Pesquisa detecta que “expressiva maioria” dos bolsonaristas arrependidos querem a volta de Lula

“Eu acho que a gente só dá valor àquilo que a gente perde. Acredito que Bolsonaro foi eleito justamente pelo discurso dele de mudança. Eu obviamente votaria no Lula”. 

O comentário, de um “bolsonarista arrependido” de 25 anos, classe média, residente na cidade de São Paulo, consta no relatório de uma pesquisa qualitativa sobre o eleitor bolsonarista, realizada entre os dias 14 e 29 de maio de 2021. Os autores do estudo são o IREE, hoje também conhecido pela empresa de cursos Kope, e o Lemep (Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública), este último vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

A pesquisa entrevistou 24 grupos, cada um com 8 participantes, nas seguintes capitais: São Paulo, Rio, Curitiba, Goiânia, Belém e Recife, sobre temas relacionados à cultura e ao voto bolsonarista. 

Todos os entrevistados votaram em Bolsonaro em 2018, mas vários hoje são “bolsonaristas arrependidos”. 

Parte desses arrependidos quer um nome de “terceira via”, porque também não gostam do PT.

Entretanto, ainda segundo a pesquisa, “uma expressiva maioria defende o voto convicto em Lula”, como é o caso do comentarista mencionado no início do post. 

João Feres, cientista político da UERJ e um dos principais coordenadores da pesquisa, disse ao Cafezinho que  o “lavajatismo, ou seja, a desvalorização da política e sua redução à questão da corrupção, foi a base do voto em Bolsonaro em 2018. Praticamente todos declaram ter votado nele por estarem fartos da política tradicional”.

Segundo Feres, “o movimento antipolítica e anti-PT foi tão forte que angariou votos até de progressistas mais desavisados”.

O relatório diz que “sobre o pleito de 2022, os arrependidos manifestam altíssima rejeição a Bolsonaro, expresso pelos sentimentos de traição e de decepção. Diversos entrevistados afirmam que se trata do `maior arrependimento da vida`.

Um dos pontos mais importantes do estudo trata do “insulamento moral dos evangélicos“, o grupo social que mais apoia Bolsonaro. Esse apoio entre os evangélicos, segundo a pesquisa, tem as seguintes causas: canais próprios de comunicação, universo social fechado, escolhas políticas centradas em valores morais, além da presença cristalizada de um conjunto de preconceitos contra a esquerda, baseados em fake news (o “ensino” de homossexualismo nas escolas, etc). 

Segundo o relatório, muitos bolsonaristas “usam explicitamente a identidade religiosa como argumento para justificar suas posições: como sou cristão, penso assim, ou ajo dessa maneira”.

A pesquisa mostra ainda que a Globo se tornou o meio de comunicação mais odiado pelos bolsonaristas evangélicos:

  • Os evangélicos denotam particular rejeição pela Rede Globo, tanto por acharem que ela persegue Bolsonaro quanto por ser muito permissiva em relação às questões de gênero e orientação sexual. 
  • Em intensidade similar à rejeição pela Globo temos a preferência pela Rede Record e muitas vezes pelo SBT. 
  • Praticamente todos os jovens não veem TV. E muita gente que trabalha e volta tarde para casa também relata não assistir à TV.
  • Entre os que veem TV, é comum a manifestação de repúdio e desconfiança em relação à Rede Globo, particularmente entre os apoiadores renitentes.
  • A Globo é descrita por alguns como petista – somente uma pessoa arrependida declarou que a Globo perseguia também o PT e Lula, e agora se voltou contra Bolsonaro.
  • Os renitentes [ou seja, que continuam apoiando Bolsonaro] que consomem notícias na TV tendem a optar pela Rede Record e, em segundo lugar, pelo SBT. A CNN foi muito mais citada que a GloboNews como fonte de informação consultada.

Covid

A pesquisa detectou o imenso estrago provocado pelo presidente Bolsonaro e seus apoiadores na luta contra notícias falsas relativas a Covid-19. Muitos bolsonaristas afirmam que há provas de que “Cloroquina e a Invermectina curam o vírus, que as vacinas não são eficazes, e que o vírus é uma estratégia da China para dominar o mundo e ganhar muito dinheiro”.

Demonização da esquerda

Essa parte da pesquisa mostra que o prestígio de Bolsonaro e a rejeição à esquerda foi construído sobre uma montanha de fake news. Trechos do relatório:

  •  O bolsonarismo constrói vários inimigos, mas nenhum mais forte do que o PT, partido que para os adeptos de Bolsonaro sintetiza tudo que há de errado com o Brasil, da decadência moral à corrupção política.
  • Praticamente todos os respondentes declaram terem votado em Bolsonaro em 2018 com o fito de tirarem o PT do poder. E a razão para tal quase sempre é a corrupção
  • Mas o discurso de demonização da esquerda é bem mais forte entre os apoiadores renitentes, se comparados aos arrependidos. Dizem ser ela a favor de bandidos, a favor dos gays (degenerados), os mais corruptos entre os corruptos, etc.
  • Praticamente todos os renitentes acreditam que se ensina homossexualismo nas escolas e que esse é um projeto da esquerda.
  • Lula é a personalização do PT e da esquerda nesse discurso.

Lula

A pesquisa, por fim, conclui que o “arrependimento do voto em Bolsonaro em 2018 não redunda em apoio imediato ao PT, mas muitos consideram seriamente a possibilidade de votar em Lula se ele for candidato em 2022 e outros declaram abertamente entusiasmo pela perspectiva de volta do líder petista”.

Trechos:

  • A proporção de participantes, arrependidos ou não, que alguma vez votaram em Lula ou no PT é muito grande. Somente conservadores muito aguerridos, uma minoria, declaram nunca terem votado na esquerda.
  • Entre os arrependidos a adesão a Lula e ao PT é forte, muitas vezes expressa como um “retorno”.
  • Uma participante arrependida do Recife, ao ouvir outro participante declarar que votaria novamente no PT, emenda: “eu com toda certeza [votaria]. Eu também achei que [em 2018] não tinha opção. Agora eu voto lindamente, feliz com a camisa vermelha do PT e fazendo Lula livre”.

Para baixar o relatório, clique aqui.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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