Por Igor Felippe Santos
A imprevisibilidade das manifestações convocadas para o dia 12 de setembro por uma franja da direita não-bolsonarista era tanta que poucos arriscaram dar qualquer palpite sobre o potencial da mobilização.
Os atos foram convocados por MBL e o Vem Pra Rua com dois meses de antecedência e foram recebendo algumas adesões com o passar do tempo. Figuras políticas que tentam se posicionar no tabuleiro entre Bolsonaro e as forças populares que integram as frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo manifestaram apoio e marcaram presença.
Segmentos da centro-esquerda e da esquerda passaram a apoiar a jornada no contexto do 7 de setembro de Bolsonaro. Tanto as ameaças do presidente à democracia como a capacidade de mobilização do bolsonarismo no Dia da Independência justificaram a adesão.
Muitas dúvidas desestimularam projeções prévias sobre os atos. Será que o MBL e o Vem Pra Rua têm “bala na agulha”? A atuação nas redes sociais vai mobilizar? Esse setor “nem nem” que aparece nas pesquisas tem disposição de participar desses protestos? Será que a adesão do governador de São Paulo João Dória vai fazer diferença? A participação de Ciro Gomes vai levar às ruas os eleitores do presidenciável? As franjas do campo progressista que aderiram vão convencer suas bases a participar? Será que esses atos vão catalisar a reação da sociedade às manifestações golpistas de Bolsonaro no 7 de setembro?
As ruas demonstraram que não. Os atos estavam marcados para 17 capitais, de acordo com postagem no dia anterior. No perfil do MBL no Instagram, só constam imagens dos protestos em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, onde foram muito pequenos, e em São Paulo, carro-chefe com diversas participações, que foi pequeno.
O ato na Paulista, que reuniu 5 mil pessoas na estimativa dos organizadores, demonstrou que a mobilização não passou do seu primeiro anel de influência. Pesquisa de professores da USP aponta que 69% dos manifestantes tinham até 44 anos, 79% cursam ou terminaram o ensino superior e 56% tinham renda familiar acima de 5 salários mínimos. (https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58540540)
A primeira tentativa desse segmento da direita não-bolsonarista de disputar as ruas e expressar uma força de massas fracassou. Levantar os possíveis motivos para esse resultado é bastante ilustrativo para compreender o cenário geral da luta política.
Um motivo que podemos especular é que o racha com Bolsonaro e o posterior deslocamento do MBL e do Vem Pra Rua da extrema-direita criaram um distanciamento e uma confusão entre seus apoiadores. Uma parte daqueles que se identificavam com esses agrupamentos não abandonaram Bolsonaro e, possivelmente, estiveram na Paulista no dia 7 de setembro.
Uma segunda razão é que caiu por terra a sombra da expressão jovem da “nova direita” com o discurso de defesa da “nova política”. Nascida no rastro das manifestações de junho de 2013, ganhou corpo nos protestos pelo impeachment de Dilma Rousseff e atuou na eleição de Jair Bolsonaro. Ao eleger seus parlamentares, atuar no meio partidário e articular com referências da política tradicional, perdeu o elã original na direita. O novo ficou velho antes de desabrochar.
Um terceiro elemento é que a linha de massas, que começou como “nem Bolsonaro nem Lula” e foi transmutada na última hora pela defesa da democracia – na tentativa de capitalizar a reação contra Bolsonaro – não colou no público alvo das mobilizações. Não mobilizou aqueles que defendem uma “terceira via” nem passou confiança para aqueles que estão mais ao centro e defendem o impeachment do presidente, mas não admitem bandeiras ideológicas de contrabando.
Um estudo do analista de dados nas redes sociais Pedro Barciela reforça esse ponto, ao destacar que existe uma rejeição nos clusters anti-bolsonaristas no Twitter ao MBL e ao Vem pra Rua. Um segmento de 35% tem “repulsa” aos grupos que convocaram os atos. Os agrupamentos no Twitter em torno do lavajatismo, do MBL e do Ciro Gomes ficaram isolados e não conseguiram irradiar nas redes a mobilização para os atos.
(https://twitter.com/Pedro_Barciela/status/1437167715920359424?s=19)
A quarta razão é a postura fria dos grandes meios de comunicação, especialmente da Globo, que defende a “terceira via”, mas preservou uma distância segura dos atos, o que sinaliza que havia uma desconfiança. Não houve nenhum “entusiasmo” da Globo para fortalecer a mobilização nem uma cobertura para amplificar o tamanho. A cobertura no programa “Fantástico” para as faixas que atacavam Bolsonaro e Lula é enigmática, porque ao mesmo tempo em que coloca o petista no alvo também serve para justificar a baixa mobilização.
Um quinto fator é que os partidos desse campo da direita não-bolsonarista, com vereadores, deputados, senadores, prefeitos e governadores, não moveu suas máquinas e burocracias para massificar os atos. Não foram além dos discursos nas redes sociais de apoio aos protestos. Ou não quiserem mexer suas peças ou não conseguiram colocar seus correligionários em movimento.
O sexto motivo, derivado do anterior, parte da seguinte questão: a direita não-bolsonarista está empenhada de verdade na luta pelo Fora Bolsonaro? Até agora, PSDB, PMDB, PSD e DEM não se manifestaram institucionalmente a favor do impeachment. Embora não faltem declarações de suas lideranças, não há uma posição institucional desses partidos pelo afastamento do presidente. Muitos dos seus deputados, inclusive, votaram a favor do voto impresso, que está no centro da crise institucional e do roteiro golpista.
O fracasso das manifestações, que contaram com o apoio e participação de, pelo menos, cinco presidenciáveis, reproduz nas ruas a dificuldade que a terceira via tem demonstrado nas pesquisas eleitorais. Existe um público que manifesta uma posição por uma candidatura alternativa, mas que não encontrou uma liderança, um partido e um rumo para constituir uma chapa competitiva. No curto prazo, é muito difícil que esse campo chame novos atos exclusivos, o que abre a oportunidade para os setores com maior disposição para uma construção unitária se somarem às forças de esquerda.
Bolsonaro busca com sua manobra defensiva manter posições com movimentos aparentemente contraditórios. Fortalece a coesão dos seus apoiadores em torno de 25% com as manifestações exitosas de 7 de setembro, se impondo à “terceira via”. Sinaliza para os partidos do centrão e neutraliza deslocamentos dos partidos da direita não-bolsonarista com a carta redigida por Michel Temer. Busca construir um acordo com o STF para dirimir as reações da Corte e proteger a família das investigações em curso.
As forças progressistas mantém sua agenda de mobilizações, marcando um novo ato para 2 de outubro. Foram cinco jornadas de manifestações em quatro meses muito expressivas, organizadas por todo o país. Agora, têm o desafio de colocar mais uma vez em movimento faixas dos setores médios progressistas, da juventude estudantil, arrastando faixas da classe trabalhadora que ainda não se mexeu. Esses segmentos demonstraram um cansaço nos últimos atos, mas podem retomar o entusiasmo para dar uma resposta aos protestos bolsonaristas.
Cresce também a disposição de fazer uma grande manifestação ainda neste ano congregando esquerda, centro e direita em torno de uma pauta única, o Fora Bolsonaro. A partir de um processo conjunto de construção, tendo no centro a consolidação de um acordo político entre diferentes setores, será possível colocar nas ruas mais do que a base dos setores organizados, mas um segmento médio da sociedade, alheio às diferenças partidárias, mas ansioso pela união de todos aqueles defendem a democracia e querem derrotar Bolsonaro.
Igor Felippe Santos é jornalista com atuação nos movimentos populares. É apresentador do podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato.