Os ataques de ódio, misóginos, homofóbicos, a publicação reiterada das fake news mais grotescas, são hábitos que, infelizmente, tornaram-se comuns no país de Bolsonaro, a partir de uma rede de blogs que se engajaram na eleição do presidente e ainda hoje o apoiam.
Entre os alvos preferenciais dessa máquina de ódio temos jornalistas mulheres, como Patrícia Campos Mello, da Folha de São Paulo.
Tão atacada pelo bolsonarismo, Mello foi defendida com unhas e dentes por este e outros blogs progressistas. Dê um google O Cafezinho + Patrícia Campos Mello e encontrará dezenas de posts com enfáticas defesas da jornalista.
Por isso foi com profunda decepção que me deparei, em seu livro Máquina do Ódio, com um ataque inteiramente gratuito ao Cafezinho, e a outros blogs progressistas, comparando-nos à rede de ódio bolsonarista.
Os blogs progressistas citados pela jornalista jamais defenderam o fim do STF, jamais defenderam intervenção militar, jamais promoveram campanhas de difamação pessoal, jamais se posicionaram contra a ciência. Sempre se posicionaram firmemente em favor da democracia, da liberdade de expressão, e do pluralismo político.
A jornalista, ao mencionar o “ecossistema” midiático bolsonarista, fala em “esforços de moldar a narrativa” e inundar as redes sociais com as “versões que querem emplacar”.
Aí entramos exatamente no grande risco que corremos, ao fazer o debate sobre o combate às fake news e às máquinas de ódio criadas na internet, que é colocar a grande imprensa num pedestal moral que, definiticamente, ela não pode e não deve ocupar. E não deve ocupar não porque seja uma imprensa inteiramente ruim e desprovida de qualidades. Não é isso. Em muitas ocasiões, a imprensa brasileira faz um ótimo trabalho. Mas ela não é proprietária da verdade. Suas “versões” sobre a realidade não são as únicas corretas. A imprensa tradicional brasileira também comete erros, e graves. Também promove ataques à reputação “do alvo da vez”. E também tenta emplacar narrativas que lhes convém, frequentemente em detrimento da mais escorreita verdade dos fatos.
O problema nunca foi a existência de “ecossistema de sites, blogs e influenciadores”. Esses ecossistemas existirão enquanto existir internet, e enquanto a internet for livre. Houve um tempo, de fato, em que os jornalões mandavam sozinhos na opinião pública brasileira. A geração de Campos Mello pegou esse tempo, e certamente tem saudades do poder político e financeiro descomunal que tinham as empresas para as quais trabalhavam, até porque, nesse tempo, os jornalistas da grande imprensa integravam uma influente elite.
Esse mundo mudou. A partir do amadurecimento da internet, surgiram variados “ecossistemas de sites, blogs e influenciadores”. A isso também se chama modernidade, e ampliou dramaticamente o pluralismo de opinião num país como o Brasil, onde havia uma concentração de imprensa absolutamente incompatível com um regime democrático.
Prezada Patrícia, a senhora é uma jornalista premiada e culta, e certamente sabe muito bem que o que se convencionou chamar de grande imprensa brasileira não tem, propriamente, um bonito histórico em relação à democracia brasileira. No passado, apoiou o golpe de 1964 e sustentou por muito tempo a ditadura militar. No presente, fez campanha a favor do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff, e integrou o mecanismo de ódio e fake news que produziu a Lava Jato, operação criminosa que destruiu a economia brasileira e deu origem ao bolsonarismo.
Sim, essa é a “versão” dos fatos da maioria do campo progressista, que tem naturalmente o seu próprio “ecossistema de blogs, sites e influencers”.
Ninguém é dono da verdade. Eventualmente, os “blogs, sites e influencers” do campo progressista também erram. Igualmente, não constituímos um bloco monolítico.
Entretanto, repudio ferozmente qualquer comparação de blogs como O Cafezinho, Tijolaço, DCM, Viomundo, Blog da Cidadania, com o esgoto bolsonarista, sempre repleto de ataques à ciência, aos movimentos sociais, e qualquer cidadão com valores progressistas, ou de esquerda.
