Análise: nova pesquisa reforça importância de unidade em torno de Lula

Foto: Reprodução/Rolling Stones (Foto: Reprodução/Rolling Stones)

Em 2018, a campanha de Ciro Gomes conseguiu atrair alguns setores da classe média, especialmente em grandes cidades do sul e sudeste, com o argumento de que, segundo as pesquisas, apenas ele tinha condições de derrotar Jair Bolsonaro num eventual segundo turno.

O antipetismo atingira o seu auge. Lula estava condenado pela Lava Jato, preso em Curitiba, e barrado pela Ficha Limpa, lei que ele mesmo havia sancionado quando presidente.

Diante das circunstâncias, o argumento parecia fazer sentido, tanto que valeu a Ciro um bocado de votos. O pedetista teve mais votos que o PT em capitais importantes, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Florianópolis.

Dessa vez, no entanto, essa mesma estratégia se volta contra Ciro, e com muito mais força que antes. O perigo agora é maior.

Bolsonaro não é apenas uma ameaça, como era em 2018. Hoje ele é o presidente da república eleito, construiu uma base social altamente mobilizada, suas redes sociais são maiores que a dos outros candidatos, e ele terá, seguramente, apoio da poderosa e bilionária extrema-direita norte-americana.

Não importa que o atual presidente dos EUA, Joe Biden, seja um democrata vinculado a correntes progressistas que vêem Bolsonaro como uma figura grotesca e odiosa. Os interesses econômicos do imperialismo sempre falam mais alto. A doutrina ultraliberal e antinacionalista de Bolsonaro tem sido altamente vantajosa para setores estratégicos dos Estados Unidos, entre eles a indústria americana de petróleo, que vê o Brasil como um submisso mercado comprador de seus produtos. Não é por coincidência que, entre os principais financiadores de grupos norte-americanos de extrema-direita, como o Tea Party, estão os irmãos Koch, donos de refinarias de petróleo.

E o petróleo, importante ressaltar, voltou a ser o principal produto de exportação dos Estados Unidos.

A pesquisa CNT/MDA divulgada hoje (íntegra aqui) traz diversos cenários de segundo turno, e apenas Lula venceria com folga o presidente Bolsonaro.

Num embate direto entre Lula e Bolsonaro, o petista ganharia por 53,2% X 35,3%, o que corresponderia a 18 pontos de vantagem.

Já um segundo turno entre Bolsonaro e Ciro, a vantagem do pedetista seria de apenas 4 pontos.

Na pesquisa espontânea, que muitos analistas consideram ser a mais importante quando se está ainda relativamente distante do pleito, o ex-presidente Lula cresceu 3 pontos e já está com 32,8%, ou seja, um terço dos votos totais.

Como o Brasil tem hoje 147,1 milhões de cidadãos registrados no TSE, aptos a votar, isso significa que Lula tem 48 milhões de eleitores espontâneos, decididos a votar no petista.

Entretanto, a mesma pesquisa também mostra que Bolsonaro cresceu de 20% para 24,4% na votação espontânea. Esse percentual corresponde a um eleitorado de 36 milhões de bolsonaristas “espontâneos”, sendo que, por ser mais forte na classe média e hiper-ativo em redes sociais, é um eleitorado perigoso, que faz muito barulho e possui uma capacidade impressionante de espalhar notícias negativas contra os adversários.

Ciro e Moro ainda pontuam menos de 3%, cada um, na votação espontânea.

Ambos tinham esperança de que Bolsonaro perdesse votos, abrindo uma vaga à direita no segundo turno.

A pesquisa CNT/MDA é um banho de água fria nessa possibilidade.

Ao invés de cair, Bolsonaro subiu.

Na estimulada, Lula se mantém na liderança isolada, com 42,2%, sem alteração expressiva sobre a última pesquisa, de dezembro.

Bolsonaro, porém, ganhou 2,4 pontos e agora tem 28%.

Sergio Moro quebrou a película de gelo por onde caminhava e afundou na água gelada. Como é um movimento confirmado por outras pesquisas, sinaliza um derretimento acelerado de sua candidatura, e que acontece justamente no momento em que sua campanha se intensificou.

A conclusão é fatal: assim como uma pessoa que pisa em areia movediça, quanto mais o ex-juiz se movimenta, mais afunda.

A recuperação de Bolsonaro impede Ciro de comemorar os 2 pontos que ganhou, e que o levaram a 6,7%.

De qualquer forma, ainda é um número muito distante de representar ameaça ao presidente Bolsonaro.

Em junho de 2021, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, disse que tinha esperanças de que Ciro tivesse de 15% a 20% em março de 2022. Bem, falta uma semana para março…

“Nas últimas eleições ele já teve cerca de 13% dos votos válidos. [Portanto,] não é difícil chegar a 15% ou 20%”, disse Lupi em conversa com CartaCapital.

Se a pesquisa sugerisse uma tendência de declínio de Bolsonaro, aí sim, qualquer pequena oscilação positiva de Ciro poderia ser vista com otimismo. Não é o caso.

Entretanto, o maior desafio de Ciro será impedir o movimento de voto útil em Lula, que ganha força a cada vez que Bolsonaro demonstra resistência ou mesmo capacidade de recuperação.

Os quase 7% de Ciro poderiam ser determinantes para uma vitória de Lula no primeiro turno. Em votos válidos, Lula tem 48% e Ciro, 8%. Os eleitores somados corresponderiam a 56%, bem acima do necessário para encerrar a eleição já no início de outubro.

Uma das perguntas da pesquisa CNT/MDA foi sobre o segundo voto do eleitor. O eleitorado de Lula e Ciro Gomes tem pontos de convergência. Segundo a pesquisa, 40% dos eleitores de Ciro votariam em Lula como segunda opção, outros 17% votariam branco ou nulo, 11% em Sergio Moro e 9% em Doria.

Esses números confirmam que, no desenrolar da campanha, Ciro pode perder eleitores para Lula, na medida em que for caindo a ficha de que sua candidatura tem pouquíssimas chances de ocupar o lugar de Bolsonaro no segundo turno, e que uma vitória folgada de Lula no primeiro turno  seria uma excelente maneira de colocar um ponto final nos devaneios bolsonaristas de tumultuar as eleições.

A pesquisa trouxe vários gráficos e tabelas sobre a aprovação do governo e do presidente, e todos convergem para dois fatores: a estabilidade na aprovação de Bolsonaro, uma modesta queda em sua rejeição, mas tudo isso num quadro ainda fortemente negativo para o governo.

O desempenho pessoal do presidente Bolsonaro é desaprovado por 61% dos brasileiros, ao passo que 34% o aprovam.

Um dos fatores que, certamente, contribuem para o mau desempenho de Bolsonaro nas pesquisas foi a sua postura irresponsável e negacionista durante a pandemia. Para 54% dos entrevistados na pesquisa CNT/MDA, o presidente Bolsonaro “prejudicou a campanha nacional de vacinação”.

Outro dado importante da pesquisa é que, apesar das campanhas de fake news disseminadas por bolsonaristas, uma maioria esmagadora de brasileiros, 79%, se disse favorável a vacinas contra a Covid-19, inclusive para crianças.

Entretanto, foi expressivo o estrago provocado pela campanha negativa liderada por bolsonaristas, especialmente contra a vacinação infantil: 15,4% dos entrevistados responderam que são favoráveis a vacinas, mas apenas para adultos, e 4,4% responderam que são contra, tanto para adultos quanto para crianças.

Entretanto, não é apenas a vacina. É também a economia, estúpido.

A inflação, especialmente a que pesa sobre os preços dos alimentos, tem corroído a renda e o humor dos eleitores, e Bolsonaro paga um alto preço por isso. Segundo a CNT/MDA, 93% dos entrevistados responderam que os preços no supermercado “aumentaram muito”.

Outra tabela da pesquisa mostra que, para 60% dos entrevistados, a economia durante o governo Bolsonaro vai pior do que em governo anteriores. É uma avaliação fatal para qualquer governo, particularmente em ano de eleição, e mais ainda quando o principal adversário apresenta, como seu principal trunfo, ter encerrado seu governo com forte crescimento econômico. A economia brasileira cresceu 7,5% em 2010, último ano do governo Lula.

Interessante notar que 96% dos entrevistados da pesquisa CNT/MDA responderam que já ouviram “falar da existência de notícias falsas (fake news) criadas para confundir o leitor”. Isso sugere um eleitorado mais “vacinado” contra campanhas de notícias falsas, e essa “imunidade” pode ser um fator importante nas eleições de 2022.

Conclusão

Todos os números dessa pesquisa, assim como de outras, convergem para um cenário de fortíssima polarização. A chamada terceira via não vingou, e a tendência, hoje, é que seus eleitores refluam para os dois principais candidatos.

A maioria do eleitorado de Moro deve retornar a Bolsonaro, o que aliás é o que já está acontecendo. A recuperação de Bolsonaro nessa pesquisa se deu, aparentemente, às custas de Moro.

O eleitorado de Ciro, por sua vez, especialmente aqueles 40% que tem Lula como segunda opção de voto, se sentirá inclinado a dar um voto útil para Lula, para esmagar o fascismo bolsonarista logo no primeiro turno.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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