“Você não gosta de mim, mas sua filha gosta”, canta Chico Buarque, em Jorge Maravilha.
Lembrei da letra ao me deparar com os números estratificados da pesquisa Ipec divulgada essa semana, no Rio de Janeiro, com entrevistas realizadas entre os dias 19 e 22 de maio.
Um detalhe que deve ser levado em conta: a pesquisa pegou o impacto do famoso “debate” entre Ciro Gomes e Gregório Duvivier, ocorrido no dia 20 de maio.
O Rio de Janeiro é o terceiro maior colégio eleitoral do país, e o desempenho dos candidatos no estado será fundamental para o resultado nacional.
Essa constatação vale especialmente para Lula. Como já é líquido e certo que o petista deve ter uma grande performance no nordeste, ele precisa agora melhorar sua pontuação eleitoral principalmente no Sudeste.
Vamos lembrar os números básicos, com intenção de voto espontânea e estimulada. Em seguida, vamos trazer a novidade dessa análise, que são os dados estratificados, divulgados hoje pelo Ipec.
Os números acima já foram muito comentados.
Vamos analisar diretamente, sem mais delongas, os dados estratificados, que organizamos aqui por votos válidos, para simplificar.
Destaques:
- Lula ganha em todos os extratos, com exceção dos evangélicos, onde perde de Bolsonaro por 53% X 34%.
- Ciro tem apenas 3% entre evangélicos.
- Lula tem 61% entre mulheres, 34 pontos acima de Bolsonaro.
- Lula tem 65% entre eleitores com instrução até o ensino fundamental, contra 25% de Bolsonaro e 2% de Ciro.
Conclusão
Os dados não deixam dúvida de que o ex-presidente Lula tornou-se uma força eleitoral avassaladora no estado do Rio de Janeiro.
Diferentemente de 2018, onde o PT ainda tinha problemas de rejeição na classe média fluminense, isso parece ter mudado radicalmente.
Hoje Lula lidera com folga também nos setores médios e mais instruídos do eleitorado fluminense, ao mesmo tempo em que conquistou uma hegemonia sem paralelo junto aos menos instruídos.
A migração de votos de Ciro para Lula já aconteceu no Rio de Janeiro, o que deve antecipar uma tendência nacional. A campanha do pedetista alimenta esperanças de que a propaganda eleitoral na TV pode mudar isso. Não é provável, até porque a propaganda partidária já começou há meses, e nada mudou. Sem contar que Lula terá muito mais tempo de tv do que Ciro, então qualquer ataque contra Lula via propaganda eleitoral poderá ser facilmente neutralizado pela campanha petista.
Outro problema de Ciro é que já ficou bastante claro a emergência de uma dinâmica pouco propícia para ataques a Lula, especialmente quando esses ataques vem de alguém com o histórico de Ciro. Os ataques de Ciro contra Lula se voltam contra o próprio pedetista, e ironicamente ajudam Lula porque os vulgarizam.
Em 2018, Ciro recebeu votos no Rio principalmente de eleitores progressistas. As zonas eleitorais onde o pedetista teve mais votos foram as mesmas que deram grandes quantidade de votos a Freixo e Molon.
No total, ele recebeu 15,22% dos votos válidos, contra 59,8% de Bolsonaro e 14,7% de Haddad. Hoje Ciro tem 5% de intenções de voto (calculado em votos válidos) no estado do Rio.
Outro ponto que merece destaque é a força de Lula entre eleitores que se consideram pretos ou pardos: 57% dos votos válidos.
O único ponto vulnerável de Lula no estado do Rio, de fato, são os evangélicos. Segundo o Ipec, Bolsonaro lidera isoladamente nesse segmento. Mas a base de Lula, de 34% de votos válidos entre evangélicos, pode crescer, por pressões sociais externas à religião. A enorme força de Lula entre as mulheres fluminenses representa um desses vetores de pressão.
As mulheres evangélicas lulistas tentarão convencer as evangélicas bolsonaristas, ou pelo menos irão trabalhar para conter os ataques.
Com 34% de votos válidos entre evangélicos, Lula consegue construir uma campanha tanto defensiva como ofensiva. Defensiva no sentido de neutralizar as ondas de fake news vindas de grupos bolsonaristas incrustrados entre evangélicos. As evangélicas lulistas irão contrapor argumentos para desmanchar as mentiras. Ofensiva, por sua vez, no sentido de que as evangélicas lulistas irão fazer campanha ativa para que suas colegas bolsonaristas ou indecisas mudem de voto.
Outro ponto bastante animador para Lula é sua força entre a juventude. Numa campanha altamente dependente da performance dos candidatatos nas redes sociais, ter apoio dos jovens ajuda muito a construir estratégias de divulgação, contenção e contrataque. Ciro Gomes tentou fazer isso com seu programa Ciro Games, mas quem conquistou o coração dos jovens foi Lula.
Segundo a Ipec, Lula tem 59% dos votos válidos entre jovens até 24 anos, contra 27% de Bolsonaro e 3% de Ciro Gomes.
Outro trunfo importante de Lula é sua vantagem entre eleitores autoidentificados de cor preta ou parda, entre os quais o ex-presidente já tem 57% dos votos válidos. Essa maioria negra irá ajudar a campanha petista a denunciar o caráter fortemente racista do governo Bolsonaro.
Mas Lula também lidera entre eleitores brancos do Rio de Janeiro, com 48% dos válidos, de maneira que também não será possível, para Bolsonaro, lançar contra o petista algum tipo de narrativa reacionária anti-identitária. Lula lidera entre brancos, pardos e pretos, ou seja, é preferido por todas as raças.
No título, usamos o verbo “cresce” mesmo sem uma base de comparação com pesquisa anterior da Ipec, por causa de uma razão baseada no avanço do tempo. A gente usa a teoria da relatividade também para pesquisas eleitorais.
Os 61% de Lula entre mulheres é um número tão alto, que exerce um poder gravitacional suficiente para dizermos que o petista está crescendo nesse segmento, e crescendo rápido!
Se a Ipec estiver correta, o Rio de Janeiro está dando uma grande contribuição para a derrota do bolsonarismo, com um gostinho especial de ser na própria casa desse movimento!
A íntegra do relatório estratificado do Ipec no Rio pode ser baixada aqui.