Lotado, caro e inseguro: a situação do transporte coletivo em Pernambuco
Por Victória Pinheiro e Jones Manoel
O debate sobre o transporte público é uma pauta histórica dos trabalhadores e da juventude de Pernambuco, com destaque para a Região Metropolitana do Recife (RMR), maior região metropolitana do norte-nordeste, onde o sistema de transporte público tem um fluxo de cerca de 1,8 milhão de passageiros por dia, interligando 14 municípios.
Hoje o sistema de transporte da RMR é gerido pelo Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano, um consorcio público estabelecido entre o estado e os municípios da RMR que emite contratos diversos à veículos de pequeno porte (VPPs) e empresas operadoras de ônibus.
O consórcio fica submetido ao Conselho Superior de Transporte Metropolitano (CSTM), que é composto majoritariamente pelo Governo do Estado, o que, na prática, significa que nenhuma decisão sobre o transporte público da Região Metropolitana é tomada sem o consenso da gestão estadual.
Devido a sua importância econômica e social, em todas as eleições para o Governo do Estado, a pauta do transporte é retomada com ênfase pelos trabalhadores, sendo um dos principais eixos de agitação dos programas eleitorais dos candidatos.
No entanto, a atenção e sensibilidade dos velhos nomes da política pernambucana dura bem pouco, e ao longo dos quase 16 anos de governo do PSB no estado, quase nada mudou em termos de qualidade, segurança e conforto no serviço. Por outro lado, o custo e a transferência de recursos para as empresas privadas não param de crescer. Um dos grandes problemas é a falta de dados sobre o setor, um exemplo claro é que não existe nenhum documento oficial que analisa os ajustes tarifários e apresenta para a população como e a partir de quais elementos os ajustes são feitos. Ou seja, quem quiser entender o transporte público da RMR tem que fazer uma grande pesquisa individualmente.
Em todas as pesquisas, é possível reaver o histórico das tarifas até 2011, quando o governo de Eduardo Campos inicia a tradição do aumento anual.
Em 2013, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou um estudo afirmando que a tarifa de ônibus subiu 67 pontos percentuais acima da inflação no período de 2000 a 2012, ou seja, enquanto a inflação teve alta de 125% nesse período, o aumento das tarifas dos ônibus foi de 192%.
Enquanto isso, na mesma década, é registrado um crescimento muito abaixo da inflação dos itens associados ao transporte privado, o que significa que gastos com veículo próprio, que inclui gastos com a compra de carros novos e usados e motos, além de gastos com manutenção e tarifas de trânsito, teve alta de apenas 44%, portanto muito abaixo do IPCA.
Esse foi o ano em que a pauta do transporte público foi impulsionada pelo início das manifestações de junho, que começam após o aumento das passagens na cidade de São Paulo. Em Recife, os atos de junho mobilizaram cerca de 52 mil pessoas, exigindo redução das tarifas e melhoria na qualidade do transporte. As manifestações foram seguidas de greve dos metroviários, os quais exigiam melhores condições de trabalho e ajuste da remuneração.
Desde 2011 a tarifa foi reduzida ou mantida em apenas três momentos do governo do PSB, todas elas por pressão dos trabalhadores ou interesses eleitorais. A primeira situação foi após junho de 2013, o então Governador Eduardo Campos reduziu R$0,10 no valor da tarifa, mas o debate não foi calado. Ainda em 2013, as manifestações colocam no centro das discussões sobre transporte público a luta pela abertura da CPI da “caixa preta do transporte”. Essa bandeira denuncia a falta de transparência nos contratos das empresas de ônibus e na determinação das tarifas.
Por muita pressão da antiga Frente de Luta pelo Transporte Público (FLTP), a pauta foi levada até a câmara de vereadores do Recife, onde ocorreu uma audiência pública com reivindicação dos movimentos sociais pela abertura da CPI, maior transparência na tabulação das tarifas, na formatação das licitações das linhas de ônibus da RMR e passe livre.
A audiência culminou na ocupação da Câmara, que durou cerca de 10h, onde os militantes exigiam apreciação do projeto de passe livre e liberdade para os que foram detidos durante a ocupação. O presidente da câmara se comprometeu com ambas as reivindicações, arquivando a CPI e o projeto de passe livre posteriormente.
Em 2014, pelo receio de novos atos e greves, além do claro interesse eleitoral, a tarifa de ônibus não sofreu reajuste. É importante lembrar que nesse ano o candidato do PSB, e atual governador, Paulo Câmara, foi eleito com a promessa do “bilhete único, tarifa única a R$2,15”.
Paulo prometeu nos debates, sabatinas e inclusive na sua propaganda eleitoral, unificar as tarifas da RMR no valor de R$2,15, criando o sistema de bilhete único, onde o passageiro poderia acessar mais de um ônibus com o mesmo bilhete no período de três horas. Nenhuma das promessas foram cumpridas, e na contramão do seu compromisso, de 2014 em diante a tarifa subiu anualmente até 2018, quando Paulo Câmara disputava a reeleição e decidiu apostar no congelamento da tarifa naquele ano como estratégia de campanha, que voltou a aumentar após a eleição.
Ainda em 2017 a pauta da CPI voltou para o centro dos debates por iniciativa da Frente de Luta pelo Transporte Público, que em parceria com o Meu Recife e o Sindmetro/PE, pressionaram pela realização de uma audiência pública na ALEPE, onde foi debatida a mobilidade urbana e especificamente da questão do transporte público urbano.
