaram contra os números, alegando inconsistências.
A reclamação mais comum é que “não fazia sentido” que Lula tivesse herdado os votos de João Dória e Sergio Moro.
Entretanto, esse é um protesto ancorado numa interpretação esquemática e equivocada de uma pesquisa eleitoral, oriunda, por sua vez, da cultura de “bolha” das redes sociais.
A movimentação dos números não obedece a esse tipo de lógica. O desaparecimento das candidaturas Dória e Moro não tem nada a ver com o aumento de Lula. Não há nada, pelo menos, a indicar que houve essa “migração”, que, de fato, seria incoerente.
No entanto, os próprios números autorizam uma interpretação muito mais lógica.
Os votos de Dória e Moro provavelmente retornaram a Bolsonaro, compensando em parte a desidratação que o presidente está enfrentando, especialmente entre as classes mais pobres, beneficiárias ou não do Auxílio Brasil.
É infinitamente mais lógico, portanto, concluir que Lula cresceu a partir de votos de baixa renda que se soltaram de Bolsonaro.
Há um outro importante movimento em curso. A pesquisa também sugere migração de votos ciristas para Lula, buscando uma opção estratégica.
Os discurso de Ciro, muito agressivos contra tudo e contra todos, especialmente contra a liderança popular mais querida do país, vem gerando um gigantesco constrangimento no eleitorado de esquerda, incluindo os que votam em Ciro.
É muito mais plausível que o cirista moderado, que tem críticas ao PT e a Lula, mas que não foi inteiramente intoxicado pelo antipetismo ensandecido que Ciro vem tentando promover, esteja se movendo na direção de Lula. Temos observado inúmeros exemplos nas redes sociais.
Os mais notórios foram Gregório Duvivier e Bruno Torturra, apresentador e editor do programa Greg News, que fizeram campanha para Ciro de 2018, mas que agora optam por um voto crítico – porém não menos entusiasmado e determinado – em Lula.
Neste sábado, a vereadora Duda Salabert (PDT), a mais votada da história de Belo Horizonte, postou em suas redes sociais um vídeo em que ela e família aparecem à janela do carro fazendo o L de Lula.
Apesar de ter se mantido firme no Datafolha, com seus 8%, a candidatura de Ciro emergiu fragilizada da pesquisa , porque os números legitimam as críticas que muitos vem fazendo ao candidato de estar “fazendo o jogo da direita”, ou pior, fazendo um jogo que interessa unicamente a Jair Bolsonaro.
A campanha de Ciro, no entanto, parece ter se fechado num clima negacionista assustador. Quadros próximos de Ciro procuram disseminar as mais bizarras teorias de conspiraçação, como a de que o UOL “fechou aliança” com Lula, ou que o Datafolha é uma pesquisa “falsa”. O próprio Ciro alimenta isso em suas entrevistas. No dia da pesquisa, Ciro participou de uma entrevista na CNN Brasil, na qual declarou que uma pesquisa como Datafolha custaria em torno de “R$ 2 milhões”. O valor é usado por Ciro como um elemento de suspeita. A troco de que, insinua o candidato, alguém se interessaria em pagar pesquisas tão absurdamente caras?
A inflação galopante que assola o país chegou às teorias de conspiração de Ciro, porque até então ele vinha “denunciando” que as pesquisas “pagas por banco” custavam R$ 1 milhão. O custo delas aumenta na proporção inversa com que agradam a Ciro. Quanto mais as pesquisas o incomodam, mais caras ficam. Talvez cheguem a R$ 5 ou R$ 10 milhões até o dia das eleições.
Entretanto, isso não era para ser uma brincadeira. Até porque é perigoso, para a democracia, alimentar conspiração contra pesquisas. O TSE regula severamente o mercado de sondagens eleitorais no país, aplicando multas pesadíssimas contra empresas que cometem qualquer irregularidade. Hoje os institutos de pesquisa são obrigados a registrar os formulários, custos e nota fiscal no site do TSE, e tudo fica disponível ao público.
Essa última pesquisa Datafolha, por exemplo, não custou os R$ 2 milhões “denunciados” por Ciro, mas R$ 473.780,00. E, a propósito, não foi paga por “banco”, e sim pela empresa Folha da Manhã, proprietária do jornal Folha de São Paulo.
Realizada entre os dias 25 e 26 de maio de 2022, a pesquisa traz números que nos permitem entender melhor de onde estão vindo os eleitores que, até o momento, dão vitória a Lula no primeiro turno.
