Nas últimas três eleições presidenciais que disputou, Ciro Gomes sempre tentou passar ao eleitor a imagem de um candidato diferenciado, com propostas claras e com críticas sobre o modelo político e econômico vigente no Brasil.
Suas entrevistas e palestras ganhavam atenção até mesmo de quem discordasse de suas premissas, como liberais e conservadores. O ex-ministro também tinha bastante recall entre aqueles que ocupavam o mesmo campo, o da esquerda.
Sua atuação contra o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, foi uma das mais contundentes. O papel de Ciro naquele momento turbulento da história brasileira foi tão crucial quanto de algumas lideranças do próprio PT.
Em 2018, o ex-governador ganhou atenção com seu Projeto Nacional de Desenvolvimento. Vale lembrar que naquele momento suas propostas ainda eram debatidas com o público, através de palestras, entrevistas e encontros. Ciro também colocava suas ideias em artigos publicados na Carta Capital.
O resultado de todas essas movimentações foi que o pedetista recebeu os votos de uma fatia importante do eleitorado (13,4 milhões), incluindo artistas e intelectuais que acreditavam que Ciro Gomes seria o candidato ideal para derrotar Jair Bolsonaro.
Um dos artistas que defendeu abertamente a candidatura de Ciro Gomes, naquele ano, foi o comediante Gregório Duvivier. Talentoso e popular, Duvivier acolheu as ideias do PND e praticamente fez campanha para o pedetista. O ex-ministro não chegou ao 2° turno e o resto da história nós já sabemos.
Praticamente quatro anos depois, o que se presenciou foi uma das cenas mais constrangedoras e vexatórias para uma candidatura a presidência.
Primeiramente, é inédito na história brasileira que um postulante presidencial tenha feito tanta questão em debater com um comediante, que não tem a obrigação de ser sério como um candidato.
Segundo ponto, Ciro Gomes revelou ao público sua incapacidade de exercer uma das práticas básicas de um democrata, a escuta. Praticamente durante toda a transmissão, o pedetista “atropelou” as falas de Duvivier, especialmente aquelas em que o comediante tentava concluir seu raciocínio.
Como cidadão e jornalista, tenho a obrigação de refletir sobre como seria a postura de Ciro Gomes com a imprensa e o público caso ocupasse a presidência da República. Na esfera do governo, qual seria a reação do pedetista caso fosse confrontado por um aliado ou ministro?
Terceiro ponto, é notório que Ciro Gomes alimenta uma prática prejudicial a democracia, que é o monopólio da razão. Só ditadores agem como os donos da verdade e do conhecimento. Só ditadores pedem cabeças de jornalistas em público, assim como o ex-ministro fez ao ordenar que Duvivier demitisse sua equipe de 80 pessoas.
Em vários momentos da live, Ciro Gomes constrange Duvivier ao dizer que o comediante tem pouco conhecimento e vivência devido a sua idade. Diga-se de passagem, essa forma de agir só escancara a insegurança do candidato.
Quarta observação, talvez uma das mais vergonhosas e deselegantes, foi Ciro ter insinuado que Duvivier estaria sendo assessorado por “10 pessoas” para fazer “jogadinhas ensaiadas” a favor do ex-presidente Lula. Imediatamente, Gregório demonstrou que estava sozinho e que o pedetista estava levantando uma falsa e grave acusação.
Por fim, como se não bastasse todo o show de petulância, insegurança e deselegância por parte do pré-candidato do PDT, sua live serviu como artilharia para Jair Bolsonaro atacar o campo progressista.
Minutos após o término, Bolsonaro usou um print da live de Ciro Gomes para fazer propaganda do seu governo e associar a esquerda com a legalização geral das drogas. É preciso lembrar que essa imagem deve está circulando em grupos bolsonaristas no WhatsApp e Telegram.
A verdade é que não se sabe qual será o real destino de Ciro Gomes nesta eleição presidencial, pois suas perspectivas eleitorais se reduzem a cada ataque, a cada semana, a cada pesquisa.
Seus correligionários do PDT já sinalizam publicamente que desejam subir no palanque de Lula, como são os casos dos pré-candidatos aos governos estaduais Miguel Corrêa (Minas Gerais), Rodrigo Neves (Rio de Janeiro), Weverton Rocha (Maranhão) e a própria governadora do Ceará, Izolda Cela.
O presidente do PDT, Carlos Lupi, ainda resiste a uma conversa com Lula, mas é notório que essa resistência não será por muito tempo, a medida em que aumenta a pressão interna e a estagnação e/ou declínio de Ciro nas pesquisas. Vamos lembrar que na política, por muitas vezes, a sobrevivência de todos do partido é mais valiosa que a candidatura de um lobo solitário.