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‘Meu pai vai se revirar na tumba’, diz filho de pracinha enterrado na Itália

BBC Brasil – “O soldado desconhecido que fica ali no monumento vai se revoltar, meu pai, um pracinha que está no cemitério ali do lado, vai se revoltar muito, se revirar na tumba. Infelizmente, temos a ideologia contrária vindo homenagear quem combateu e derrotou o nazifascismo.” É assim que Mario Pereira, guardião por décadas do […]

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Imagem: Arquivo Pessoal / Mario Pereira

BBC Brasil“O soldado desconhecido que fica ali no monumento vai se revoltar, meu pai, um pracinha que está no cemitério ali do lado, vai se revoltar muito, se revirar na tumba. Infelizmente, temos a ideologia contrária vindo homenagear quem combateu e derrotou o nazifascismo.”

É assim que Mario Pereira, guardião por décadas do monumento em homenagem aos soldados brasileiros mortos na Segunda Guerra Mundial, reagiu à visita nesta terça-feira (2/11) do presidente Jair Bolsonaro e do senador italiano Matteo Salvini ao local em Pistoia, cidade que fica 300 km ao norte de Roma.

Para Pereira, funcionário da embaixada brasileira, o presidente do Brasil só está preocupado em fazer campanha política na Itália e não parece natural que Bolsonaro e Salvini visitem o monumento “visto o perfil ideológico dos dois”, “uma ideologia muito parecida com o nazifascismo”.

Mario é filho de um “amor de guerra” entre Giuliana Menichini, italiana de Pistoia, e Miguel Pereira, soldado gaúcho natural de Passo Fundo. Eles se conheceram por acaso quando ela abriu a janela de seu quarto, se deparou um caminhão e ouviu um “buongiorno, signorina”. Acabaram se casando anos depois.

Miguel se tornou único pracinha que decidiu permanecer na Itália depois da guerra e acabou sendo responsável pelo Monumento Votivo Brasileiro de 1966 a 2003, ano de sua morte. Foi quando então Mario, que ajudava o pai desde 1997, assumiu o posto de guardião do local, mantido com recursos do governo brasileiro e do próprio bolso dele (para custear palestras no Brasil sobre os pracinhas).

“Os brasileiros não davam… Eles dividiam. Se tinham café, levavam café em casa. Se tinham chocolate, levavam chocolate em casa, o mingau, o pão branco. Era uma divisão, o que era muito diferente (dos outros soldados). Era como confraternizar com os brasileiros; eles se integraram logo à família”, relembrou Giuliana Menichini a uma publicação do Exército brasileiro.

Para Mario Pereira, o Monumento Votivo marca esse lado humano das relações entre os soldados brasileiros e os cidadãos italianos, algo que ele diz comover até hoje a população local. “O lado humano do monumento é que, no meio drama da maior guerra do mundo, a postura e o caráter dos soldados brasileiros se destacaram mais do que própria força militar contra os alemães. Eles conseguiram trazer esperança e ajuda para uma população fragilizada por 20 anos de fascismo e cinco anos de guerra, e isso é reconhecido por mais de 50 monumentos espalhados pela Itália.”

O mais importante deles é o Monumento Votivo Brasileiro, construído em 1966 no mesmo lugar em que havia um cemitério para os soldados brasileiros mortos em combate até 1960, ano em que eles foram levados para o Brasil. “Este cemitério tão puro / é um dormitório de meninos: / e as mães de muito longe chamam, / entre as mil cortinas do tempo, / cheias de lágrimas, seus filhos. / (…) E as mães esperam que ainda acordem, / como foram, fortes e belos, / depois deste rude exercício, / desta metralha e deste sangue”, escreveu a poeta Cecília Meireles.

Em audiência no Senado brasileiro em 2019, Vinicius Mariano de Carvalho, professor e pesquisador do Brazil Institute do King’s College, citou a expressão “diplomacia de memória” para ressaltar a importância do monumento em Pistoia. Segundo ele, o local é capaz de fazer lembrar que “em momentos de dificuldade as nações amigas podem contar umas com as outras”.

Segundo dados oficiais, 20.573 pracinhas foram enviados para lutar na Itália e 465 morreram em batalha. Do total, 16 nunca foram identificados, entre eles o Soldado Desconhecido, que continua enterrado em Pistoia e garante que ali continue sendo considerado um lugar sagrado. Ali há também um fogo eterno, a lista dos brasileiros mortos e das batalhas na Itália e um altar em formato de véu (leia mais abaixo).

A cerimônia em homenagem a esses soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) mortos em solo italiano marca o último dos cinco dias de visita presidencial ao país. Bolsonaro esteve em reuniões do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), cumprimentou apoiadores nas ruas, promoveu ato com apoiadores em que jornalistas acabaram agredidos por seus seguranças, participou de homenagem feita pela cidade natal de seu bisavô paterno e agendou encontro com seu principal aliado na Itália, Matteo Salvini, ex-vice-primeiro ministro que falhou em sua tentativa de comandar a Itália, mas continua sendo o líder de um partido com 113 deputados e 64 senadores e também líder de uma coalizão de centro-direita que comanda 14 das 20 regiões da Itália.

