“O jogo está sendo jogado e a partida ainda não acabou como quer fazer crer a ampla divulgação dada pela mídia”, explica assessor jurídico da FUP
[Por Federação Única dos Petroleiros| Foto: André Motta de Souza/Agência Petrobras]
Os trabalhadores do Sistema Petrobrás foram surpreendidos nesta quarta-feira, 28/07, com a notícia amplamente repercutida pela mídia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria anulado a decisão de 2018 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que deu ganho de causa aos sindicatos nas ações referentes ao complemento da Remuneração Mínima de Nível e Regime (RMNR), pleiteado há mais de dez anos pela categoria. O que de fato aconteceu é que o ministro do STF, Alexandre de Moraes, em meio ao recesso judiciário, proferiu uma sentença individual (monocrática) e repleta de contradições, cujo objetivo é atender unicamente aos interesses da gestão da Petrobrás.
A assessoria jurídica da FUP explica que essa não é uma decisão definitiva, pois foi feita em caráter monocrático e que cabe ao colegiado do Tribunal se manifestar sobre recurso que será interposto pelos sindicatos. “Desde antes do julgamento do caso no TST, a Petrobrás vem alimentando a mídia e os juízes com informações acerca da “repercussão econômica” das ações, cujos dados já foram inúmeras vezes contestados pelos sindicatos, em especial a partir do recorte realizado pelo próprio TST ao limitar a exclusão quanto aos adicionais constitucionais e legais”, explica o advogado José Eymard Loguercio, que representa os petroleiros.
Entenda o que está em disputa
Em julgamento realizado em 21 de junho de 2018, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho pacificou o entendimento da Justiça do Trabalho nas instâncias inferiores, onde os sindicatos tiveram ganho de causa nas ações em que acusavam a Petrobras por violar adicionais de origem legal e Constitucional, através da RMNR. Criada pela empresa em 2007, a Remuneração Mínima de Nível e Regime gerou uma série de distorções salariais para os trabalhadores de áreas industriais, expostos a ambientes nocivos à saúde. A decisão do TST pacificou o entendimento de que adicionais legais, como os de Periculosidade, Noturno, Confinamento, entre outros, não podem ser comprimidos na remuneração mínima (RMNR) que havia sido criada pela Petrobras.
No entanto, no dia 27 de julho de 2018, um mês após o julgamento no TST, o ministro do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, atendeu recurso da Petrobrás e suspendeu a decisão, em uma ação monocrática, também durante o recesso judiciário.
Três anos depois, o ministro Alexandre de Moraes, age da mesma forma. O advogado José Eymard ressalta que o “jogo ainda está sendo jogado” e que os próximos passos serão definidos semana que vem, com a publicação oficial do acórdão e a interposição de agravos pelos recorridos. “Com a interposição dos recursos, o próprio Ministro poderá reconsiderar e encaminhar ao plenário para exame de repercussão geral pelo órgão que tem competência para fazê-lo e, se mantida a repercussão geral, encaminhar o julgamento de mérito com todas as garantias de contraditório que o caso exige”, afirma.
“A partida ainda não acabou, como quer fazer crer a ampla divulgação dada pela mídia”
Por José Eymard Loguercio, do LBS Advogados, que representa a FUP e seus sindicatos no processo da RMNR que está em julgamento no STF
Os trabalhadores petroleiros se depararam com notícias na mídia sobre a decisão do Ministro do STF, Alexandre de Moraes no caso RMNR (RE-1251927). A decisão é monocrática (individual) e será objeto de recurso. Caberá ao colegiado do Tribunal, como coube ao colegiado no TST, definir se há ou não repercussão geral e, se houver, examinar o mérito.
Ocorre que muitas dúvidas surgiram. Inclusive se o Ministro poderia julgar, monocraticamente, um caso que ele próprio reputa de “grande repercussão”.
O Acórdão, datado de 28 de Julho de 2021, tornado público, mas ainda não oficialmente publicado (tendo em vista a suspensão dos prazos processuais durante o recesso), foi largamente difundido pela imprensa.
A divulgação e o tom em que ela se dá não surpreende! Desde antes do julgamento do caso, ainda no TST, a Petrobrás vem alimentando a mídia e os Juízes com informações acerca da “repercussão econômica” das ações, cujos dados já foram inúmeras vezes contestados pelos sindicatos, em especial a partir do recorte realizado pelo próprio TST ao limitar a exclusão quanto aos adicionais constitucionais e legais.
