O presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, falou hoje (3) ao Cafezinho sobre a aliança firmada entre o PSD e PDT para as eleições ao governo do Rio, anunciada nesta quarta-feira à noite.
“É muito importante que se construa uma alternativa no Rio que seja realmente ampla e que possa agregar múltiplas forças políticas. Precisamos reconstruir nosso estado, pois não temos mais quatro anos para perder”, declarou Santa Cruz.
Santa Cruz participou ontem de reunião entre Eduardo Paes, prefeito do Rio de Janeiro, Rodrigo Neves, pré-candidato do PDT ao governo do Rio, e Carlos Lupi, presidente nacional do PDT. O assunto foi, naturalmente, a eleição para o governo do estado.
Com a derrocada do MDB fluminense, após a prisão de seus principais quadros, Eduardo Paes emergiu como o principal articulador do centro político no estado. Tem boas relações à direita e à esquerda, e por isso seu apoio é tão cobiçado por quem deseja se tornar competitivo na disputa pelo Palácio da Guanabara.
E Santa Cruz se tornou uma espécie de “homem forte” de Eduardo Paes. É o seu pré-candidato ao governo de coração.
O acordo entre PSD e PDT deixou em aberto quem ocuparia a cabeça da chapa. Isso envolverá outras negociações, além de posicionamento em pesquisas.
Perguntamos a Santa Cruz se o acordo envolveria apoio a Ciro Gomes, que é o candidato do PDT a presidência da república.
“Não”, respondeu rapidamente.
Após uma pausa dramática, Santa Cruz completou:
“Estamos aguardando o Kassab [presidente nacional do PSD]”.
“Seguiremos a nacional”, finalizou Santa Cruz, numa prova inconteste de que, embora ainda não esteja filiado oficialmente ao PSD, já se considera um militante fiel ao partido e à orientação de seu presidente.
O acordo entre PSD e PDT é uma vitória política de Rodrigo Neves, cuja candidatura enfrentava algumas dificuldades pela movimentação adiantada de seu principal adversário à esquerda, Marcelo Freixo.
Freixo conseguiu arrancar declarações favoráveis de Lula e uma boa parte do PT fluminense trabalha para que ele seja o candidato apoiado pelo partido e pelo presidente.
Entretanto, Neves mantém boas relações com o PT local. O seu grupo político tem pessoas do PT, como a vereadora Verônica Lima.
Neves igualmente cultiva boas relações com o ex-presidente Lula, a quem visitou em novembro passado, e trabalha para que o seu palanque no estado, caso seja candidato, também receba o petista.
Em entrevistas recentes, Neves tem mandado algumas indiretas a Ciro Gomes, dizendo que não concorda com críticas “abaixo da cintura”, especialmente de ordem moral, numa referência discreta, mas explícita, aos ataques que o candidato do PDT tem desferido contra Lula e o PT. A postura beligerante de Ciro tem atrapalhado os planos de Neves, que passam, necessariamente, pela construção de um palanque com presença de Lula, setores do PT e da esquerda fluminense em geral.
A propósito, entrevistei há algumas semanas tanto Santa Cruz quanto Rodrigo Neves, no programa do qual sou âncora na TV Forum .
Na entrevista com Santa Cruz, ele disse que tem admiração por Ciro Gomes, mas que entende que essa eleição não é seu momento. Suas referências a Lula, cuja inocência defendeu com afinco, foram bem mais animadas. Santa Cruz evitou falar sobre sua candidatura, dizendo que ainda não se decidiu sobre ela.
Na entrevista com Rodrigo Neves, o ex-prefeito de Niteroi, ao contrário, se mostrou muito determinado em seu projeto político de disputar o governo.
Ironicamente, o acordo entre PSD e PDT no Rio pode ajudar Lula a conquistar as duas peças que faltam no xadrez que vem jogando para ganhar no primeiro turno:
1) atrair o PSD para sua candidatura, ainda no primeiro turno, o que geraria um efeito cascata junto aos partidos de centro, que se apressariam a não perder o lugar na fila. Isso se daria através de um acordo entre Kassab e Lula, no qual o ex-presidente se comprometeria a apoiar Santa Cruz como seu candidato preferido.
