Por Dilma Rousseff
Há uma semana, um repórter da Folha de S.Paulo encaminhou a seguinte pergunta à minha assessoria de imprensa:
“Por que o projeto de lei elaborado no governo Lula não avançou no governo dela, e por que nem mesmo foi submetido a consulta pública?”
Na segunda-feira, publicou a matéria Lula pressiona PT a retomar debate sobre regulação da mídia, mas sem a minha resposta.
Eis a íntegra do que foi minha resposta ao jornal:
Sobre a regulação dos meios de comunicação
Diante do questionamento da Folha quanto à regulação da mídia:
O projeto de lei que tratava da regulação econômica dos meios de comunicação era uma das agendas do meu governo e também do presidente Lula. Depois do Marco Civil da Internet, aprovado pelo Congresso Nacional em 2014, a partir de proposta encaminhada pelo meu governo, havia a intenção de avançar no debate sobre concentração privada de meios de comunicação no Brasil, ou seja, a concentração económica verticalizada e com caráter eminentemente oligopolista.
A ideia era fazer um amplo debate com setores da sociedade civil, da universidade, empresas e entidades ligadas à democratização da comunicação com o objetivo de impedir a concentração dos meios – jornal, rádio, tv e meios digitais propiciados pela internet — em mãos de poucas famílias, como ocorre desde meados do século 20 no Brasil. Em outros países, empresários que detêm a concessão pública para exploração do serviço de rádio não podem deter o controle de emissoras de TV — e vice-versa.
No Brasil, o serviço de radiodifusão não apenas permitiu essa concentração como assegurou a grupos políticos a administração de emissoras. Nos países desenvolvidos, o foco dos reguladores e dos parlamentos vem sendo tanto o controle econômico, quanto o bloqueio à manipulação política e social a partir da difusão do ódio e da violência por meio das grandes empresas-plataformas, como o Facebook.
Na campanha presidencial de 2014, a regulação econômica da mídia foi amplamente debatida. No início de 2015, as condições políticas para avançar no debate público em torno do tema mudaram no Congresso Nacional. A eleição de Eduardo Cunha (MDB-RJ) para a Presidência da Câmara alterou a correlação de forças no parlamento e — para a sua eleição — o deputado Cunha fechou um acordo com empresas de comunicação, notadamente a Rede Globo.
O futuro presidente da Câmara exigia uma posição acrítica da mídia a sua candidatura e, em troca, assumiu o compromisso de impedir a tramitação de qualquer projeto que tratasse da regulação econômica da mídia e também se dispunha a interditar qualquer debate.
A inviabilidade de uma discussão em torno de regulação para proibir a propriedade cruzada dos meios de comunicação — como ocorre nos Estados Unidos e em países da Europa — foi comunicada ao governo diretamente pelo então vice-presidente Michel Temer, do mesmo grupo político de Cunha no PMDB.
Não por acaso, o casamento de conveniência entre Cunha e grupos do PSDB, combinados com a ambição desmedida de Temer e o caráter antipetista de setores empresariais, além do comportamento omisso e rancoroso da mídia, permitiram a eclosão da crise institucional que me derrubou da Presidência da República, levou à prisão de Lula pela Lava Jato e à ascensão do líder da extrema direita ao poder em 2018.