Carlos Julio Díaz Lotero, diretor-geral da Escola, destaca importância das eleições presidenciais do próximo 29 de maio e o papel de Gustavo Petro, do Pacto Histórico, para “construir um Estado-nação soberano”
Por Leonardo Wexell Severo (ComunicaSul)
“É preciso um Estado-nação soberano que desenvolva todos os ramos essenciais da agricultura, mineração e indústria em vez de continuarmos baseando nossa economia em atividades extrativistas, exportadoras primárias e especulativas”, defendeu Carlos Julio Díaz Lotero, diretor-geral da Escola Sindical Nacional da Colômbia, em Medellín. A escola, que completará 40 anos em agosto, funciona nos mesmos moldes do brasileiro Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), mas vai além. É um centro de estudos e de avaliação, prestando assessoria legal, formação e negociação coletiva para os trabalhadores.
“Nossa estrutura é fruto da ideia de setores acadêmicos, professores universitários com enfoque democrático, de esquerda e líderes sociais, para ser um centro de pensamento à disposição dos movimentos. A escola tem aportado ideias, propostas, estudos e pesquisas, dando maior ênfase à linha investigativa para que as centrais sindicais estejam em condições de disputa no debate com o empresariado em temas como emprego, seguridade social e políticas públicas”, explicou o educador nesta entrevista exclusiva. Segundo o diretor-geral, “a Colômbia é um país onde o sindicalismo continua sendo marginal e o tema da violência é uma das causas, assim como a violência neoliberal”, o que faz das próximas eleições presidenciais um momento estratégico para se virar a página.
Neste momento de eleições presidenciais, há a disputa entre um modelo de nação e a continuidade de 200 anos de neocolonialismo. Qual a importância da formação sindical?
Os Sindicatos na Colômbia necessitam obviamente de mais formação para entender os temas do mundo do trabalho. Hoje está em debate o modelo de seguridade social e aposentadoria, uma disputa entre o modelo de distribuição e o de solidariedade intergeracional. São enfoques bem distintos.
Gustavo Petro, candidato do Pacto Histórico à presidência, trouxe à tona este debate, que se espraiou pelo país. Isso é algo que os sindicatos devem entender muito melhor porque estão fazendo terrorismo com a desinformação. É preciso que os trabalhadores tenham mais formação e maior cultura política.
Acredito que o novo Congresso deve fazer os ajustes institucionais, legais e constitucionais para reorientar o modelo de desenvolvimento que nos governa há mais de 30 anos com resultados bastante deprimentes. Empregos de qualidade, estáveis e bem remunerados só serão possíveis se o Estado implementar políticas que promovam o desenvolvimento integral das forças produtivas da nação – sua população, agricultura e indústria – com ênfase no progresso científico e tecnológico e no aprimoramento de partes importantes da economia e infraestrutura social.
O novo modelo de desenvolvimento deve ter um papel primordial no apoio à liberdade de empresa em combinação com o papel econômico do Estado, por exemplo, na regulação da moeda, no comércio e nos mercados, na promoção da indústria nacional, na promoção do desenvolvimento de infraestrutura, na garantia da disponibilidade de crédito adequado para o investimento produtivo.
O objetivo é desenvolver todos os ramos essenciais da agricultura, mineração e indústria em vez de continuarmos baseando nossa economia em atividades extrativistas, exportadoras primárias e especulativas. Somente um Estado-nação soberano pode fornecer e garantir a estrutura necessária para uma atividade produtiva sustentada que gere trabalho decente.
Na sua opinião, quais são as questões centrais para a superação do modelo dependente? Quais os nós a serem desatados de imediato?
Os estados nacionais mais bem sucedidos da história desenvolveram, dentro de certos parâmetros, as seguintes funções: monopólio de armas e segurança interna e externa nas mãos do Estado; um sistema legal, equitativo e funcional que fornece uma base estável para acordos entre pessoas e instituições; moeda única com valor estável em relação às matérias-primas e cesta básica de bens e serviços; sistema financeiro e de crédito regulado pelo Estado com um banco nacional de desenvolvimento que oriente a criação primária e secundária de dinheiro para a economia real.
