Por Igor Felippe Santos
O 7 de setembro marca uma nova fase da luta política, com o acirramento da disputa e as manifestações de rua ganhando centralidade.
No dia da Independência do Brasil, houve mobilizações da corrente neofascista que apoia o presidente Jair Bolsonaro e das forças progressistas, conduzidas pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, em articulação com as pastorais sociais do Grito dos Excluídos.
No domingo, dia 12 de setembro, haverá mais um protesto, convocado por uma franja da “terceira via”, o MBL e o Vem Pra Rua.
Parte 1, os atos bolsonaristas
Bolsonaro fez um esforço extremo e obteve êxito ao dar uma demonstração de apoio ao seu governo, que passa por uma queda lenta e permanente de popularidade. O governo passa por uma cenário adverso, evoluindo para uma situação de isolamento e empunhando bandeiras antidemocráticas. Mesmo assim, um contingente considerável de pessoas participaram das manifestações bolsonaristas, em um momento de profunda crise nacional.
Uma avaliação fria dos atos bolsonaristas precisa considerar a situação do país, as condições políticas do governo, a política de alianças e as ideias que moveram os manifestantes. Além disso, deixar de lado as expectativas prévias para a mobilização de um lado ou de outro para decretar que foram os maiores atos da história ou que simplesmente “pariram um rato”.
É necessário reconhecer que os atos em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro foram grandes. Milhares saíram às ruas para defender um mandato que está no centro da crise institucional (fustigado pela CPI da Pandemia, pelos inquéritos do STF e investigações do TSE), sofre acusações de corrupção, não conseguiu implementar medidas para reverter a situação econômica, que castiga os trabalhadores mais pobres e gera desconfiança em setores empresariais.
Os protestos forneceram imagens que serão usadas por Bolsonaro, no curto prazo, como uma espécie de salvo conduto para manter sua linha de esgarçamento das instituições, que se mostram incapazes de dar um basta às ameaças de Bolsonaro e à chantagem imposta pelo alinhamento das Forças Armadas ao presidente.
Para o médio prazo, Bolsonaro preparou o terreno para os novos enfrentamentos que virão, ao dar uma expressão de massa à manobra de minar a credibilidade do regime democrático no Brasil, tanto criando uma “vacina” para uma eventual resposta das instituições como para reagir ao processo eleitoral e ao resultado das urnas no próximo ano, com Bolsonaro encarnando um discurso messiânico sobre “prisão, morte ou vitória”.
Por isso, atacou nos seus discursos o STF, a arena mais desfavorável para suas intenções, em especial o ministro Alexandre de Moraes. O relator do inquérito das fake news tem acossado o presidente e seus apoiadores que integram a estrutura de difusão de mentiras para atacar as instituições. O presidente ameaçou descumprir as decisões do STF e voltou a defender o voto impresso, o gatilho para acusar uma fraude eleitoral. No ano que vem, Moraes assumirá a presidência do TSE, órgão responsável pelas eleições.
No longo prazo, avança a consolidação de uma corrente neofascista na sociedade com expressão política, um nível maior de organização e uma dimensão de massa. Assim, a política neofascista da minoria mais ativa, intransigente e coesa ideologicamente se radicaliza e faz um contraponto radical a instituições que atravessam uma profunda crise de desmoralização, que se arrasta como uma ferida aberta desde 2013, que se agudizou com a legitimidade que conferiram ao golpe do impeachment de 2016.
Chama a atenção a operação das milícias bolsonaristas nas redes sociais para antes dos atos difundir vídeos e fotos de ônibus se deslocando para Brasília ou São Paulo, assim como de caminhoneiros nas estradas para criar o clima. Na noite de segunda-feira, as imagens da “invasão” da Esplanada dos Ministérios, as informações sobre invasões e ataques ao Itamaraty, ao Congresso e ao STF e as mensagens de apreensão circularam em alta velocidade, favorecendo a mobilização dos bolsonaristas e disseminando o medo para participar das manifestações contra o presidente.
