O professor Wilson Gomes matou a charada. A proposta de regulamentar a mídia, ressuscitada pelo ex-presidente Lula, lembra muito o tiro no pé que foi a defesa pelo “voto impresso” por alguns setores desorientados da esquerda.
É semelhante em vários aspectos.
Em primeiro lugar, assim como o voto impresso, é cringe.
Ou seja, é uma ideia que soa cafona e velha, por ecoar um debate da década de 90 e anos 2000, atropelado hoje pela revolução tecnológica.
O tema em si, por outro lado, é mais atual que nunca. Não há outro setor que se desenvolva com mais velocidade, que gere mais empregos, mais oportunidades de renda, do que o de comunicação.
Mas o jovem (ou qualquer um) que se interessa por comunicação, hoje, está mergulhado nos desafios das novas tecnologias: quer lançar seu canal de youtube, sua página no TicTok, desenvolver um programa de entrevistas para o Instagram, e por aí vai. Não está mais preocupado com uma regulação de mídia que irá proibir a propriedade cruzada, dar cota para mídias alternativas ou coisa parecida.
O argumento de que a regulação da mídia existe no “mundo inteiro” é o mesmo usado pelos defensores do voto impresso.
O esquecimento de que o Brasil não é “o mundo inteiro” também é parecido…
Os defensores do voto impresso lembravam que a urna alemã imprime um comprovante do voto. Os defensores da regulação da mídia mencionam a existência de leis de mídia na… Inglaterra.
O assunto voltou à tona por causa de uma postagem do ex-presidente Lula no twitter.
O comentário de Lula foi infeliz em vários aspectos, inclusive no diplomático, ao mencionar a China como um exemplo a não ser seguido.
Não é algo que um candidato com perspectivas promissoras de ser o nosso próximo presidente da república deveria falar sobre a maior parceira comercial, e país com o qual contamos muito, hoje, para o estabelecimento de parcerias de transferência tecnológica – inclusive no campo da tecnologia de informação – que permitam reduzir o nosso atraso em relação ao mundo desenvolvido.
A inoportunidade política é semelhante. Neste exato momento, a maioria dos meios de comunicação tem se distanciado cada vez mais de Bolsonaro, incluindo os que mais lhe apoiaram em 2018.
Até mesmo Paulo Guedes deixou de ser a unanimidade que era. Suas tiradas “bolsonáricas”, como a de que não haveria problema na alta do preço da energia, foram reunidas em reportagem recente da Record.
Ou seja, até a Record, um dos últimos bastiões do bolsonarismo nas concessões públicas de TV, sinalizou que não está disposta a se lançar no abismo da impopularidade junto com a dupla Bolsonaro/Guedes.
Fazer pouco das dificuldades terríveis que as famílias estão enfrentando com a alta no preço da energia (luz, gasolina, gás, etc), é de um elitismo tão desumano e repugnate que não tem como uma emissora cujo público alvo são justamente as famílias de baixa renda, as mais afetadas por esse tipo de inflação, continuar blindando…
O Estadão, um dos jornais mais conservadores do país, tem publicado quase todos os dias, editoriais fortemente hostis ao governo Bolsonaro. Neste sábado, 28, voltou a carga, num editorial com título sugestivo de “A estupidez e suas consequências“.
Neste quadro, não é inteligente desviar os debates para a tema regulamentação da mídia.
O debate do voto impresso nos ensinou uma coisa. Seus defensores ficaram completamente isolados. De um lado, bolsonaristas e a ala cringe (infelizmente majoritária) do PDT; de outro, o centro, a direita não-bolsonarista, os liberais e a maioria da esquerda.
No caso da regulação da mídia, é um discurso defendido por setores da esquerda, embora a maioria nem saiba direito do que se trata, mas rechaçado pelo centro, pelos liberais e pela direita não-bolsonarista, e pelo… bolsonarismo.
Ou seja, é um discurso que isola a esquerda, e ajuda a tirar o bolsonarismo do isolamento.