Necessitamos de um sistema de saúde que garanta padrões elementares de atendimento; um sistema público de Previdência que promova a saúde e previna mortes, acidentes e doenças relacionadas ao trabalho; um sistema de educação pública universal; infraestrutura física básica (transportes, energia, água, comunicações). Precisamos de uma base produtiva nacional que englobe os setores essenciais da agricultura, mineração e indústria, composto por uma conjunção de empresas privadas e estatais; instituições de pesquisa científica e inovação que trabalhem. E o governo deve ter uma estratégia econômica de longo prazo com instrumentos essenciais para implementar as decisões econômicas.
Apesar da vitória da oposição no Senado e na Câmara, as eleições parlamentares colombianas registraram um alto nível de abstenção em março. O que isso significa? O que é preciso fazer para reverter este quadro?
As eleições passadas registraram uma abstenção de 54%, bem alta, com muitas pessoas vendendo votos para políticos que tiram proveito da pobreza. Em nosso país há regiões onde não existe classe média: ou há muitos ricos ou muito pobres. Diante disso, corruptos pagam qualquer coisa e miseráveis veem a eleição como oportunidade para conseguir algo.
Mas o momento é bem interessante e efervescente. Os jovens foram muito importantes nos protestos sociais durante o ano passado, mas ainda não foram às urnas para votar até agora. Existe muito inconformismo, mas ele ainda não se expressou e precisa ser mais e melhor trabalhado.
Precisamos fortalecer a educação obviamente nas agendas próprias do mundo do trabalho, mas reconhecer que o tema da política também diz respeito ao sindicalismo. Que a agenda reivindicativo também é política. Não falo de algo partidário, mas enquanto incidência em política pública, de algo fundamental na construção do Estado social, de bem-estar. Estes são problemas que precisam ser retomados.
Às vezes os sindicatos são muito corporativos, voltados aos seus problemas internos e necessitamos que entendam que são trabalhadores, cidadãos de um país em que aquilo que podem ganhar no salário, numa negociação coletiva, podem perder com uma reforma tributária. Podem te passar a cobrar mais pela comida, pelo combustível, pelo serviço público domiciliar…
Pela privatização do Estado…
Sim, há muita privatização do Estado na Colômbia. Os serviços públicos estão completamente privatizados, concentrados em mãos de grupos econômicos multinacionais: a energia, a água, a saúde, as aposentadorias, a maior parte da segurança do trabalho.
É preciso que conheçamos melhor o Estado, qual o seu papel. Porque hoje nos vendem a agenda do Estado mínimo. É preciso recuperar o debate de forma coletiva.
Esta é uma questão-chave porque a negociação tem muito pouca cobertura econômica. Há baixa representação sindical; temos problemas internos que precisamos resolver, que dizem respeito à fragmentação; há muito poucos filiados e há muitas entidades.
E qual o peso do terrorismo de Estado neste quadro?
Mas além da violência, infelizmente, há problemas internos de concepção de algumas lideranças. A baixa representatividade se complica quando numa mesma empresa há dez sindicatos, e é muito complicado colocar todas as entidades para negociar. Esta é uma vantagem do Brasil: termos um único Sindicato por categoria.
A divisão é aproveitada pelas empresas na Colômbia para fragmentar e, consequentemente, enfraquecer os trabalhadores.
Além desta fragmentação, temos a violência e as reformas neoliberais que debilitaram o contrato coletivo e geraram outras formas de regulação de trabalho alheias ao direito laboral, como o direito cooperativo, o direito comercial e o direito civil. Aqui há muitas figuras alheias ao direito laboral regulando o trabalho, o que é um absurdo.
Precisamos recuperar o contrato do trabalho, o vínculo com o Estado, porque a questão trabalhista foi se diluindo com o avanço das reformas neoliberais. Os Sindicatos foram se enfraquecendo, mas também há o problema das lutas internas. Há uma falsa concepção da autonomia, que se pode fazer o que bem entende, sem ter responsabilidade com o trabalhador. O fato é que ao promover quatro ou cinco sindicatos numa mesma base está se debilitando o conjunto. Há problemas internos de valores, de princípios, que precisam ser retomados, como a solidariedade.
