Antes de fazer seu discurso no jantar do Grupo Prerrogativas na noite deste domingo, 19, o ex-presidente Lula falou sobre a possibilidade da chapa com o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, nas eleições de 2022.
De acordo com o líder progressista, que foi homenageado pelos principais juristas e advogados do país, a decisão final sobre esse assunto só será tomada após o ex-governador definir seu próximo destino partidário.
“Tenho que respeitar o Alckmin. Ele deixou o PSDB, ainda não é filiado a nenhum partido, vai se filiar a algum, não sei qual é. E quem vai decidir se a gente vai se juntar é o meu partido e o partido dele”, disse.
“Nada acontece para um vice sem antes acontecer para um presidente. Primeiro tem que definir quem será presidente pra saber quem vai ser vice”, completa.
O ex-presidente também aproveitou a ocasião para observar o comportamento da imprensa diante dessa possibilidade e lembrou que não é a primeira vez que se encontra com Alckmin.
“A imprensa brasileira está tão nervosa com uma foto minha com o Alckmin. Eu fui presidente da República, o Alckmin foi governador. Eu já estive 600 vezes com ele e nunca ninguém pediu para tirar foto”.
Análise
Independente de qual partido escolha entre PSB e PSD, se Geraldo Alckmin oficializar aliança com Lula, se encerra a narrativa boba dos candidatos da terceira via de que o ex-presidente é um dos “extremos”. Na verdade quem tem dois candidatos extremos é a própria direita.
Agora, leia a íntegra do discurso de Lula:
“Meus amigos e minhas amigas.
É uma honra imensa receber este prêmio, cujo título homenageia uma das muitas virtudes do povo brasileiro: a perseverança.
Somente com perseverança, espírito de luta e uma extraordinária capacidade de sonhar, tem sido possível ao povo brasileiro sobreviver a séculos de escravidão, desigualdade e exclusão social.
Sem tais virtudes, seria impossível resistirmos frente a um desgoverno que tem como único projeto a destruição do país e o extermínio da nossa gente. Seja pelo atraso criminoso na compra das vacinas, o desemprego recorde, o aumento da desigualdade, a destruição do meio ambiente e a volta da fome, seja pela tentativa de matar em nós a esperança.
Não matarão.
Antes mesmo de ouvir pela primeira vez esta palavra, eu já intuía o papel fundamental da perseverança na vida dos seres humanos, sobretudo dos mais pobres.
Lembro da minha mãe, dona Lindu, uma mulher analfabeta, nascida numa das regiões mais pobres deste país. Obrigada a criar os oito filhos sozinha, um dia vendeu o pouco que tinha e embarcou com todos nós num pau de arara rumo a São Paulo e ao sonho de uma vida melhor, cumprindo a triste sina dos retirantes.
Dona Lindu foi o primeiro e maior exemplo de perseverança que tive na vida. Quando não havia sequer um pedaço de pão para dar de comer aos filhos, ela dizia: “Amanhã vai ter. Amanhã vai ser melhor”.
Cresci ouvindo de minha mãe o conselho que me acompanha por toda a vida: “Teima, meu filho, teima.”
Com o tempo, descobri que aquele conselho não era dirigido apenas a mim. Entendi que teimar, insistir, persistir, perseverar, é um ato político. É uma arma na mão do oprimido, que o impede de desistir diante da opressão.
Aprendi a teimar, e a acreditar que amanhã vai ser melhor. Mas que é preciso lutar para construir esse amanhã.
Minhas amigas e meus amigos.
Aos 18 anos, conquistei o sonhado diploma de torneiro mecânico. Ele tem para mim o mesmo valor dos títulos de doutor honoris-causa que me foram concedidos por inúmeras universidades do Brasil e do exterior.
Esse diploma me abriu pela primeira vez as portas da cidadania. Com o macacão sujo de graxa que eu vestia com o maior orgulho do mundo, pude finalmente tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias – um direito que muitos anos depois, na Presidência da República, fiz questão de garantir a todos os brasileiros.
Graças a meu diploma de torneiro mecânico, fui o primeiro filho de dona Lindu a ter uma profissão. O primeiro a ter uma carteira assinada e a ganhar mais que um salário mínimo, fixo e mensal. O primeiro a comprar uma geladeira e uma televisão.
A perseverança me impediu de desistir da sonhada profissão de metalúrgico, mesmo quando tive o dedo esmagado numa prensa.
Ou mais tarde, quando amarguei oito meses de desemprego, este pesadelo que hoje assombra 14 milhões de trabalhadores brasileiros, vítimas de uma política econômica irresponsável e criminosa.
Eu andava quilômetros e quilômetros a pé, porque não tinha dinheiro para o ônibus, batendo de fábrica em fábrica e ouvindo sempre um Não como resposta.
Certa vez, numa das minhas jornadas em busca de trabalho, tirei o sapato para descansar os pés. Era um sapato duro, e quando tentei calçá-lo de novo os pés já não entravam, de tão inchados, de tanto caminhar em vão.
Voltei para casa descalço, com a barriga vazia e sem um centavo no bolso. Mas no dia seguinte lá estava eu de novo, caminhando outra vez quilômetros e quilômetros, entregando meu currículo de fábrica em fábrica.
E no dia seguinte também, e nos dias seguintes de novo e de novo. Até que minha perseverança foi recompensada, e eu finalmente ouvi um abençoado Sim.
Mais tarde, a perseverança, minha e de meus companheiros sindicalistas, nos levou à realização das históricas greves dos metalúrgicos do ABC, quando todos diziam que era impossível, além de perigoso, desafiar a ditadura militar.
Que tamanha ousadia podia acabar em prisão, tortura e morte. Tínhamos muito nítida a lembrança do operário Manoel Fiel Filho, torturado até a morte nos porões do doi-Codi, pouco depois do assassinato de outro trabalhador brasileiro, o querido Vladimir Herzog.
E mesmo assim perseveramos, eu e os peões do ABC. Não desisti, mesmo sofrendo minha primeira prisão política, pelo crime de lutar pelos direitos dos trabalhadores.
A mesma perseverança levou um grupo de operários – à frente de intelectuais, artistas, religiosos e profissionais liberais – a desafiar o senso comum e fundar o Partido dos Trabalhadores, quando a história ensinava que partido político, no Brasil, era privilégio dos patrões.
A perseverança fez com que eu não desistisse mesmo depois de três derrotas consecutivas nas eleições para a Presidência da República.
Após cada derrota eu voltava para casa, em São Bernardo, lambia as feridas e, de teimoso, me preparava ainda mais e melhor para a próxima eleição.
Sempre soube que ganhar ou perder faz parte da vida. E jamais desisti da fé na democracia, a melhor e mais importante forma de governo, porque é ela quem permite o embate de ideias, a pluralidade, a divergência e a necessária alternância de poder.
Mais tarde, finalmente eleito presidente, a perseverança fez com que não desse ouvidos aos que diziam ser impossível acabar com a fome no Brasil, porque a fome seria um desastre natural, quase um castigo divino.
Perseveramos, eu e a presidenta Dilma Rousseff, e com nossas políticas de combate à desigualdade tiramos o Brasil do Mapa da Fome pela primeira vez na história deste país.
Criamos mais de 20 milhões de postos de trabalho, com carteira assinada e todos os direitos garantidos.
Reajustamos o salário mínimo em 74% acima da inflação. Tiramos 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza.
Elevamos o Brasil à sexta maior economia mundial, e fizemos deste país um protagonista no concerto das nações.
Sem perseverança, nada disso seria possível.
Meus amigos e minhas amigas.
A perseverança não permitiu que eu me abatesse um único dia sequer, durante os 580 em que estive confinado em minha segunda prisão política.
Mesmo isolado numa cela, nunca estive verdadeiramente sozinho. Senti de perto a perseverança de uma parcela aguerrida do povo brasileiro.