Parte 2, os protestos da oposição
O furor do processo de mobilização para os atos bolsonaristas teve um efeito reflexo nas manifestações do Grito dos Excluídos em conjunto com a campanha Fora Bolsonaro. De um lado, o presidente estimulava suas manifestações e exaltava a participação dos seus apoiadores entre policiais, ruralistas e fundamentalistas religiosos.
De outro lado, a unidade das forças progressistas se enfraqueceu, a dúvida sobre a pertinência de manter os atos no mesmo dia cresceu e o medo de estar nas ruas se alastrou, especialmente em São Paulo e em Brasília, mas não apenas.
Em relação à decisão de manter a jornada nacional, a responsabilidade com um processo de organização nacional das manifestações e o compromisso com os parceiros das pastorais sociais do Grito dos Excluídos pesaram.
Assim como a convicção de que era necessário disputar as ruas, levantar as bandeiras e resistir, ainda mais com a perspectiva de que persista até o final de 2022 esse acirramento.
Foram organizados atos em mais de 200 municípios, em todos os estados e no Distrito Federal, que reuniram em torno de 300 mil pessoas. Com exceção de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo, os atos das forças progressistas foram do mesmo nível dos bolsonaristas. Em São Paulo, central na polêmica, o protesto no Vale do Anhangabaú reuniu mais de 50 mil pessoas, mesmo em um cenário adverso.
As manifestações tiveram, desta vez, um peso maior da militância das organizações, tanto pelo senso de responsabilidade com a situação política como também pelo avanço da vacinação e contenção dos números da pandemia.
As franjas dos setores médios progressistas e da juventude estudantil, que adensaram os últimos atos, tiveram uma adesão menor, especialmente pelo quadro de medo e também pela discordância com a manutenção da data. Parte desses segmentos se expressaram em panelaços, realizados no final da manhã e no começo da noite.
Diante da mobilização das hordas bolsonaristas, as manifestações não conseguiram trabalhar linhas de massa que pudessem mobilizar outros setores, para além da bandeira do Fora Bolsonaro. Até mesmo a defesa da democracia contra a escalada autoritária não teve força. A defesa de um programa de emprego e renda assim como as medidas sanitárias para enfrentar a pandemia ficaram dispersas, assim como outras exigências.
Será necessário abrir um debate sobre os próximos passos da luta e dar uma resposta às manifestações bolsonaristas. A discussão sobre as novas linhas de massa deve considerar a necessidade de recolocar em movimento os setores médios progressistas e a juventude estudantil. Ainda é um desafio promover iniciativas que incidam sobre os trabalhadores mais pobres para que se envolvam no processo de luta.
A disputa nas plataformas digitais foi acirrada nas redes abertas. No Twitter, o bolsonarismo teve um volume grande de postagens, mas repercutiu apenas entre 18% dos usuários que discutiram o tema. Do lado das forças progressistas, a hashtag #7SForaBolsonaro ficou nas primeiras posições nos TTs durante todo o dia.
No Instagram, dos 10 posts com mais interações sobre “7 de setembro” , os três mais populares foram contrários a Bolsonaro (Quebrando O Tabu, Lula e Manuela D’ávila. No Facebook, antes dos atos, a convocação para a manifestação do Bolsonaro teve uma média de 1 milhão de interações/dia.
O último capítulo da disputa nas ruas desta semana será no domingo, dia 12 de setembro, quando acontece o ato convocado por MBL e Vem Pra Rua, apoiado pelo governador de São Paulo João Dória, que tenta construir uma expressão de massa para a terceira via.
É o primeiro ato de rua desse campo contra Bolsonaro e ainda é difícil de prever a capacidade de mobilização dos organizadores, que se notabilizaram nos protestos pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
As declarações mais fortes de lideranças da direita não-bolsonarista, colocando na mesa a carta do impeachment do presidente, podem fortalecer essa manifestação como uma reação da sociedade à escalada autoritária de Bolsonaro.