2) neutralizar Ciro Gomes, seja obrigando-o a desistir, seja “cristianizando-o” completamente, fazendo com que os principais candidatos do PDT a governos estaduais, no Maranhão, Ceará, Sergipe e Rio de Janeiro, dêem mais visibilidade ao líder nas pesquisas do que ao nome da sua própria legenda.
Vale ainda destacar a habilidade de Eduardo Paes, que, em poucos lances, mudou completamente as peças do tabuleiro político no estado. Numa tentativa de enfraquecer Freixo e rachar o PSB, Paes recebeu o deputado Alessandro Molon em seu gabinete, e apoiou publicamente o seu desejo de ser candidato ao Senado.
Ora, o acordo para que Freixo (PSB) seja o candidato apoiado pelo PT e pela esquerda inclui a indicação de André Ceciliano (deputado estadual pelo PT) como o nome para o Senado. Se Molon, que é presidente estadual do PSB no Rio, quiser realmente ser candidato ao Senado, terá que derrubar a candidatura de Freixo ao governo.
Para entender o pensamento de Paes, observe essas três postagens, que publico em ordem cronológica:
1) Um fio de três tweets onde afirma a candidatura própria do PSD e tenta atrair Molon para seu projeto:
2) Um tweet onde reafirma a candidatura de Felipe Santa Cruz:
3) A postagem onde celebra o acordo com o PDT:
Quanto a Rodrigo Neves, o acordo resolve metade de seus problemas. Com o avanço da candidatura de Marcelo Freixo, que lidera as pesquisas, é mais conhecido e saiu na frente nas articulações à esquerda, Rodrigo Neves via-se numa situação perigosa de isolamento. Uma situação parecida com a de Ciro, a nível nacional. Ou seja, corria o risco de afundar numa “terceria via” completamente espremida por ambos os lados da polarização. O acordo com Eduardo Paes o salva, e ele volta ao jogo.
Entretanto, tudo tem um preço, e no caso de Neves, ele foi obrigado a correr o risco de ver sua candidatura “rifada”, pois Eduardo Paes agora irá mexer seus pauzinhos para que a cabeça de chapa seja ocupada por Santa Cruz, como suas últimas postagens deixam bem claro.
Esse risco existe porque a outra metade dos problemas de Neves ainda espera uma solução, e tem um nome: Ciro Gomes. Este problema apenas seria completamente resolvido se houvesse um acordo nacional entre Lula e Ciro, com o segundo retirando sua candidatura e apoiando o petista, em troca do apoio de Lula a Rodrigo Neves no Rio de Janeiro. Caso Ciro Gomes fosse um quadro mais organicamente partidário, não teria dificuldade em constatar que essa seria a melhor solução para todos.
Mas isso é difícil de acontecer. Então Neves agora fica à espera de um fato imponderável (uma disparada sua nas pesquisas ou uma desistência de Santa Cruz, por exemplo) que lhe renda pontos suficientes para que possa reinvindicar, com sucesso, a cabeça de chapa no acordo com o PSD.
De qualquer forma, o acordo com o PSD faz Neves ganhar uma vantagem fundamental em relação a Freixo, seu principal adversário a uma vaga no segundo turno contra Claudio Castro, atual governador, que é mostrar capacidade de conquistar o centro político, coisa que Freixo tenta a todo custo, mas enfrenta dificuldades, em função de ter seu nome ainda associado a um suposto “radicalismo” esquerdista.
O novo desafio de Neves será, com mínimo de danos à sua imagem dentro de sua própria legenda, neutralizar a influência do antipetismo cirista em sua campanha, para não apenas receber Lula em seu palanque, mas sobretudo para convencer o eleitorado de esquerda a ouvir suas propostas, defendê-lo dos ataques e levá-lo ao segundo turno.