O número de entrevistados foi de 2.556, abordados em pontos de fluxo. Desse universo, mais da metade, ou 1.339, tem renda familiar abaixo de dois salários.
É nesse grupo que o ex-presidente Lula tem uma de suas melhores pontuações, ou 43% dos votos espontâneos (atenção, espontâneos!).
Entretanto, se fizéssemos uma lista dos segmentos onde Lula apresenta seu melhor desempenho na votação espontânea, por ordem descrescente, ela seria a seguinte: nordestinos (49%), estudantes (44%), pretos (44%), jovens até 24 anos (43%), eleitores com até o ensino fundamental (43%), com renda até 2 salários (43%), católicos (43%), assalariado sem registro (42%).
No caso de Bolsonaro, ele se destaca entre evangélicos (32%) e empresários (49%). De uma base de entrevistados de 2.556, os evangélicos responderam por 682. É um grupo expressivo, correspondente a quase a totalidade de nordestinos. Os empresários, por outro lado, representam um grupo muito pequeno de entrevistados, apenas 83.
Desses 83 empresários abordados pelo Datafolha, 20% indicaram voto em Lula, 49% em Bolsonaro e apenas 1% em Ciro.
O grupo de estudantes não é tão numericamente relevante, mas é simbólico. Dos 100 estudantes entrevistados pelo Datafolha, 44% disseram votar em Lula, 22% em Bolsonaro, e ninguém em Ciro.
O Datafolha entrevistou 353 jovens com idade até 24 anos. É um grupo grande – mais representativo, por exemplo, que empresários (83 entrevistados) ou funcionários públicos (184 entrevistados).
Desses jovens, 43% disseram, espontaneamente, que iriam votar em Lula, contra apenas 16% para Bolsonaro e 1% para Ciro Gomes. Esses números reforçam nossa análise da migração de votos ciristas para Lula, porque Ciro chegou a ter uma boa entrada entre a juventude, especialmente universitária. Não tem mais.
Ainda hoje, Ciro tem sua melhor pontuação na espontânea entre cidadãos com ensino superior (5%), funcionários públicos (6%) e com renda entre 5 e 10 salários (4%). Em todos os outros segmentos tem menos de 2%.
No Datafolha de junho de 2018, Bolsonaro tinha uma performance infinitamente melhor que a de Ciro na espontânea, especialmente quando se olhava para alguns extratos (homens, classe média, sobretudo).
Finalizando, um comentário sobre o percentual de indecisos na espontânea.
Por óbvio, há sempre um número muito superior de indecisos, numa pesquisa espontânea, do que na estimulada. Alguns candidatos costumam exagerar a importância desse eleitor indeciso, como se ele guardasse grandes surpresas. Pode até ser que o indeciso na espontânea possa surpreender. O mais provável, porém, é que o indeciso na espontânea se distribua entre os principais candidatos, segundo a tendência de sua própria classe social, região, idade e nível de escolaridade. A estimulada é justamente onde a gente vê isso.
Por exemplo, o caso das eleitoras mulheres é emblemático. Na espontânea, Lula tem 36% do voto feminino, Bolsonaro 18% e Ciro 1%, e ainda temos 36% de mulheres indecisas. Para onde elas vão?
Ora, basta olhar a estimulada.
Na estimulada, Lula cresce para 49% entre mulheres (ou seja, ganha 13 pontos na comparação com a espontânea), Bolsonaro sobe para 23% (ganha 5 pontos) e Ciro chega a 7% (ganhando 6 pontos).
Na verdade, o Datafolha mostra uma quantidade baixa de indecisos, tanto na espontânea quanto na estimulada. No Datafolha de junho de 2018, por exemplo, havia 46% de eleitores indecisos na espontânea.
Hoje, segundo o mesmo Datafolha, são 29%.
Na estimulada, os números de indecisos são semelhantes para 2018 e este ano. A diferença está mesmo na espontânea, o que mostra um eleitor mais seguro de suas escolhas do que em 2018.
Há um outro fator que devemos considerar, quando olhamos para o eleitor indeciso. Quem segmento é mais indeciso? Segundo o Datafolha, a indecisão eleitoral, ao menos na pesquisa espontânea, é característica principalmente de dois grandes segmentos: pobres e mulheres.
A estimulada mostra que praticamente todas essas eleitoras mulheres, de baixa renda, indecisas na espontânea, aderem a Lula na estimulada, sinalizando que, por mais que o nível de certeza do voto já esteja em nível recorde, ele ainda pode crescer bem mais.
A íntegra do relatório pode ser lida aqui.