Não confunda o contraponto (um contraponto necessário, democrático, fundamental) que fazíamos, e ainda fazemos às opiniões hegemônicas da grande imprensa, com os ataques misóginos, sempre a nível pessoal, que o esgoto bolsonarista tenta normalizar.
Não confunda também a violência inerente das redes sociais com o trabalho jornalísticos dos portais progressistas. Internautas que lêem a Folha também cometem suas impropriedades verbais, mas a culpa não é da Folha, assim como também os portais progressistas não podem ser responsabilizados por qualquer besteira dita por seus milhões de leitores.
Seu ataques aos portais progressistas, no trecho do livro Máquina do Ódio, que reproduzimos abaixo, refletem preconceito político e profissional, por sua vez nascido de um corporativismo antidemocrático e truculento, contra colegas de imprensa que, de fato, romperam a hegemonia que os grandes meios de comunicação exerciam no jornalismo político nacional.
A propósito, a “máquina de ódio” reacionária, de que você foi vítima durante o governo Bolsonaro, vem atacando o campo progressista há muito tempo, frequentemente com ajuda da própria grande imprensa, como quando a Folha e o UOL tentavam emplacar a “narrativa” de que as verbas publicitárias que os jornalões recebiam de todos os governos eram legais e limpinhas, ao passo que as mesmas verbas, quando destinadas a portais progressistas, eram ilegais e sujas.
Antes mesmo do bolsonarismo, alguns colegas nossos foram vítimas de campanhas de ódio. Blogueiros progressistas são atacados pela extrema-direita há anos. A grande imprensa sempre pareceu se regozijar com isso, até que esse ódio passou a vitimar profissionais da própria grande imprensa.
Não acho, porém, que estejamos em lados opostos. Está claro que você é uma pessoa com valores progressistas e humanistas, e reitero minha solidariedade às violências perpetradas contra si e contra suas colegas por esse ajuntamento de fascistas que ocupa o governo federal e seu entorno.
Gostaria apenas que soubesse que, daqui da planície, no “ecossistema” de blogs e sites de esquerda, lutamos há muitos anos contra o autoritarismo fascista, sem recursos dos grandes bancos, sem apoio das agências de publicidade norte-americanas, sem fontes no Minstério Público.
Quando houve o golpe de 2016, resultado de uma conspirata da qual muitos de vocês, profissionais de grande mídia, participaram do início ao fim, em conluio com membros da Lava Jato e os setores mais autoritários e reacionários do país (como os deputados Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro), os blogs foram os primeiros a serem atacados. A primeira decisão do presidente imposto pelo golpe, Michel Temer, foi interromper o pagamento de publicidades já contratadas e realizadas por portais de esquerda. Ninguém interrompeu a publicidade paga à Folha e ao UOL. Muito pelo contrário: na era Temer, a publicidade federal nos grandes portais comerciais explodiu (na contramão dos investimentos em infra-estrutura, em pequisa e em educação).
No entanto, contra tudo e contra todos, crescemos e nos desenvolvemos nos últimos anos, em condições extremamente inóspitas.
Os ataques gratuitos em seu livro constituem apenas mais um exemplo dessa campanha sistemática da elite financeira brasileira, através de seus lacaios na grande imprensa, contra qualquer voz dissonante.
Não é a tôa que o Brasil permanece um dos países mais desiguais e injustos do mundo. Mas não com a nossa participação: esperamos que, na nova etapa política que o Brasil pode viver a partir das eleições deste ano, a sociedade esteja vacinada não apenas contra a máquina do ódio bolsonarista, mas também contra essa outra máquina do ódio, ainda mais insidiosa e sofisticada, que vem de uma grande imprensa mancomunada com um regime de economia política que violenta milhões de brasileiros!
Como disse Brizola, que completaria cem anos, e que sempre foi um duro crítico do conservadorismo obtuso da nossa grande imprensa:
“Nossos caminhos são pacíficos, nossos métodos democráticos, mas, se nos tentam impedir, só Deus sabe nossa obstinação”.
Trecho do livro Máquina do Ódio, de Patrícia Campos Mello: