O assassinato do congolês Moïse Mugenyi demonstrou mais uma vez o que significa o racismo estrutural no Brasil. O prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, imediatamente tentou apresentar uma resposta para a situação ao oferecer o quiosque onde Moïse foi assassinado para sua família. Mas essa ação repercutiu muito mal no movimento social. É bom lembrar que Paes foi o primeiro político a defender publicamente na televisão a ação das milícias como uma forma de segurança contra o tráfico.
Liderança do movimento negro e dirigente do PCdoB, Edson Santana argumenta que Paes nunca tomou uma decisão contra o genocídio da população negra no Rio.
Segue abaixo o artigo na íntegra.
Caso Moïse: opinião de um homem negro
Por Edson Santana
O assassinato do congolês Moïse Mugenyi, ocorrido no dia 24 de Janeiro na Barra da Tijuca, deixou boa parte do mundo indignada. Moïse foi espancado até a morte após cobrar o pagamento de dois dias trabalhados no quiosque, na praia.
Durante 15 minutos, três homens se revezaram para, com um taco de basebol, tirar a vida do jovem de 24 anos.
O crime aconteceu em local público e foi testemunhado por algumas pessoas que foram intimidadas pelos criminosos. Segundo uma testemunha, dois guardas civis recusaram caminhar até o local e o quiosque continuou aberto mesmo com o corpo da vítima no local.
Tudo que foi citado à cima já é do conhecimento de muita gente, bem como o sucesso do ato que ocorreu no dia 05 de fevereiro quando milhares de pessoas tomaram à região do posto 08 da praia da Barra pedindo por justiça.
No mesmo dia a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro anunciou que no local do crime será construído um memorial em homenagem ao Moïse e que o quiosque Tropicália (onde ocorreu o crime), será administrado pela família da vítima.
O ato da prefeitura foi visto com bons olhos, como pode provar a publicação que foi feita logo após o ato pela página da prefeitura no Instagram.
Diante de toda repercussão e da jogada política no mínimo oportunista, cabe principalmente a população negra brasileira observar com criticidade as medidas adotadas pelo poder público e o comportamento das pessoas que se entendem militantes da causa racial e bateram palmas para Eduardo Paes.
O prefeito da cidade do Rio está em seu terceiro mandato e é conhecido por ser demasiadamente popular e bem sucedido na carreira política.
Neste mandato atual ele conseguiu a proeza de reunir em pastas importantes como a Cultura, Mulheres e Juventude, pessoas ligadas à luta popular, de algum modo. É evidente que se comparada a maioria das prefeituras em metrópoles, o Rio é minimamente avançado. No entanto, este avanço é suficiente para construir políticas públicas coerentes com os anseios da população negra carioca?
Se tomarmos como referência o caso Moïse será possível responder esta pergunta.
Eu, particularmente, enxergo com maus olhos e estômago embrulhado, a decisão em monetizar a família a partir do quiosque onde o parente (Moïse) foi assassinado. Me parece que é preciso não ter coração para colocar uma proposta como essa na mesa. Primeiro porque a família não vai recusar e segundo porque conviver cotidianamente com o fato brutal do assassinato não me parece nada saudável.
Também vejo com náuseas a proposta de se criar um memorial à vítima no local do ocorrido. As duas propostas, a meu ver, fazem parte do circo dos horrores perpetrado por quem vive de negociatas e oportunismo.
Eduardo Paes tenta solucionar uma problemática coletiva com soluções individuais.
Moïse só foi assassinado da forma que foi porque é um homem preto e jovem. Tanto é que a alegação dos assassinos é que a vítima estava roubando banhistas na praia.
É natural, quando se é negro no Brasil, ter vivido ao menos um momento desses: a acusação de roubo.
Lembro quando eu tinha 09 anos e fui à praia com meus pais e uma mulher branca pediu que eu olhasse seus pertences. Quando voltou da água, a mesma afirmou que tinha sumido dinheiro de sua bolsa. Meus pais acreditaram em mim.
O escritor Lima Barreto, em seu Diário íntimo, também relata que quando criança já foi acusado injustamente de roubo e que foi a primeira vez que pensou em suicídio.
Voltando para o caso Moïse, me pergunto se não seria interessante revitalizar e melhorar a localidade da estátua de João Cândido, jogada às traças na Praça XV, entre o mar e o VLT do Paes.
Me pergunto também se não seria interessante ocupar o vazio urbano que existe no centro da cidade, com moradias para a população pobre, que é majoritariamente negra. Moradia também para a comunidade congolesa.
Seria de bom grado que o prefeito mudasse a política da Guarda Municipal, que espanca camelôs (majoritariamente negros) e rouba suas mercadorias.
Ou que o prefeito assumisse uma postura adequada quanto ao genocídio da população negra carioca.
Quem sou eu para julgar a família da vítima…
Mas para julgar as medidas racistas da prefeitura, eu me chamo Edson Santana. Sou escritor e cria de Realengo, Zona Oeste da capital.
Edson Santana é escritor e dirigente do PCdoB.