Nada é impossível, mas tudo é improvável. A frase é de um sujeito chamado Johnatan Oliveira Wanderley Santos, que não sei quem é.
Ela se aplica perfeitamente a várias situações atuais da política brasileira.
Por exemplo, a terceira via.
Evidentemente nada é impossível. O bolsonarismo pode implodir, e dar espaço a uma alternativa.
Como uma estrela velha, vergada pela densidade de uma rejeição cada vez maior, o governo Bolsonaro pode se tornar um buraco negro.
Mas isso ainda parece improvável, sobretudo porque o presidente desenvolveu uma técnica política que se baseia justamente em focar sua comunicação num nicho específico, que são os eleitores que votaram em Bolsonaro, e que ainda o apoiam. Bolsonaro não se preocupa em falar para quem não votou nele.
A propósito, a pesquisa Quaest (íntegra aqui) traz notícias boas para a oposição neste sentido. A avaliação do governo Bolsonaro se deteriorou muito. No atacado e no varejo. Ou seja, tanto no geral, quanto nos mais diversos extratos sociais.
Dê uma olhada nos gráficos abaixo. Voltamos em seguida.
Comos se pode ver, a melhora em alguns extratos em agosto foi aparentemente apenas um soluço estatístico. Em setembro, há um processo de deterioração bastante claro em toda a parte.
No geral, a avaliação negativa de Bolsonaro subiu para 48%, o que é exatamente o dobro de seu percentual positivo, de 24%.
Até mesmo num setor social que é o principal sustentáculo do governo, os evangélicos, há hoje uma rejeição de 35%, contra aprovação de 32%.
Entre católicos, a rejeição de Bolsonaro subiu para 50%, contra 21% de aprovação.
Em eleitores com outras religiões, ou sem religião, o governo tem avaliação ainda mais negativa.
A perda de apoio na classe média, que era uma tendência clara em julho, mas que parecia ter sido interrompida em agosto, agora voltou a ficar explícita. Entre famílias com renda acima de 5 salários, a rejeição a Bolsonaro subiu para 49%, ao passo que sua aprovação caiu para 22%.
Bolsonaro não conseguiu penetrar na fortaleza lulista, o nordeste. Por lá, a rejeição ao presidente cresceu ainda mais, e atinge hoje 59%, ao passo que a aprovação nunca foi tão baixa, apenas 13%. No Nordeste, ao menos, Bolsonaro virou quase um Michel Temer.
No Sul, porém, Bolsonaro ainda tem 32% de aprovação; mesmo aí, tem “déficit”, porque sua rejeição é maior, 39%.
No Sudeste, que responde por 43% dos entrevistados na pesquisa (e do país), a rejeição a Bolsonaro também cresceu, para 47%, ao passo que sua aprovação declinou para 25%.
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Passemos à análise dos números eleitorais para 2022.
Vamos começar com um gráfico que eu mesmo preparei, convertendo os números para votos válidos no cenário mais reduzido, com quatro nomes: Lula, Bolsonaro, Ciro e Doria.
Examinem os gráficos. Voltamos em seguida.
O gráfico deixa claro que Lula está puxando votos tanto de Bolsonaro como da terceira e quarta vias.
O esvaziamento de Bolsonaro (sem partido) não vem transferindo votos para candidaturas alternativas, como a de Ciro Gomes (PDT) ou João Dória (PSDB). Esses eleitores estão migrando diretamente para o ex-presidente Lula (PT).
A Quaest mostra que, se as eleições fossem hoje, Lula ganharia no primeiro turno em todos os cinco cenários analisados.
Nos cenários mais enxutos, com menos candidatos, as chances de Lula vencer no primeiro turno são ainda mais altas, o que reforça a extrema dificuldade das principais candidaturas alternativas.
Até há pouco, e em outras pesquisas, Ciro Gomes liderava isolado a terceira via. Não mais, ao menos na Quaest. Ele apenas lidera acima da margem de erro nos cenários 2 e 3, e mesmo acima com apenas 3 pontos de vantagem sobre Doria (9 X 6, no cenário 2, e 8 X 5, no cenário 3).
Ciro está perdendo eleitores.