A decisão percorre caminhos recheados de contradição. Tecnicamente falando, o Supremo Tribunal Federal somente pode examinar recursos extraordinários quando reconhecida previamente (em colegiado) a Repercussão Geral do tema pelo Tribunal. Ocorre que, sobre a questão jurídica da RMNR, o Tribunal já havia fixado tese de não repercussão geral no conhecido Tema 795. Portanto, em havendo exame negativo de repercussão geral, não haveria possibilidade de exame de mérito.
O Ministro Alexandre de Moraes, no entanto, para não aplicar o Tema 795 do Supremo, argumenta que, naquele caso, “examinou-se a alegada incorreção no pagamento do “COMPLEMENTO DA RMNR” com base unicamente na interpretação da legislação ordinária e, principalmente, das Cláusulas pertinentes do Acordo Coletivo. Naquela ocasião, as instâncias de origem deliberaram sobre a fórmula de cálculo da referida parcela por meio da interpretação das próprias regras do ajuste.” (pág. 37 do voto)
A partir daí e para encontrar uma diferença, algo que distinguisse do Tema 795, faz uma afirmação fática que não condiz com o que a maioria dos Ministros do Tribunal Superior do Trabalho fixou na decisão. O TST reconheceu que havia disputa de interpretação do texto da norma coletiva e que essa disputa somente tomou corpo quando a empresa passou a calcular efetivamente a parcela.
Essa questão girou em torno da expressão “sem prejuízo de eventuais outras parcelas pagas, podendo resultar em valor superior a RMNR” (parágrafo 3º. Cláusula 35) combinada com o sentido dado no parágrafo 1º da mesma cláusula: “visando o aperfeiçoamento da isonomia prevista na Constituição Federal”.
Portanto, o que o TST fez foi interpretar e estabelecer o sentido da expressão para concluir que a preservação da isonomia comportava necessariamente a exclusão dos adicionais constitucionais e legais.
Mas o verdadeiro fundamento do voto vem explicitamente logo em seguida, quando afirma: “Em segundo lugar – e aqui reside a distinção mais importante -, nestes últimos cinco anos desde o Tema 795, a controvérsia ganhou enorme relevância econômica e social.” (pág. 38 do voto). A relevância econômica é, de fato, um dos fundamentos para reconhecimento de repercussão geral, desde que “ultrapassem os interesses subjetivos das partes” (RISTF, art. 322).
A partir daí utiliza informações parciais e unilaterais da empresa e, não sem uma certa surpresa (!), explicita que “A grande repercussão social e econômica, igualmente, foi ressaltada pela mídia”, “presumindo”, por essas razões, “patente a repercussão geral” (pág. 45 do voto). Essa questão será melhor detalhada nos recursos, com toda a certeza.
Sem ainda entrar em detalhes jurídicos, surge uma segunda contradição. Se a repercussão econômica e social era inexistente por ocasião do Tema 795, para confrontá-la e alterar a sua conclusão, não bastaria o voto monocrático. Teria que submeter tal exame ao colegiado.
De outro lado, quando examina o mérito, ao invocar os precedentes, também o faz de modo questionável. O TST não tratou do binômio validade/invalidade da norma coletiva. A norma é válida e eficaz. Portanto, ela não seria anulável. O que o TST fez foi interpretar a norma diante de uma disputa interpretativa surgida quando de sua aplicação.
Em resumo, o voto monocrático não encerra a questão. O jogo ainda está sendo jogado e a partida ainda não acabou como quer fazer crer a ampla divulgação dada pela mídia. A FUP e os sindicatos vêm atuando fortemente com a interposição de todos os recursos e assim continuarão fazendo.
Os próximos passos serão definidos na próxima semana, com a publicação oficial do acórdão e a interposição de agravos pelos recorridos. Com a interposição dos recursos, o próprio Ministro poderá reconsiderar e encaminhar ao plenário para exame de repercussão geral pelo órgão que tem competência para fazê-lo e, se mantida a repercussão geral, encaminhar o julgamento de mérito com todas as garantias de contraditório que o caso exige.
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