Por Luis Felipe Miguel
O homem se foi. Mas seu legado ficará entre nós por longo tempo.
Infelizmente.
Olavo de Carvalho foi o indivíduo que mais contribuiu para a degradação do debate público no Brasil.
Intuiu que poderia dar um salto, sem escalas, de instrutor de astrologia para guru filosófico, graças a um estilo de polêmica agressivo e completamente despreocupado com a qualidade dos argumentos.
Ganhou espaço na imprensa – que, terminada a ditadura, estava interessada em ter uma voz histriônica da direita em suas páginas. Foi colunista de O Globo e também presença frequente na falecida revista República, criada pelo hoje pretenso candidato do Novo à presidência, Luiz Felipe d’Ávila.
Mas sua grande sacada foi reconhecer, muito antes do que a maioria, o potencial da internet. Investiu em blogs, depois em múltiplas redes sociais, além de monetizar a ignorância de seus seguidores no famoso e interminável “curso de filosofia (sic) online”.
Nos novos meios, levou ao zênite seu estilo de “intelectual público”, baseado no trocadilho bobo, na agressão grosseira e no completo desprezo pela verdade factual.
Também escreveu um tanto de livros, cuja leitura é um desafio até para os mais pacientes. Mas os livros que publicou cumpriam o mesmo papel que a ampla biblioteca que servia de pano de fundo para seus vídeos: dar, aos basbaques que o seguiam, a prova de que se tratava de um verdadeiro intelectual.
A verdadeira obra de Olavo está nos tuítes e nas laives, no besteirol perverso e escatológico que se tornou sua marca registrada.
De alguma maneira, Olavo representou uma atualização de Paulo Francis – que também foi, em seu tempo, um mestre da acusação leviana, da ofensa fácil, da generalização descabida, da irresponsabilidade intelectual.
Mas Francis, usando sua vasta, inegável bagagem cultural, falava para uma minoria que desejava afirmar uma posição de elite. Já Olavo se dirigia a uma multidão de semiletrados, ressentidos por não terem podido ou conseguido triunfar em espaços acadêmicos de prestígio e, tal como a raposa da fábula das uvas, ansiosos por desprezar aquilo que lhes era negado.
Francis deixou um punhado de imitadores, que logo perderam o brilho e estão por aí, esquecidos e mainardis. Olavo tem uma legião de clones que, acredito, continuarão a empestear a esfera pública brasileira por muitos anos.
Espero estar errado.
Luis Felipe Miguel é cientista político, professor da Universidade de Brasília e coordenador do Demodê (Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades)