Por Lenio Streck (Conjur)
Em tempos de ode ao golpismo — poxa, só se fala disso, com anúncio para 7 de setembro (já está até ficando chato!) — em que, em nome da democracia, prega-se a sua extinção, fiz uma pesquisa para saber o que os filósofos e literatos poderiam dizer sobre os golpistas brasileiros, que vão de cantores sertanejos à motoristas e fazendeiros, passando por policiais militares dos Estados.
Origem e “natureza jurídica” do golpismo
Os golpistas já estavam listados para embarcarem na Nau dos Insensatos, o best seller pré-moderno de Sebastian Brant, que foi traduzido para 40 línguas. No entremeio de toda aquela gente, lá estavam eles: os golpistas.
No Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente, havia, ao que consta, lugares reservados a eles, os golpistas. Um capítulo secreto, descoberto há pouco em escavações — ainda inédito —, mostra que Cervantes se irritava com duas coisas: néscios e golpistas, o que dá no mesmo, ele dizia.
Atravessaram os séculos e, com o advento da computação e das redes sociais, finalmente saíram da toca. Umberto Eco dizia — e aqui o parafraseio — “os golpistas perderam a vergonha”.
Os golpistas fazem lives propondo golpe de Estado. E tem muitos apoiadores. Muitos. Há uma paixão pela farda. Uma questão psicanalítica mal resolvida. Nota: nem todo néscio é golpista. Mas todo golpista é néscio. Mas ser néscio não tem cor ideológica. Podem estar em todos os lugares. Conheço vários néscios do campo da não-direita (para ser eufemístico).
Os golpistas residem em neocavernas. Platão foi o primeiro a denunciar os golpistas e os néscios. Faça o teste: entre em um grupo de golpistas e tente dizer que golpe é antidemocrático e você será expulso, como aconteceu no Mito da caverna.
Golpistas adoram tuitar. Golpistas odeiam literatura. Para eles, o mundo é como as Ideias de Canário, de Machado de Assis: uma gaiola pendurada em um brechó. “O resto tudo é mentira e ilusão”, como diz o falante canário ao Senhor Macedo, que o descobriu.
“Natureza filosófica” do golpismos e dos golpistas
O que os filósofos diriam d’eles? Eis as respostas, colhidas a partir do método palimpsesto (os golpistas não sabem o que é, claro).
Parmênides: tudo permanece (inclusive os golpistas).
Heráclito: o fogo é a origem de tudo. E os golpistas gostam de fogos de artifício.
Protágoras: o golpista é a medida de todos os golpes e da estultice.
Platão: os golpistas fazem parte do mundo sensível. Jamais alcançarão o suprassensível. Por isso, para eles, as sombras são a realidade. Não sairão jamais da caverna.
Górgias de Leôncio, o sofista mais famoso: um golpista é incognoscível e, se for cognoscível, é impossível contar para o vizinho.
Guilherme de Ockham: não há golpismo universal; apenas golpismo singular.
Hobbes: o golpista é o lobo do próprio golpista. Cuidado!
Locke: a mente do golpista é como uma folha de papel em branco.
Rousseau: O homem nasce livre, até que o golpista vem para implantar uma ditadura.
Edmund Burke: Desconfio de revoluções. Desconfio mais ainda de golpistas!
Maquiavel: atrás de um golpista sempre surge outro. Não deixe nenhum perto de você.
Heidegger: faz parte do modo próprio de ser no mundo o golpista ser assim.
Descartes: golpistas não possuem cogito; golpeio, logo sou. Golpistas não possuem cogito; mas há aos montes!
Kant: não existe um golpista em si.
Leibniz: vivemos no melhor dos mundos possíveis. Até vir um golpista encher o saco.
Wittgenstein (do Tractatus): se os limites da linguagem são os limites do mundo, golpistas possuem apenas um “mundinho”. Ele estava pensando em uma determinada filósofa brasileira que não o leu. Mas parece que Wittgenstein simplificou a proposição 7 para “em boca fechada não entra mosca”.
Nietzsche: Deus está morto. Um golpista matou e tomou conta.
Camus: é preciso imaginar Sísifo feliz — melhor carregar uma pedra nas costas do que aguentar o golpismo barato de terrae brasilis!
Beauvoir: um golpista não nasce golpista; torna-se, após uma overdose de mensagens com notícias falsas no WhatsApp.
Marx: golpistas são o lúmpem.
Dworkin: a raposa sabe muitas coisas, o ouriço sabe uma grande coisa, mas o golpista não sabe nenhuma coisa.
E há uma frase famosa atribuída a Martin Luther King: não me preocupa o barulho feito pelos golpistas; o que me inquieta é o silêncio dos não-golpistas. Opa, essa é no fígado, hein?
Este é, pois, o meu tributo ao anti-golpismo. Afinal, como dizia o Barão do Itararé:
“diga-me se andas com um golpista e verei se posso sair contigo.”