A pauta era a condição atual do sistema de ônibus na RMR, a tarifa abusiva, a baixa qualidade do serviço e a insegurança dos passageiros e a falta de transparência, com reivindicação de abertura de CPI para apurar as concessões públicas para as empresas de ônibus e os seus lucros. Alguns deputados de oposição se comprometeram com a articulação da CPI, no entanto, apenas 15 das 17 assinaturas necessárias para instaurar a comissão foram recolhidas e muitos deputados não se envolveram no debate por “medo de prejudicar sua campanha” no ano de 2018.
Até hoje a CPI não foi instaurada e a tarifa segue aumentando anualmente. Se fizermos o exercício de cruzar a taxa de aumento da tarifa com a inflação do ano, podemos identificar uma clara tendência de aumento acima da inflação.
No entanto, a tarifa abusiva está longe de ser o único problema dos usuários do transporte público no Recife. A segurança dos passageiros é uma questão antiga na capital do estado. Todos os anos são noticiadas histórias de trabalhadores e estudantes que são mortos em acidentes ocasionados, em sua maioria, pela falta de estrutura do transporte que sofre com a superlotação. Só em 2014, entre janeiro e junho, foram registrados cerca de 850 acidentes em ônibus na RMR. Casos como da estudante Camila Mirele, de apenas 18 anos, que naquele ano foi arremessada para fora do ônibus quando a porta abriu ou de Harlynton Lima dos Santos, de 20 anos, que um mês depois foi arrastado quando o veículo deu partida no Cais de Santa Rita, mobilizaram uma audiência pública na Câmara de Vereadores do Recife para debater as condições do transporte público na capital.
Um dos dados apresentados na audiência que chama atenção, é sobre o montante movimentado pelo setor mensalmente: cerca de R$ 60 milhões naquele período. Ainda nessa audiência, a única política apresentada para casos como de Camila e Harlynton foi a implementação de alguns quilômetros de faixa azul, que garante exclusividade para o trânsito de ônibus, dois corredores com câmeras, e a responsabilização dos motoristas.
Na ocasião, o presidente do sindicato dos rodoviários fez críticas ao Consórcio Grande Recife, alegando inclusive que muitos contatos são feitos para apresentar denúncias e buscar soluções para o sistema de transporte, mas nunca são atendidos. Outra alegação importante é de que todos os custos com reparos e resolução de problemas era dividida com os motoristas.
Segundo matéria do Jornal do Commercio, apenas o motorista foi indiciado pela morte da estudante Camila, mesmo com um registro de 150 acidentes com ônibus por mês em 2014. Desde 2010 foi implantada uma vigilância sentinela de Acidentes de Transportes Terrestres, tornando a notificação obrigatória em 17 serviços de saúde para que sejam levantados dados sobre vítimas fatais ou não. Infelizmente, as políticas nesse setor ainda ficam muito restritas aos acidentes de trânsito que envolvem colisão ou choque, deixando passar outros acidentes importantes como os que envolvem passageiros dos transportes públicos do estado.
Exemplo disso é o relatório de Acidentes de transporte Terrestre em Pernambuco de 2013, que em seus resultados não faz nenhum tipo de diferenciação entre ônibus em geral e o transporte público do estado. Em suma, o governo do estado procura maquiar e esconder os dados de acidentes com usuários do transporte coletivo.
2022 é um ano eleitoral. O debate sobre o bolsonarismo tem ajudado a normalizar o neoliberalismo “progressista” do PSB como um “mal menor”. Um olhar mais atento, porém, vai mostrar que a política liberal e serviçal aos empresários da falsa esquerda em Pernambuco – vamos lembrar que fazem parte do Governo do PSB o PT, PDT e PCdoB -, como no setor do transporte coletivo, ajuda a abrir espaço para projetos fascistas que se mostram como “antissistêmicos”.
É papel dos comunistas sempre, e particularmente no debate eleitoral, mostrar que a falsa esquerda e os fascistas, com formas e identidades diferentes, servem ao mesmo senhor: a burguesia, os empresários, e garantem que o transporte coletivo não seja um bem público, direito de todas e todos, mas sim um ramo de lucro do capital e exploração da classe trabalhadora. Só os/as comunistas podem falar de passe livre, redução do preço das tarifas, melhora das condições de trabalho dos rodoviários, combate aos acidentes, abertura da “caixa preta” do transporte e estatização do setor com real participação popular na gestão.
É o momento de radicalizar e politizar, usar o espaço eleitoral para não apenas denunciar as condições precárias e terríveis do transporte, levantar as bandeiras históricas da classe trabalhadora e da juventude, como nunca esquecer que o transporte é uma porcaria porque a burguesia controla o setor. Em última instância, como em tudo no capitalismo, o problema é que a burguesia e não a classe trabalhadora decide como vai funcionar o transporte. O nosso transporte ruim e caro é lucro para os empresários. É momento de lutar de forma decidida e radical contra aqueles que lucram com nossa desgraça!
Confira o artigo original, com notas e links.
Cláudio
17/01/2022 - 07h46
Transporte público no Brasil sempre foi sinônimo de má qualidade, descaso e corrupção. Enquanto a sociedade não entender que o transporte público afeta à TODOS indistintamente nada mudará, e todo mundo quer ter carro ou moto para escapar da precariedade do transporte público