Em 23 de setembro de 2021, a coluna de Lauro Jardim, no jornal O Globo, trouxe uma notícia curiosa. A XP Investimentos continuaria a financiar a pesquisa eleitoral conduzida pelo instituto Ipespe, mas sem acrescentar seu nome.
O motivo, segundo a nota, seria “não ferir suscetibilidades dos seguidores do presidente”, incomodados com os números, que traziam uma vantagem crescente de Lula e a desidratação de Bolsonaro.
Do ponto-de-vista das relações públicas, foi uma decisão desastrada, além de inútil, pois toda a imprensa continuaria a informar que a pesquisa Ipespe é paga pela XP.
A partir de janeiro deste ano, é impossível ocultar esse tipo de informação, porque o TSE exige que toda a pesquisa eleitoral revele o preço e quem paga a pesquisa.
A propósito, a última pesquisa Ipespe, com 1.000 entrevistas telefônicas realizadas entre 7 e 9 de fevereiro de 2022, custou R$ 42.000,00 e foi paga pela… XP, conforme nota fiscal disponível no site do TSE.
A Ipespe mostrava que Lula tinha 36% dos votos espontâneos, contra 24% de Bolsonaro, 4% de Moro e 4% de Ciro Gomes.
Na primeira semana de janeiro, a XP comprou o banco Modalmais, por R$ 3 bilhões, e com isso “herdou” o patrocínio de uma outra pesquisa, igualmente mensal, conduzida pelo instituto Futura Inteligência.
Segundo o TSE, a pesquisa Futura, com 2.000 entrevistas telefônicas realizadas entre os dias 14 e 17 de fevereiro, custou R$ 87.688,00 (em valor líquido, já descontados os impostos), pagos pelo Banco Modal, que, vale repetir, hoje pertence ao XP.
A propósito, entre os principais acionistas estrangeiros da XP encontramos, coincidentemente, sócios privados da… Petrobrás, como o fundo Capital Research Global Investors, que detem US$ 536,6 milhões investidos na XP Inc e outros US$ 463,7 milhões aplicados em ações da estatal brasileira de petróleo. Mas isso fica para outra reportagem.
Vamos à análise da pesquisa Modalmais (XP)/Futura de fevereiro. Comecemos pela espontânea.
Eu preparei um gráfico com a evolução dos números desde julho.
Os pontos que merecem destaque são:
- Lula se mantém firme com exatamente um terço do eleitorado “espontâneo”, ou 33,3%. Esse número é coerente com o de outras pesquisas.
- Uma das mais recentes, a CNT/MDA, com 2.000 entrevistas presenciais realizadas entre os dias 16 a 19 de fevereiro (ou seja, mais recente que a Futura), traz Lula com 32,8% dos espontâneos.
- O número que destoa na Futura, portanto, é a votação espontânea de Bolsonaro: 34,3%, dez pontos a mais que na CNT/MDA, que é de 24,4%.
- Na última Quaest, que fez 2.000 entrevistas presenciais entre os dias 3 a 6 de fevereiro, Bolsonaro tinha apenas 16% na votação espontânea, e Lula 28%.
- Moro e Ciro desidratam bastante na espontânea da Modalmais/Futura: Ciro cai para 1,7%, sua pior pontuação desde o início da série histórica, ao passo que Moro pontua 2,7%, apresentando queda contínua desde novembro.
Eu fiz uma tabela comparativa, com as intenções de voto espontâneo das principais pesquisas, presenciais e telefônicas, divulgadas desde dezembro de 2021.
A votação espontânea de Bolsonaro (34,3%) na Modalmais/ Futura é realmente um ponto fora da curva, quase 12 pontos acima da média (22,78%) das seis pesquisas mais importantes divulgadas nos últimos dois meses.
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A Modalmais/ Futura fez cenários de segundo turno. Nesses, o ex-presidente Lula é o único que vence Bolsonaro, com 8 pontos de vantagem: 48,0 X 40,1.
Ciro Gomes perderia de Bolsonaro por mais de 5 pontos: 43,2 X 37,8.
Já um embate entre Lula e Ciro Gomes seria aquele em que o ex-presidente venceria com mais facilidade, com 22,8 pontos de vantagem: 46,0 X 23,2.
Outros gráficos
A pesquisa traz outros gráficos interessantes. Num deles, pergunta-se ao entrevistado: “qual candidato você considera que mais se identifica com seus valores/crenças e com a sua forma de pensar”.
Bolsonaro e Lula dividem o primeiro lugar, com 34% cada um. Sergio Moro pontua 8,5%, e Ciro Gomes tem apenas 5%.
A pesquisa também pergunta sobre o candidato que, segundo o entrevistado, é mais apto a resolver os problemas econômicos do país.
O ex-presidente lidera com 34,3% nesse quesito, contra 30% de Bolsonaro. Sergio Moro e Ciro ficam muito atrás, com 8,2% e 6,5%, respectivamente.
Quando se faz a pergunta sobre o candidato mais preparado para combater a corrupção, constata-se que, para alguns entrevistados, o ex-presidente Lula ainda enfrenta rejeição, pois o petista fica em segundo lugar, com 23,5%, contra 33,2% de Bolsonaro. Sergio Moro tem uma pontuação razoável, de 17,7%, mas Ciro patina nessa seara, com apenas 5,5%.
Conclusão
Apesar dessa pesquisa apresentar dados fora da curva para Bolsonaro, os números espontâneos de Lula estão dentro da normalidade.
O que realmente chama atenção é o envelhecimento precoce da candidatura Moro e o esvaziamento drástico, espetacular, de Ciro Gomes.
De qualquer forma, a pesquisa reforça o argumento de que a busca da unidade em torno de Lula é a única postura responsável, sensata, para o campo progressista, pois os números mostram que somente o petista tem força popular para derrotar Bolsonaro. Em verdade, independente das articulações de cúpula, essa unidade já está sendo construída, espontaneamente, através do entendimento, da parte de setores crescentes do eleitorado, sobre a importância de uma vitória esmagora no primeiro turno.
Ataques despropositados ao candidato petista, sobretudo de ordem moral, podem resultar em fortalecimento do presidente Bolsonaro, cujo único trunfo – mostra a pesquisa acima – é sua imagem no quesito combate à corrupção, embora não por seus méritos (pois não os tem), mas em virtude da longa campanha de envenenamento da opinião pública contra o ex-presidente Lula e seu partido, conduzida por setores autoritários, corrompidos e golpistas do judiciário e da mídia.