Salvini e seus aliados fazem oposição ao atual governo do primeiro-ministro Mario Draghi, que não recebeu Bolsonaro durante sua visita à Itália.

Para David Magalhães, professor de relações internacionais da PUC-SP e da Faap e coordenador do Observatório da Extrema Direita, o encontro entre Bolsonaro e Salvini visa “reforçar uma tendência de fortalecimento internacional de uma rede ultradireitista, que inclui outras peças como Donald Trump, o Vox espanhol e o AfD alemão”.

Quem é Matteo Salvini e quais são seus elos com o fascismo?

Um dos principais expoentes da direita nacionalista e populista em expansão na Europa, Salvini é líder do partido Liga, identificado especialmente com o Norte da Itália (daí o nome anterior da sigla, Liga do Norte). Parte do seu sucesso se deve à reconhecida habilidade de comunicação.

Nascido em Milão em 1973 numa família de classe média, filho de um diretor de uma empresa privada e de uma dona de casa, ele estudou história e ciência política na sua cidade natal, mas não concluiu nenhum dos cursos. Na época, teve seu primeiro emprego, numa rede de fast food.

Ex-comunista, ele se filiou à então Liga Norte no início dos anos 1990. Aos 20 anos, em 93, foi eleito vereador em Milão e nunca mais deixou a política — apesar de assumir a imagem de alguém antissistema.

Além de passar pela Câmara dos Deputados e pelo Parlamento Europeu, ele também já atuou como jornalista e hoje é um crítico ferrenho do jornalismo, que considera um inimigo do governo, embora apareça com frequência em debates na TV ou em programas de auditório.

Desde 2013, quando se tornou o principal nome do seu partido, ele cercou-se de uma equipe de dezenas de pessoas que o ajudou a se transformar em uma liderança nacional, sendo bem-avaliado inclusive no Sul, região historicamente menos desenvolvida do país. “Salvini criou um carisma muito particular e aprendeu a se vender de forma simpática, próximo do povo e com uma comunicação direta e envolvente. Sua popularidade vem daí”, disse Gianpietro Mazzoleni, professor de comunicação política da Universidade de Milão, em 2018, auge do poder político de Salvini.

Naquele ano, o líder da Liga publicou no dia de aniversário do ditador fascista Benito Mussolini uma pequena variação (“Tantos inimigos, tanta honra.”) do slogan usado pela propaganda pelo regime totalitário (“Muitos inimigos, muita honra.”). Em 2019, Salvini citou outra famosa frase de Mussolini ao pedir à população “plenos poderes”.

Mas essas não são as únicas associações apontadas entre regime fascista derrotado por tropas incluindo as brasileiras, e Salvini, que chegou perto de comandar a Itália e hoje tem sua hegemonia na direita enfraquecida e ameaçada por Giorgia Meloni, deputada do partido Irmãos da Itália que disse ter uma relação “serena” com o fascismo, ao ressaltar diversos avanços, mas condenar erros profundos como as leis raciais e o autoritarismo. Vale lembrar que Rachele Mussolini, neta do ditador fascista, foi a vereadora mais votada de Roma pelo partido Irmãos da Itália.

O cientista político italiano Fabio Gentile, professor da Universidade Federal do Ceará e especialista em fascismo, explica que classificar qualquer pessoa hoje como fascista é incorreto porque o fascismo clássico acabou e nunca mais será reproduzido. Então, desde o fim da Segunda Guerra, pessoas ou práticas identificadas com parte dos valores fascistas são classificadas por pesquisadores como neofascistas ou pós-fascistas, termos também de difícil definição.

Gentile afirma à BBC News Brasil ser bastante complexo enquadrar Salvini em uma dessas “caixinhas”, porque políticos como ele se aproveitam de ambiguidades “para conseguir ganhar consenso em setores mais radicais e setores mais moderados”. O pesquisador descarta de início o termo neofascista porque a Liga de Salvini não defende o resgate do regime totalitário nem se limita ao papel de apoiar governos conservadores sem integrá-los. Dessa forma, Gentile descreve Salvini como mescla de “pós-fascista” com “neoliberal”. Mas por quê?

Para responder a essa pergunta, o cientista político italiano cita as principais semelhanças de Salvini com a ideologia fascista, em sua avaliação: uma ideia racista de uma raça superior, a manipulação midiática usando a mentira como elemento fundamental do poder, a homofobia e o pragmatismo político de empunhar e abandonar bandeiras a depender as circunstâncias. Há outros pontos em comum, segundo outros pesquisadores, como o anticomunismo, o nacionalismo, as paixões mobilizadoras e a defesa de valores cristãos.

