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Lenio Streck: O mundo em pânico e juiz compara obrigação de vacina a estado de sítio

Por Lenio Streck (Conjur) Indagado sobre a (i)legalidade da dispensa por justa causa de empregado que se recusa a tomar vacina contra a Covid, o juiz do trabalho Laércio Lopes da Silva disse, na Folha de S.Paulo, que não se vacinar era um direito fundamental (ler aqui). Comparou a obrigação de vacinar a um estado de sítio. Problemático. […]

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Por Lenio Streck (Conjur)

Indagado sobre a (i)legalidade da dispensa por justa causa de empregado que se recusa a tomar vacina contra a Covid, o juiz do trabalho Laércio Lopes da Silva disse, na Folha de S.Paulo, que não se vacinar era um direito fundamental (ler aqui). Comparou a obrigação de vacinar a um estado de sítio. Problemático. Deveras.

Aos fatos. De pronto, não se trata de o Estado obrigar (veja-se a decisão do STF; trata-se de o Estado poder estabelecer ônus para quem não se vacina (ser demitido do trabalho). Portanto, deixemos, de pronto, isso bem claro.

Ao texto. Disse sua excelência que a obrigação feria a dignidade humana, analisada por ele a partir de dois elementos: a) o direito ao livre desenvolvimento da personalidade ou cláusula geral de liberdade e b) o núcleo de proteção da autodeterminação privada.

Assim, para o Dr. Laércio, a intervenção em um direito fundamental somente se faz quando presente autorização constitucional para uma intervenção justificada, com ponderação de valores (sic) e suporte na proporcionalidade por exigência do interesse público.

À teoria. O que seria a ponderação ele não falou. Quais os valores? Como seriam ponderados? Qual é o tipo de ‘ponderação’ que o autor tem em mente? Qual é sua leitura sobre Alexy, para ficar só nele?

Também não entendi o que Marx e Radbruch tem a ver com a querela. Diz o juiz que, com relação a Radbruch, este dizia que o contrato de trabalho deveria ser interpretado com a consideração de que em um dos lados tem sempre um ser humano.

Concordo totalmente com Radbruch (que não foi bem lido pelo juiz): um ser humano com direito a não ser contaminado por outro ser humano. Simples assim.

O Dr. Laércio também se disse perplexo pelo fato de se dizer que o direito do conjunto dos empregados deve prevalecer sobre o direito individual do empregado. Segundo ele, o direito individual deve prevalecer sobre a saúde dos demais. Pergunto-me qual é, além do conceito de ponderação, o conceito de “direito individual” que tem o autor. Esse laissez-faire jurídico pode matar. Às vezes, literalmente.

Para o magistrado, “não tem o menor fundamento em direito como argumentação jurídica” dizer que o direito individual não prevalece sobre o direito dos demais colegas. Aqui quem não entendeu fui eu. Não sou consequencialista nem utilitarista. Mas aqui não se está discutindo habeas corpus. Ao contrário. Está-se discutindo uma obrigação de um indivíduo e a liberdade dos demais em continuarem saudáveis. Simples assim.

Minha pergunta: teria um trabalhador o direito de infectar seus colegas? Os direitos de vários trabalhadores podem ser solapados pelo uso da liberdade de consciência (sic) de um gaiato negacionista? E repergunto: qual é o conceito de liberdade do magistrado Laércio?

Por fim, diz o Dr. Laércio que é, de fato, um direito fundamental não se vacinar. Conforme a Constituição. Pergunto: Em qual Constituição estaria isso? A mesma que diz que posso carregar um fuzil AR 15? Ora, o que é isto — o direito fundamental? A Constituição também permite não usar cinto de segurança? Dirigir embriagado? Ofender as pessoas?

Mas o ápice da argumentação do magistrado está neste ponto:

Sendo um direito fundamental da pessoa o de não tomar a vacina, se este ato colocar efetivamente em risco pessoas em seu entorno, compete ao Estado criar mecanismos para a proteção das mesmas.”

Ou seja, se entendi bem, compete ao Estado (ou à empresa) proteger os demais para que o recalcitrante exercite livremente seu direito fundamental a não se vacinar? Agora entra o Estado na jogada? Brilhante: algo como “proteger o coletivo não é dever do Estado, isso é comunismo”. Mas proteger o negacionismo do “indivíduo”, aí o Estado tem papel.

Ou seja, para o juiz — e isso preocupa sobremodo em face da responsabilidade política que um juiz possui — um direito (no caso, um negacionismo) tem tamanha importância que o Estado, além de não poder tomar medidas para obrigar alguém a se vacinar, deve tomar medidas para proteger as demais pessoas contra o perigo proporcionado pelo recalcitrante.

Total inversão de valores, já que sua excelência falou em valores. Com o texto do juiz, aprendemos que o paradigma do Estado Democrático institui um direito egoísta. Um direito solus ipse. Um direito de e para um indivíduo empreendedor de si mesmo. E que se danem os demais. O que importa é “a minha liberdade”.

Segundo entendi, o laissez-faire jurídico defendido no texto na Folha não reconhece como direito fundamental a saúde, o bem-estar coletivo e, surpreendentemente em um meio que se diz conservador, não reconhece o bem-comum. Reconhece apenas o “direito fundamental” de infectar os outros. O direito fundamental ao “porque sim”.

A “ponderação de valores” do Dr. Laércio inverte-os todos: o Estado é que deve arcar com o ônus de proteger todos por causa de um, num utilitarismo às avessas, e o direito fundamental antissaúde. Tudo sob a bandeira da “dignidade”.

Qual dignidade? Pois é.

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Comentários

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Marcelo

02/12/2021 - 14h36

Resumindo: o imbecil tem o sagrado direito de não se vacinar. O empregador tem o sagrado direito de não querer quem não se vacina trabalhando pra si.

Paulo

30/11/2021 - 23h05

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI – e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”…

O artigo 5º da CF, por sua vez, é considerado cláusula pétrea, insuscetível de violação senão por outra Assembleia Geral Constituinte.

A liberdade de consciência e de crença, por sua vez, imbrica-se com o texto apostólico. No caso, com o Apocalipse de São João. Poucos conseguem relacionar os fatos…

Paulo

30/11/2021 - 22h55

A questão transcende o universo jurídico e adentra a seara religiosa. Isto é o que muitos não estão entendendo…

Jonathan

30/11/2021 - 14h07

Se a vacina nao é obrigatoria por Lei o resto é zero.

Quem nao quer tomar a vacina nao nega nada, é uma escolha e nada mais.

Quem nao quer correr o risco de se infectar com o virus que se vacine e nao encha o saco de quem nao quer se vacinar.

Eu mi vacinei e estou cagando e andando para quem nao se vacinou…até porque nao ta escrito na cara do sujeito que tenho na minha frente sou ao meu lado no mercado se tomou va acaia ou nao e nem me interessa saber.


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