Homens e mulheres, jovens e velhos, que enfrentaram o frio, o calor, o vento e a chuva naquela histórica vigília que diariamente reanimava minha perseverança com um “bom dia, boa tarde, boa noite presidente Lula”.
Pude sempre contar também com a perseverança dos meus advogados, Cristiano Zanin e Waleska Teixeira Martins, que jamais desistiram da luta contra um sistema criado para me condenar a qualquer custo. Teimei, e recusei qualquer acordo que não fosse o reconhecimento da farsa jurídica armada contra mim.
Disse na época, e direi até o fim da vida: “Não troco minha dignidade pela minha liberdade.”
Tive a felicidade de contar também com a extraordinária solidariedade de vocês, operadores de direito progressistas de todo o país, hoje reunidos no grupo Prerrogativas.
Vocês nadaram contra a corrente, ousaram denunciar para o Brasil e o mundo o lawfare que estava em curso para me impedir de disputar as eleições, nas quais eu era o franco favorito.
Lembro da participação do Pedro Serrano, do Zanin e da Waleska – com muitos de vocês na plateia – no seminário convocado pelo então presidente do PT, Rui Falcão. Aquele seminário denunciou pela primeira vez a farsa da Lava Jato e os prejuízos econômicos e institucionais que ela causava ao país.
Vocês colocaram o dedo na ferida, quando a grande mídia pregava noite e dia, e parte da opinião pública acreditava, que aquela quadrilha formada por um juiz e um punhado de procuradores estava empenhada na nobre causa do combate à corrupção. Quando na verdade a Lava Jato estava empenhada em destruir setores estratégicos da nossa economia, dizimar milhões de empregos e levar a extrema direita ao poder.
Teimamos, persistimos, perseveramos, até que o Supremo Tribunal Federal finalmente reconhecesse a parcialidade e declarasse a suspeição do juiz que me condenou e depois assumiu uma vaga no governo que ajudou a eleger. Eu e meus advogados persistimos, e vencemos mais de 20 processos sem provas abertos contra mim.
Perseverei em minha fé na Justiça, porque aprendi a separar o joio do trigo. Tive a clareza de entender que a Justiça será sempre maior do que aqueles que tentam corrompê-la.
Minha mais profunda gratidão a todos os advogados e advogadas, do Brasil e do exterior, que defenderam a justiça e foram solidários a mim.
Aos Comitês Lula Livre espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Ao movimento sindical e aos parlamentares de vários partidos, também do Brasil e do exterior.
Vocês teimaram junto comigo, contra tudo e contra todos. Enfrentaram uma poderosa máquina de destruição de reputações. São igualmente merecedores deste prêmio Perseverança.
Minhas amigas e meus amigos.
Há quem diga que à certa altura da nossa existência, depois de tantos anos vividos, é hora de descansar. Mas descansar, no momento em que o Brasil e o povo brasileiro mais precisam de nós, seria o mesmo que desistir.
Nunca acreditei que houvesse uma idade limite para desistir da luta, nem do amor. Aos 74 anos, reencontrei o amor. Aos 76, estou mais uma vez pronto para a difícil luta que teremos pela frente.
O grave momento que atravessa o Brasil não dá a nenhum de nós o direito de desistir. É hora de perseverarmos juntos, para restaurar a democracia e reconstruir este país.
Não é tarefa para uma pessoa sozinha. É um trabalho coletivo. Não importa se no passado fomos adversários. Se trocamos algumas botinadas. Se no calor da hora dissemos o que não deveríamos ter dito. O tamanho do desafio que temos pela frente faz de cada um de nós um aliado de primeira hora.
Mais do que a entrega de um prêmio, é este o verdadeiro motivo pelo qual estamos reunidos nesta noite: a nossa fé na democracia, e a perseverança na construção de um amanhã melhor para o Brasil e para o povo brasileiro.
Muito obrigado a todos e todas.”