Em outros cenários, Ciro empata tecnicamente com João Dória (Ciro 8% X Doria 6%, no cenário 1) e Datena (Ciro 6% X Datena 7%).
Nos últimos dias, temos visto alguns nomes ensaiarem candidaturas próprias, tanto de maneira isolada como apoiados por partidos. Simone Tebet e Rodrigo Pacheco, por exemplo, tem sido nomes ventilados por importantes partidos de centro, como MDB e PSD. No caso de Pacheco, ele hoje está no DEM, mas já com um pé no PSD.
O senador Alessandro Vieira, por sua vez, anunciou publicamente sua intenção de se candidatar a presidente da república, embora ainda precise do aval de sua legenda.
Entretanto, o espaço da terceira via, ao invés de estar se abrindo, parece se estreitar.
A Quaest tem medido, desde a primeira edição, o tamanho do eleitorado “nem-nem”, e ele vem encolhendo: era de 31% em julho, caiu para 28% em agosto, e desabou para 25% em setembro.
Curiosamente, ele vem desabando junto com Bolsonaro. Parte dos eleitores que abandonam Bolsonaro, e que também se desencantam com a terceira via, migra diretamente para Lula; outra parte adere aos indecisos, que cresceram de 4% para 7%.
A pesquisa traz cenários de segundo turno, que mostram o distanciamento de Lula em relação a Bolsonaro. Em julho, o petista vencia Bolsonaro por 54% a 33%, 19 pontos de vantagem. Na pesquisa de setembro, a vantagem de Lula se ampliou para 25 pontos, ou 55% a 30%.
Lula ganha tranquilamente em todos os cenários de segundo turno. No caso de um segundo turno contra Ciro Gomes, por exemplo, o petista venceria com vantagem de 27 pontos, ou seja, ainda maior do que aquela registrada contra Bolsonaro. E Ciro é o candidato que, na pesquisa Quaest, melhor pontua contra Lula num eventual segundo turno.
Bolsonaro, por sua vez, perderia para Ciro Gomes por 45% X 33%, ou seja, com 12 pontos de diferença.
Por fim, vale analisar o quadro com as razões do voto em Bolsonaro. Para 27%, o voto na reeleição do presidente é por “gestão”, o que francamente não parece fazer sentido nenhum pois o presidente não trabalha.
O que é interessante aqui são os 25% que dizem votar em Bolsonaro por ele ser “anti-PT”. É um percentual expressivo.
Conclusão & análise
Não há, por enquanto, espaço para a terceira via. Bolsonaro parece ter chegado no osso, mas mantém núcleos importantes de aprovação, especialmente entre evangélicos, no Sul e nas regiões agrícolas. No centro-oeste, por exemplo, a aprovação de Bolsonaro se mantém estável desde julho.
Não é a tôa que Bolsonaro vem cultivando cuidadosamente esses extratos. Nas últimas semanas, vimos Bolsonaro insistir na figura do presidente “da roça”, conversando com agricultores, participando de evento em Mato Grosso, montando a cavalo…
Lula, por sua vez, continua trabalhando para dividir os adversários. Sua viagem ao nordeste não deixou nada a dever ao desempenho que teve no Rio de Janeiro, primeiro estado que visitou após a decisão do STF que lhe restituiu seus direitos políticos.
O petista é uma espécie de Gengis Khan de seus adversários: por onde ele anda, produz devastação em suas hostes e conquista novos territórios. Em Pernambuco, Lula se reaproximou do PSB, e restam cada vez menos dúvidas de que os socialistas devem caminhar juntos com o PT em 2022. O governador de Pernambuco, Paulo Câmara, postou fotos de Lula em suas redes sociais, junto com mensagem de que a oposição deve caminhar unida. O recado está dado.
Como provocação, Lula ainda se encontrou com um dos deputados que, até pouco tempo, era um do mais prestigiados do PDT, Tulio Gadelha, e um dos poucos quadros trabalhistas com uma rede social grande (o que é um ativo importante hoje para qualquer partido).