Os governos petistas não defenderam isso, e sobretudo não fizeram nada, quando Lula tinha mais de 80% de aprovação. E não fizeram porque entenderam que não havia correlação de forças favorável neste sentido. E naquele momento, o debate não era cringe. Não era ultrapassado.
Hoje a esquerda enfrenta um governo fascista, cujos tentáculos se estendem por governos estaduais, prefeituras, polícias e forças armadas.
Ah, então devemos esquecer o tema? Devemos engavetar qualquer discussão sobre regulamentação da mídia?
Não.
Reitero que o tema nunca foi tão importante. Só que Lula, pelo jeito, não está bem assessorado. A regulação da mídia já está acontecendo.
Quando o judiciário determina, por exemplo, que as plataformas desmonetizem sites e canais de youtube que promovem fake news, isso já é uma severa regulamentação da mídia, com a vantagem que não é uma iniciativa do Executivo, o que ajuda a despolitizar esse debate.
O tema da comunicação deve ocupar um lugar central num projeto nacional, mas a abordagem precisa ser atualizada.
Se a expressão e o conceito de “regulamentação da mídia”, entendidos como um conjunto de regras proposto pelo governo federal e, em seguida aprovado pelo congresso, produzem uma quantidade tão avassaladora de menções negativas, se são defendidos apenas por setores mais radicais da esquerda, se não possuem nenhum apelo popular, e se não há nenhuma perspectiva pragmática de que se materialize efetivamente, então é perda de tempo.
É um novo voto impresso, uma bandeira que apenas atrasa o debate.
Vamos mudar o enfoque, a narrativa, a abordagem, as expressões?
Vamos falar de economia da informação?
Vamos falar de empregos para a juventude no setor de informação?
Vamos falar de ampliar a segurança empregatícia, financeira, previdenciária, do jornalista?
Vamos falar em ampliar a proteção às liberdades de informação?
Vamos falar em aumentar a diversidade?
Ah, mas a regulamentar a comunicação não é censura!
Pois é, mas quando para defender uma bandeira como essa, você precisa repetir esse tipo de coisa, isso é sinal que você já perdeu o debate.
Quando os defensores do voto impresso – e falo daqueles bem intencionados – se esgoleavam nas redes para explicar que o eleitor não poderia levar para a casa nenhum comprovante impresso, eles já tinham perdido o debate.
Apenas ao dizer isso, eles já ajudavam a criar, na cabeça do eleitor, a ideia de que o seu voto impresso poderia ser visto por alguém, e que isso poderia implicar em risco para sua segurança, caso fosse morador de áreas controladas por milícias.
A mesma coisa vale para a “regulamentação da mídia”. Quando antes mesmo de você explicar a sua ideia, você se sente obrigado, como fez Lula, a falar que não será aplicado no Brasil o sistema cubano ou chinês, você está difundindo, no debate político, o medo do sistema… cubano e chinês. E isso é tudo que não precisamos nesse momento em que estamos conseguindo isolar Bolsonaro!
A última esperança de Bolsonaro é justamente pintar a esquerda brasileira como um campo político totalitário, disposto a aniquilar as liberdades, e implementar no Brasil um regime… cubano ou chinês.
O que fazer, então?
Não há mistério. Se a meta é assegurar mais liberdade de imprensa, como é o objetivo de uma regulamentação democrática da mídia, então que se evite o termo “regulamentação” e se fale apenas em “assegurar mais liberdade de imprensa”. Se a meta é ampliar a independência e a segurança do profissional de imprensa, então que se fale apenas isso.
Por exemplo, se uma das ideias de um “regulação da mídia” é dar mais segurança e apoio às rádios comunitárias, então que se crie um plano de incentivo às rádios comunitárias.
Um governo progressista e democrático precisará reconquistar, para si, além das cores da bandeira, além do discurso de segurança pública, além da narrativa de que defende a transparência e a confiabiliade das urnas, também o discurso da liberdade de imprensa e de expressão!
Um Plano Nacional pela Liberdade de Imprensa, com princípios claros, transparentes, que deixe evidente que o objetivo do novo governo é propor um marco regulatório que amplie os direitos e as liberdades do profissional de comunicação, seria um conceito político muito mais agregador e persuasivo!