Por Luiz Werneck Vianna
Ainda é cedo para comemorar as pesquisas de opinião recentes que sinalizam que a via eleitoral está fechada para a reprodução do malsinado governo que aí está. O sobrenatural de Almeida do Nelson Rodrigues, como se viu nas últimas eleições, frequenta outros ambientes além dos estádios de futebol. Fora a hipótese terribilíssima, parecem favas contadas pelo andor da carruagem que as urnas do próximo ano vão selar o fim de mais uma experiência autoritária da nossa história republicana. Evidente que essa leitura, suportada pela força dos fatos que a confirmam, é de alcance geral, e como tal não é singular às correntes democráticas, certamente compartilhada pelos próceres do regime bolsonarista que demonstram a cada passo sua rejeição às normas e às instituições da democracia.
As duas últimas cartas com que contava Bolsonaro – sua associação com o Centrão e o chamado Auxílio Brasil –, cujos efeitos eleitorais ainda não se fazem sentir, já foram jogadas. Ademais, se lhe frustram o que espera dessas duas cartas – o Centrão é, como se sabe, volúvel –, suas pretensões, como as atuais pesquisas indicam, arriscam ser afastadas ainda no primeiro turno eleitoral. Para Bolsonaro a via eleitoral é um caminho de pedras, e, consciente disso, já procurou, como no infausto 7 de setembro, atalhá-lo num golpe de mão mal sucedido. O horizonte que se descortina à sua frente, em sua lógica à moda de Donald Trump é a de suscitar o tumulto, como sinaliza em sua política de procurar confrontos a qualquer pretexto, até na vacinação infantil. Por falta de alternativa, trama-se em favor de uma recidiva de um 7 de setembro.
A cena atual da política brasileira está longe de parecer com um céu de brigadeiro, como os incautos de sempre já se aprestam a avaliar. Há grossos interesses em jogo beneficiários das políticas de um capitalismo vitoriano predatório, e uma multidão de pequenos interesses mafiosos, urbanos e nas regiões de fronteira, que se sentem ameaçados pelo avanço no terreno da opinião pelas forças democráticas. A reconquista de um governo democrático não será feita sem sobressaltos e livre de riscos, e sua possibilidade depende de uma articulação tão ampla quanto possível das forças políticas em presença. Não há uma terceira via, mas uma única estrada real que pavimente a irrupção em cena das grandes maiorias e dos seus movimentos sociais que venha a barrar o fascismo latente que desde os anos 1930 ronda a nossa história como no Estado Novo, no regime do AI-5 e agora na hora presente.
A construção dessa larga estrada reclama uma engenharia de vulto, especializada no cálculo de pontes em terrenos de alto risco e que resistam aos abalos sempre presentes quando a ação humana desafia o destino em suas criações, que, no caso, se aplica em emancipar a nossa sociedade das taras que herdamos da nossa desastrada história de formação feita à sombra das plantations escravocratas. Não é uma tarefa fácil, e outros antes de nós sucumbiram apesar dos ingentes esforços a que se dedicaram. Não é obra, pela envergadura e complexidade de que se reveste, de um só ou de poucos, mas de muitos, de todos aqueles que compreendam que a nossa sociedade está sob risco de degradação e urge que nos movimentemos para salvá-la.
Nesse sentido, são benvindos os sinais emitidos por relevantes personalidades políticas, como Lula e Alkmin, antagonistas em várias disputas eleitorais, de que procuram um caminho de convergência, tentativa de reedição em nossas plagas da geringonça portuguesa segundo alguns analistas. Por ora, esse ensaio promissor depende para sua concretização de negociações exitosas a serem levadas a cabo pela perícia de políticos envolvidos nessa difícil operação, aos quais não devem faltar o apoio da opinião democrática e dos partidos e movimentos sociais que venham a suportá-la a fim de convertê-lo num experimento exemplar de ação pedagógica na política fragmentada que praticamos.
Em dois momentos, nas eleições de 1988 e nesta última de 2018, sucumbimos aos impulsos egocêntricos de partidos e personalidades que levaram à dispersão das forças democráticas com o resultado nefasto dos triunfos eleitorais de Collor e de Bolsonaro, a gravidade do que está em jogo na sucessão presidencial que se avizinha reclama imperativamente que tais equívocos não se repitam. Os canais abertos entre Lula e Alkimin, embora significativos, ainda são estreitos para dar passagem segura ao trânsito das demandas reprimidas das grandes maiorias. Alargá-lo é tarefa de todos, é hora da grande política diante do desafio da ameaça de fascitização da vida social e do Estado.
A busca por uma frente ampla visa, desde já, assegurar um sistema de proteção ao calendário eleitoral e a articulação de forças sociais e políticas que conduzam a uma vitória incontrastável nas urnas como sinalização forte de que rompemos afinal com a longa história de autoritarismo político que deixa em seus rastros a monstruosa desigualdade social reinante entre nós.
No plano das ideias, certamente se poderia aspirar a que à testa da coalizão democrática que ora se apresenta outros nomes poderiam se fazer presentes, mas os que temos são estes, e, nesta hora, o que importa é encontrar gatos que comam ratos, para o que estamos bem servidos.
Luiz Werneck Vianna é Sociólogo (PUC-Rio)