Correm rumores de que Gadelha estaria de malas prontas para ingressar no PSOL ou no PT, mas ainda não há nada definido. De qualquer forma, sua saída do PDT cria dificuldades para o partido de Ciro Gomes, que perde um cabo eleitoral relevante em Pernambuco.
No Maranhão, Lula provocou outro estrago importante na candidatura de Ciro Gomes, e isso apenas com sua proximidade, pois coube ao senador do PDT, Weverton Rocha, que está no meio de uma intensa campanha para o governo do estado, inundar sua própria rede social com fotos e elogios ao ex-presidente Lula. As postagens causaram constrangimento e perplexidade junto a militância cirista. Muitos reagiram agressivamente, pedindo a expulsão do senador do partido (opinião que foi ignorada solenemente pela cúpula do PDT e ridicularizada pelos militantes inseridos na burocracia da legenda, pois Weverton é um dos quadros mais importantes do PDT, e tem chances reais de ganhar as eleições no Maranhão).
As postagens de Weverton esvaziam precocemente o palanque de Ciro no Maranhão.
No Ceará, Lula fez igualmente uma grande movimentação, sempre ao lado do governador do estado, Camilo Santana, que é do PT, como que para deixar claro que Santana é um quadro dele, de Lula, e não de Ciro. O movimento ostensivo de Lula cria algumas dificuldades para o pedetista em sua própria casa. O PDT ainda não bateu o martelo sobre o nome que disputará o governo do estado em 2022, mas o cenário nacional já impõe uma série de tensões. O MDB de Eunício Oliveira – principal inimigo político do grupo Ferreira Gomes no Ceará – já deixou claro, por exemplo, que apoiará a candidatura de Capitão Wagner, caso não haja uma ruptura entre o PT e PDT.
O ex-presidente Lula ainda fez questão de visitar o senador Cid Gomes (PDT), irmão de Ciro e postar a foto em suas redes sociais, reforçando sua estratégia de passar a imagem de construtor de pontes e conciliador.
Esses movimentos podem explicar a ascensão de Lula nas pesquisas.
Ciro Gomes, por sua vez, resolveu apostar em ataques cada vez mais violentos ao PT, o que serve de orientação para que sua militância siga pelo mesmo caminho. A pesquisa Quaest mostra que 25% dos eleitores de Bolsonaro votam na reeleição dele por antipetismo. Talvez Ciro esteja de olho nesse filé. Só que esse eleitor, em sua maioria, é inacessível para ele, pela mais absoluta falta de identificação. Pode não ser “fascista”, mas é ultraconservador, e Bolsonaro cumpre melhor que ninguém o papel de líder desses extratos.
Involuntariamente, Ciro Gomes desempenha hoje o papel de principal dique de contenção contra a emergência de uma terceira via conservadora (mas limpinha, ou não fascista), que poderia oferecer um perigo maior ao ex-presidente Lula. Como é uma personalidade forte, com um eleitorado próprio e fiel, Ciro bloqueia o crescimento de uma alternativa que pudesse atrair os votos do centro, sobretudo no nordeste. Quanto mais Ciro e sua militância tentam se posicionar à esquerda de Lula e do PT, a quem acusam de conciliação com o neoliberalismo, mas afastam o eleitorado de centro, que se deixaria atrair pela mensagem contrária, ou seja, por um posicionamento à direita do PT. Ao mesmo tempo, como o centro não consegue crescer no Nordeste, justamente por causa de Ciro, e como Bolsonaro é visto como extremista de direita, então o centro está migrando para… Lula.
Ao mesmo tempo, as agressões contínuas de Ciro ao petismo, acabam por gerar um outro efeito curioso. Setores da esquerda com alguma identificação, nem que seja puramente afetiva, com o ex-presidente Lula, põem de lado suas contradições e diferenças internas, que são muitas, a se unem na rejeição a… Ciro.
O antipetismo cirista tem ajudado, portanto, a unificar o campo pró-petista.
Assim, ironicamente, as hostilidades crescentes de Ciro e ciristas contra Lula, e contra qualquer um que ouse dizer algo positivo sobre o petista, juntamente com o extremismo insuportável, desestabilizador do presidente Bolsonaro, pavimentam o caminho para Lula ganhar as eleições no primeiro turno.