Por Felipe Coutinho
O sr. Joaquim Silva e Luna, atual presidente da Petrobrás, fez exposição e participou de debate na Câmara dos Deputados no dia 14 de setembro de 2021. Nesse artigo são analisados os argumentos apresentados.
Custos da produção e preços dos combustíveis.
O sr. Silva e Luna sustentou:
“Com relação a preços de combustíveis. Inicialmente, apresentamos o preço da gasolina, que é um dos temas bastante sensíveis, afeta a todos nós. Queremos demonstrar o seguinte: a parte que corresponde à Petrobrás, que é da
ordem de 2 reais, considerando esse valor de 6 reais por litro, e aí entra a parcela que cabe à Petrobrás para cobrir custo de produção e refino do óleo, isso aí, dependendo, chega até 10 anos esse percurso, para chegar até a refinaria.”
Com relação ao preço da Gasolina C, o preço de realização da Petrobrás corresponde à 33,5% do preço ao consumidor (2). A informação apresentada por Silva e Luna, tomando como referência o preço de R$ 6,00 por litro, está correta. No entanto, o argumento é falacioso, porque trata-se de informação incompleta para se avaliar a política de preços da Petrobrás, os custos da estatal e sua justa remuneração.
Apesar da Petrobrás ser superavitária na produção do petróleo em relação a demanda nacional e de ter capacidade para processar cargas com mais de 95% de petróleo nacional em suas refinarias, desde 2016 as direções da Petrobrás decidiram inovar e adotar o Preço Paritário de Importação (PPI).
Estabelecem preços como se os
combustíveis tivessem sido importados, a despeito de terem sido produzidos a partir
de petróleos nacionais e refinados no Brasil.
Com preços altos em relação aos custos de importação, os combustíveis da Petrobrás
perdem competitividade e até 30% do mercado brasileiro é transferido para os
importadores.
A ociosidade das refinarias aumenta também em até 30%, há redução do processamento de petróleo e da produção de combustíveis no Brasil. No 2º trimestre de 2021, a ociosidade das refinarias da estatal foi de 25%. Outra
consequência da política de preços é a desnecessária e perniciosa elevação da
exportação de petróleo cru.
O custo de extração (lifting cost) da Petrobrás, incluída participação governamental e
afretamento, no 2º trimestre de 2021, foi de 18,53 US$/barril. Enquanto o custo de
refino foi de 1,63 US$/barril. Totalizando o custo de 20,16 US$/barril, ou seja, de 0,67 R$/litro dos derivados (para a cotação de 5,30 R$/US$, do 2º tri 21).
É correto afirmar que existem outros custos de Exploração e Produção (E&P), além dos
custos operacionais de extração, mesmo se incluídos custos de afretamento e
participação governamental. Pode se assumir, conservadoramente, que o custo de
equilíbrio seja de 25,00 US$/barril.
Somado ao custo de refino, também conservador, de 2,00 US$/barril, se totaliza o custo de 27,00 US$/barril, suficientes para arcar com custos operacionais, juros, impostos, seguros, depreciação e amortização. Temos o
custo total de 0,90 R$/litro, em comparação com o preço de 2,00 R$/litro da gasolina,
citado pelo sr. Silva e Luna. Margem de lucro de 1,10 R$/litro vendido.
Essa margem de lucro de 122% (1,10/0,90) se justifica para uma companhia estatal
cujo objetivo de criação, e prática em período praticamente integral de sua história, foi
de abastecer o mercado brasileiro aos menores custos possíveis?
Com relação a tentativa do sr. Silva e Luna de justificar a política de Preços Paritários
aos de Importação (PPI), relativamente altos em relação aos custos da Petrobrás e à
capacidade de compra dos brasileiros, ao citar apenas o preço recebido pela estatal
pelo litro da gasolina vendido nas suas refinarias e o preço ao consumidor, pode ser
tipificada como Falácia da Explicação Incompleta.
Preços dos combustíveis, lucros e investimentos
O sr. Silva e Luna recorre a necessidade de realizar investimentos para tentar justificar
lucros derivados da atual política de preços.
“A respeito de preço de combustível, a Petrobrás responde pela parte da sua produção. Aqui cabe um detalhamento: ela precisa investir. Então, ela tem que ter algum mínimo de
lucro, para que ela possa investir”.
