O presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, Carlos Veras (PT-PE), anunciou que o colegiado vai apresentar projeto de lei para aumentar o número de parcelas do seguro-desemprego pagas ao trabalhador resgatado da condição análoga à escravidão. Atualmente, esse trabalhador tem direito a três parcelas do benefício no valor de um salário mínimo cada uma.
“Acredito que o governo não vai se colocar contra um projeto desses. Até porque, como o trabalho escravo é proibido no País, ampliar o seguro-desemprego não é nenhum problema econômico para o Executivo. Espero que possamos aprová-lo o mais rapidamente possível e com unanimidade no Plenário da Casa”, afirmou Veras nesta sexta-feira (27).
O parlamentar conduziu audiência pública que discutiu as recomendações recebidas pelo Brasil no mecanismo de Revisão Periódica Universal (RPU) sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas.
A sugestão de ampliar o seguro-desemprego foi da coordenadora nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho, Lys Sobral Cardoso.
“O que temos visto, na prática das fiscalizações, é que três parcelas são muito pouco, e o que acontece é a reincidência, envolvendo as mesmas pessoas, o mesmo setor econômico, um ciclo de exploração que não se rompe. Sugerimos aumento para, no mínimo, seis parcelas de seguro-desemprego a serem garantidas para vítimas de trabalho escravo e de tráfico de pessoas”, defendeu Lyz Cardoso.
Também na avaliação da deputada Erika Kokay (PT-DF), o apoio às vítimas por meio do seguro é fundamental para que elas ressignifiquem suas vidas. “Precisamos trabalhar na prevenção e na promoção, assegurar condições de trabalho digno, de trabalhos decentes.”
O jornalista Leonardo Sakamoto, que é especializado no assunto, acrescentou que é necessário garantir aos trabalhadores resgatados acesso a emprego e renda de qualidade.
Falta de perspectivas
Presente ao debate, que foi realizado de forma virtual, Agnaldo da Silva, trabalhador egresso do trabalho escravo, relatou que o que leva alguém a se submeter a atividades forçadas é a absoluta falta de perspectivas na vida.
“O que mais doeu no meu coração foi o seguinte: é você trabalhar vigiado e a ausência da família, sem comunicação, sem saber como está sua esposa, sua mãe, seus filhos. O que faz a pessoa ir nessa situação é ter família e querer mantê-la com dignidade, honestidade, sinceridade. Outra coisa é você não ter uma qualificação profissional. Você não sabe fazer nada, a não ser pegar uma motosserra, uma foice e ir para lá. É a necessidade que obriga a gente fazer isso”, disse.
Resgatado há 16 anos, Silva se qualificou e hoje é operador de máquinas e implementos agrícolas em Mato Grosso.
Possíveis retrocessos
A audiência reuniu representantes do governo federal, do Ministério Público e das Nações Unidas, entre outros. Os participantes reconheceram os avanços do Brasil no combate ao trabalho escravo nas últimas décadas, mas também demonstraram preocupação com possíveis retrocessos, como uma redefinição no conceito de trabalho escravo, com brechas para que nem todo trabalho forçado seja considerado de fato análogo à escravidão.
Entre as propostas criticadas, está a possível regulamentação da Emenda Constitucional 81, que determina a expropriação de propriedades rurais e urbanas em que se constate a prática de trabalho escravo.
“Quando conseguimos aprovar [a EC 81], começaram a tentar modificar o conceito de trabalho escravo e assegurar apenas o cumprimento do direito de ir e vir, e não as condições e as jornadas desumanas. Não podemos permitir retrocesso”, declarou a deputada Erika Kokay.
Na opinião da procuradora Lys Sobral Cardoso e do jornalista Leonardo Sakamoto, a atual conjuntura não é adequada para a regulamentação da EC 81, apesar de sua importância na prevenção do trabalho escravo.
“Se o Brasil regulamentar de forma mais frágil, vai comercializar só com a Antártica, só com a Sibéria, porque vários países vão encarar esse retrocesso como o Brasil abandonando o combate ao trabalho escravo”, observou Sakamoto.
Ações
Entre as medidas de combate ao trabalho escravo no Brasil, os representantes do governo federal mencionaram o plano nacional para erradicação desse tipo de trabalho, o atendimento às vítimas, com o pagamento de indenizações, investigações da Polícia Federal, o trabalho do Ministério Público, da Defensoria Pública da União e dos auditores fiscais do trabalho, a elaboração de campanhas e ainda a disponibilização de canais de denúncia, como o Disque 100 e o Ligue 180.
Dados citados pelo subsecretário de Inspeção do Trabalho, Rômulo Machado, apontam para o resgate de mais de 56 mil trabalhadores brasileiros pela auditoria fiscal do trabalho até hoje. Mesmo na pandemia de Covid-19, segundo ele, a inspeção em nenhum momento parou.
Também foi elaborada uma cartilha sobre o trabalho escravo. “Compartilhamos essa cartilha com 20 milhões de trabalhadores brasileiros e mais de 4 milhões de empregadores, de modo que tenhamos a criação de uma cultura e de uma ideia prevencionista”, disse Machado.
RPU
A Revisão Periódica Universal é o instrumento da Organização das Nações Unidas (ONU) que analisa a situação de direitos humanos de seus estados-membros.
No final de 2019, a Câmara dos Deputados e o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos firmaram parceria para a criação de um Observatório Parlamentar no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, com o objetivo de monitorar as recomendações recebidas pelo País na RPU. A colaboração foi renovada em 2020 para vigência por mais um ano, contado a partir de fevereiro de 2021.
Entre os pedidos da ONU ao Brasil estão dar continuidade aos esforços de combate às formas contemporâneas de escravidão, incluindo o tráfico e a exploração de pessoas, e fornecer apoio e proteção às vítimas, prestando atenção especial aos grupos mais vulneráveis.
Fonte: Agência Câmara de Notícias