“Na crise atual da democracia, o fascismo voltou a ser um modelo de organização das massas para líderes como Salvini e Bolsonaro”, resume Gentile.

Na questão racial, a Liga defendeu em 2001 a existência de uma raça da Padânia, região do Norte da Itália onde ficam os Estados mais ricos, em contraposição à “sociedade multicultural” e a imigrantes que não descendem de italianos. Salvini costuma protestar contra o que ele chama de “limpeza étnica” na questão dos refugiados que chegam à Europa, considerada uma “tentativa de genocídio contra as populações que têm vivido na Itália há séculos, que alguém queria substituir por dezenas de milhares de pessoas procedentes de outras partes do mundo”.

Ao longo dos anos, Salvini criticou aqueles que o classificam como extremista, radical ou pós-fascista. “Quero libertar a Itália de todos os extremismos de direita, de esquerda, islâmicos, de todos. Os extremismos nunca estão certos. Quero tranquilizar: comunismo, fascismo e nazismo não voltam”, disse o então vice-premier italiano. Curiosamente, essa frase foi proferida no mesmo dia em que ele foi o único membro do governo a faltar à tradicional celebração do Aniversário da Libertação da Itália do regime nazifascista. “Cada um decide o que faz com seus dias”, rebateu.

Especialista em radicalismo e populismo, o historiador argentino Federico Finchelstein, chefe do departamento de História e do programa de Estudos Latinos Americanos da New School, inclui Salvini entre os líderes populistas de direita do século 21 com traços semelhantes ao fascismo histórico do início do século 20. Para ele, o principal é a mentira.

Em seu estudo mais recente, Uma Breve História das Mentiras Fascistas, ele afirma que o poder político fascista derivou em grande parte da “cooptação da verdade e da ampla propagação de mentiras” e que o populismo adota essas práticas como uma espécie de pós-fascismo. Para Finchelstein, o “populismo é o fascismo adaptado à democracia”, usando a mentira como instrumento para perturbar a confiança nas instituições democráticas.

“Os líderes fascistas proeminentes do século 20 – de Mussolini a Hitler – consideravam as mentiras como sendo verdades encarnadas por eles. Esse era o ponto central das noções que tinham do poder, da soberania popular e da história. Um universo alternativo, no qual a verdade e a falsidade não podem ser distinguidas, se baseia na lógica do mito. No fascismo, a verdade mítica substituiu a verdade factual.”

Gentile, por outro lado, ressalta aquela que é a principal diferença entre a plataforma da Liga de Salvini e o regime fascista liderado por Mussolini: o papel do Estado. O político contemporâneo defende algo mais ligado ao neoconservadorismo, que incorporou a bandeira do neoliberalismo econômico ao conservadorismo. Ou seja, defende-se um “desmonte neoliberal do Estado”, segundo as palavras de Gentile, algo bem diferente do fascismo clássico, que tinha o Estado grande como pilar de um regime totalitário que controla diversos aspectos das relações pessoais e econômicas.

Por fim, o pesquisador italiano ressalta que a luta entre fascismo e antifascismo se arrasta há décadas na Itália e que a disputa política também envolve o uso indiscriminado de termos como “fascista” e “neofascistas” sem uma preocupação rigorosa com o significado. “É claro que existe um uso bastante ideológico desses conceitos, porque nem tudo que a extrema-esquerda está combatendo é fascismo”.

Para a Liga Antidifamação dos Estados Unidos, organização que luta contra o antissemitismo e outras discriminações, a resposta é mais genérica: a comparação com o fascismo clássico é amplamente usada no debate político porque este foi “o evento histórico que mais facilmente ilustra o certo versus o errado”.

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Comentários

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Luiz Alberto

03/11/2021 - 07h41

Será que o bozo vai visitar aquela praça na qual penduraram o mussolini?

Luiz Alberto

03/11/2021 - 07h40

Capitalismo é santinho? Kkkkkkkkk

Paulo

02/11/2021 - 21h53

Tanto os fascistas quanto os comunistas são mentirosos natos, quer acreditem, quer não, em suas próprias “verdades” (frequentemente isso oscila na cabecinha oca deles, exceto dos líderes, que sempre utilizaram a mentira como estratégia política e não se importam). Qualquer semelhança com o diabo (o “pai da mentira”, segundo Jesus Cristo) não é mera coincidência…

Kleiton

02/11/2021 - 13h38

A Lega é o primeiro partido italiano, esse tal de Draghi não foi eleito por ninguém, Salvini ganhará as eleições na Itália e Bolsonaro se reelege fácil no Brasil.

“Os únicos fascistas de hoje são os que vivem apontando aos outros de serem fascistas”. (Leonardo Sciascia).

O fascismo está morto e interrado a mais de 80 anos já o comunismo infelizmente contínua fazendo vitimas mundo afora.


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