Evidente que é necessário gerar caixa para investir, pagar impostos, juros, amortizações da dívida e pagar dividendos. Mas a política de Preços Paritários de Importação (PPI), tem realmente aumentado a geração de caixa, ou é responsável pela redução do mercado da Petrobrás e, nesse aspecto, prejudica ou não contribui para a elevação da geração de caixa? Se por um lado, a Petrobrás ganha mais por litro
vendido, por outro, vende menos litros dos derivados e deixa suas refinarias ociosas.
A Tabela 1 mostra a elevação dos preços dos derivados praticados pela Petrobrás, em
relação ao preço do petróleo Brent no mercado internacional, desde 2015. No mesmo
período se observa a redução do fator de utilização das refinarias da estatal, ou seja, a
elevação da sua ociosidade.
Apesar de praticar preços relativos mais altos, pode-se observar a redução da geração
de caixa (expressa pelo EBITDA) e do lucro bruto anuais. Ao mesmo tempo em que se
constata redução significativa do investimento.
Conclui-se que a tentativa do sr. Silva e Luna, de justificar preços relativamente altos
para se obter maiores lucros e investimentos é falaciosa diante dos resultados
históricos da Petrobrás.
A adoção de preços relativamente mais altos, não necessariamente traz maiores lucros e investimentos, além de, historicamente, se
observar o contrário. No entanto, diante da complexidade de causas e efeitos não se
pode apontar relação dessa simples causa (elevação ou redução dos preços) e efeitos
(elevação ou redução dos lucros e investimentos). Essa Falácia pode ser tipificada
como de Causa Complexa.
Gestão de portifólio e “petróleo com tempo de utilização”
O atual presidente da Petrobrás afirma:
“A ideia de retirar petróleo do pré-sal para transformar em riqueza é algo importante. Nós temos reservas lá dentro. A reserva de petróleo tem um tempo de utilização. Então, temos pressa no pré-sal, temos foco nisso. Por isso, tivemos que fazer uma gestão mais completa de portfólio, de modo que ela possa investir mais naquilo que tem de melhor e
desinvestir em algumas refinarias, como ocorreu em oito delas. Há a previsão de que elas sendo entregues nas mãos
de terceiros estes possam fazer mais e gerar
competitividade e menor preço para a sociedade.”
E acrescenta:
“O nosso esforço tem sido focar o pré-sal por considerar que temos pressa na exploração dessa riqueza, dessa reserva que se transforme em riqueza, para não ficar no fundo do
mar com a tendência depois de perder o valor que ela tem
hoje.”
O sr. Silva e Luna argumenta que é urgente produzir o petróleo brasileiro porque ele
teria um “tempo de utilização”. Ou seja, ele sustenta que o petróleo vai deixar de ter
valor e assim tenta justificar a gestão de portifólio com a privatização de oito refinarias
que respondem por 50% da capacidade de refino da companhia.
Aqui nós temos a premissa de que o petróleo teria um “tempo de utilização” e, por
isso, sua produção deve ser acelerada. Depois, a segunda argumentação, de que para
acelerar a produção é necessário privatizar as refinarias. A matriz energética mundial depende dos fósseis que representam 85% do total
(Petróleo 34%, Carvão 27% e Gás Natural 24%). A energia nuclear representa 4,4% e as
potencialmente renováveis 11% (Hidroelétrica 7%, Eólica e Solar 3%, outras 1%).
A participação das energias de origem fóssil na demanda de energia mundial se
manteve estável nos últimos 25 anos. É improvável que percam importância relativa
nas próximas décadas, considerando sua qualidade (flexibilidade, facilidade de uso,
densidade energética e confiabilidade) e quantidade (disponibilidade), em comparação
com as demais fontes primárias de energia.
Com relação aos investimentos e a pretensa necessidade de privatizar refinarias para
realizá-los podemos analisar os investimentos históricos e a potencial geração de caixa
pela privatização das refinarias.
O petróleo do pré-sal foi descoberto no final de 2006. Os investimentos do segmento
de Exploração e Produção (E&P) da Petrobrás, entre 2007 e 2020, foram de US$ 280
bilhões, média anual de US$ 20 bilhões (em valores atualizados).
A refinaria RLAM (Bahia) foi vendida por US$ 1,65 bilhão (5) e a refinaria REMAN
(Manaus) foi privatizada por US$ 189,5 milhões (6). A privatização das duas refinarias
representa apenas 0,66% dos investimentos em E&P para descobrir e desenvolver as
reservas de petróleo, desde a descoberta do pré-sal. Mesmo se as demais seis refinarias sejam privatizadas, a geração de caixa é irrelevante se comparada com
investimento total e médios anuais para desenvolver a produção do pré-sal.