Claro que este não é apenas um problema da Colômbia, mas que aqui se fez forte por conta do neoliberalismo ter promovido a cultura do individualismo, do ‘salve-se quem puder’. É preciso ter uma visão coletiva da sociedade.
Quais são os principais pontos do programa do Pacto Histórico?
Entre os cerca de 23 milhões de trabalhadores colombianos, há somente nove milhões de formais, os demais encontram-se na informalidade, uma precariedade que a pandemia agravou. Houve uma agudização do problema da fome, que atinge 21 milhões dos 51 milhões de colombianos por falta de recursos, do emprego sem direitos.
Então o problema da falta de oportunidades tem muito a ver com o modelo de desenvolvimento, da falta de direito ao trabalho. Tivemos uma grande regressão social e material no mercado de trabalho e isso associado à questão da Seguridade Social. Aqui a Saúde não funciona, dos sete milhões de idosos só dois milhões recebem aposentadoria, há muita marginalidade e pobreza.
É preciso recuperar a centralidade do trabalho na sociedade, porque não é que tenha havido uma desvalorização, aqui o trabalho já não vale nada, foi colocado fora da agenda pública. Pior, tivemos um governo, o de Álvaro Uribe, que extinguiu o Ministério do Trabalho, mandando uma mensagem para a sociedade sobre o que ele significava enquanto política pública. O neoliberalismo nos causou muito dano.
E qual o papel do trabalho nesta queda de braço com o neoliberalismo?
O trabalho é o mais importante para o ser humano, porque tem dois significados: permite uma renda, um meio de subsistir, e também dá um sentido à vida, para a pessoa se sentir útil. Ter emprego melhora a autoestima, do contrário nos desvalorizamos enquanto seres humanos. Por isso acredito que é preciso recuperar o sentido do trabalho na sociedade, com direitos, naquilo que gostamos com valores que nos permitam viver decentemente e desenvolvendo nossas potencialidades. Aí está o sentido da felicidade humana.
Em nosso país temos muita gente formada em engenharia trabalhando em um táxi ou vendendo nas ruas. A questão é que a educação não serve para nada, porque não há formação, não há fonte de emprego.
Acredito que em um novo governo os sindicatos de servidores e dos setores estratégicos devem ajudar a construir políticas públicas para o crédito. Aqui dizem que emitir dinheiro para especular não é inflacionário, mas se for para investir nos agricultores é. Estessão temas manipulados por uma elite de tecnocratas apartados da sociedade.
Há uma acirrada disputa política e ideológica em curso. Como está a concentração dos meios de comunicação na Colômbia?
A mídia está totalmente concentrada na mão de três ou quatro grupos econômicos. Os meios de comunicação que controlam o país são os que manipulam a opinião pública. Temos enormes problemas porque os meios alternativos são bem marginalizados.
Esta concentração também constrói imaginários sociais totalmente contrários aos interesses do país. Hoje há uma campanha de que Gustavo Petro vai expropriar as aposentadorias, porque ele falou que iria recuperar o sistema público. Então há muitos pobres que acreditam nesta desinformação. Houve um político que disse certa vez que não temos opinião pública, mas publicada. O campo de batalha é a última instância da mente humana e é aí que vamos disputar os corações das pessoas.
Como Escola Nacional temos uma agência de formação sindical que luta para colocar o tema do trabalho na agenda pública do país, mas que obviamente não tem o peso dos grandes meios. Mas temos presente esta preocupação.
Aqui a importância é exercer o direito à cidadania e que o Estado dê garantias. Nas últimas eleições ocorreram imensas quantidades de irregularidades e há uma desconfiança absoluta na parte institucional do processo. Não há nenhuma credibilidade nos tribunais eleitorais, há temas muito confusos e acredito que seja necessário apontar estes problemas.
Claro que é hora de denunciar as irregularidades e atuar com força, de forma coordenada, para que as pessoas se conheçam e mobilizem, para fazer com que o fortalecimento da renda e dos direitos seja uma realidade no país que sairá das urnas.
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