A premissa de que o petróleo teria um “tempo de utilização” pode ser válida no
horizonte de várias décadas, e mesmo assim é duvidosa, não serve para justificar
aceleração de produção já que não há substitutos para o petróleo e as energias de
origem fóssil. Essa falácia pode ser qualificada como Falácia da Pressuposição.
A tentativa de justificar a privatização das refinarias para acelerar a produção do
petróleo do pré-sal não se sustenta, diante da falta de justificativa para tal medida e da
discrepância entre a potencial geração de caixa com as privatizações e os investimentos requeridos para o aumento da produção do petróleo. Aqui temos uma combinação entre a Falácia da Pressuposição e a Falácia da Causa Diminuta.
Juros da dívida
O sr. Silva e Luna sustenta que:
“Foi feita a pergunta sobre qual era a dívida que a Petrobrás tinha. Ela já trabalhou 6 meses para pagar dívida. Já valeu valor muito pequeno em relação à sua dívida, de quase 160 bilhões. Hoje, a empresa está saneada, está indo para seu
patamar, porque ela precisa encerrar dívidas.
Em vez de produzir recursos, trabalhar 6 meses por ano para pagar juros de dívida, ela trabalha para entregar esse recurso ao
seu acionista majoritário, que é o Governo Federal.”
A Tabela 2 apresenta o histórico do pagamento de juros, da geração de caixa e do
número de meses de geração de caixa necessários para pagar os juros anuais da dívida.
Os resultados históricos da Petrobrás demonstram que entre 2012 e 2020 não foi
necessário trabalhar 6 meses para pagar os juros anuais da dívida, como afirmou o sr.
Silva e Luna. O período de geração de caixa necessário para o pagamento dos juros
anuais variou de 1,33 e 3,48 meses.
O sr. Silva e Luna tenta demonstrar uma contradição entre pagar juros e gerar recursos
para o Governo Federal. No entanto, os juros são resultado da utilização de recursos
de terceiros para realizar investimentos, aumentar a produção e agregar valor ao
petróleo, a fim de aumentar a geração de caixa para, entre outros resultados, gerar
mais recursos para o Governo Federal.
A dívida alcançou o máximo em 2014 com US$ 136,04 bilhões. De 2009 a 2014 a dívida
cresceu US$ 78,42 bilhões que representa o montante captado para cobrir menos de
um terço (31%) dos investimentos no período que totalizaram US$ 252,02 bilhões.
O sr. Silva e Luna partiu de uma premissa falsa, de que a Petrobrás tenha trabalhado 6
meses para pagar os juros da dívida anual, para então apontar uma falsa relação de
causa e efeito entre elevação de pagamento de juros e redução da geração de recursos
para o governo.
A elevação dos juros é resultado da utilização de recursos de terceiros
para realizar investimentos, cujas taxas de retorno são superiores ao custo da dívida,
que aumentam a geração de caixa e, consequentemente, a geração de recursos para o governo. Neste caso pode se identificar a Falácia da Invenção de Fatos e a Falácia da
Explicação Incompleta.
Aversão aos investimentos?
O sr. Silva e Luna afirmou:
“Deputado Paulo Ramos, a Petrobrás investirá no Brasil cerca de 300 milhões de dólares nos próximos anos. Não temos nenhuma aversão a novos investimentos, vamos
investir cada vez mais”.
A Figura 1 apresenta o histórico dos investimentos da Petrobrás, desde 1965, em
dólares atualizados para 2020.
Entre 1965 e 2020, o investimento anual médio da Petrobrás foi de US$ 20,13 bilhões.
Entre 2009 e 2014, foram US$ 49,80 bilhões por ano. O sr. Silva e Luna afirma que a Petrobrás irá investir US$ 300 milhões nos próximos anos, diz que não tem aversão a investimentos e que vai investir cada vez mais.
O que são US$ 300 milhões nos próximos anos, em comparação com o histórico de investimentos da Petrobrás? Neste caso, se não tem aversão a investimentos e planeja investir tão pouco, pode ser porque desconhece o histórico, a capacidade de investimentos da Petrobrás e de sua importância para o desenvolvimento do Brasil.
Felipe Coutinho é vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás
(AEPET)
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