A pesquisa do Atlas Político divulgada hoje (íntegra aqui) mostra o fortalecimento da candidatura de Lula (PT), a estabilidade de Bolsonaro e a estagnação dos outros candidatos.
No cenário extenso, com todos os candidatos, Lula passou de 33 para 39 pontos de maio a julho, e apresenta viés de crescimento acelerado (iremos discorrer mais sobre Lula mais adiante).
Bolsonaro, por sua vez, oscilou um ponto para baixo, e vem se mantendo estável desde janeiro, com 34 a 37 pontos.
Ciro Gomes (PDT) ainda mantém o terceiro lugar, com viés de baixa ao longo dos últimos meses, e já aparece, num dos cenários reduzidos, em empate técnico com Eduardo Leite (PSDB).
Abaixo, gráficos selecionados, seguido de alguns breves comentários. A análise segue ao final do post.
No Datafolha, Lula tem 46%. Aqui tem 39,1%.
Na série temporal, nota-se quatro tendências:
1) Ascensão acelerada de Lula. O petista ganhou 17 pontos desde janeiro. Lula começa a disparar em março, quando seus processos judiciais e condenações são inteiramente anulados, primeiro pelo ministro Edson Fachin (8 de março), e, em seguida, por todo o plenário do STF (15 de abril). Com essas decisões, Lula recuperou seus direitos políticos e voltou ao jogo com muito dinamismo.
2) Estabilidade de Bolsonaro. Apesar da rejeição ao presidente estar crescendo, ele mantém um eleitorado cativo em torno de 35%. De janeiro a julho, Bolsonaro não perdeu eleitores.
3) Estagnação, com viés de baixa, de Ciro. O ex-ministro foi o principal prejudicado pela recuperação dos direitos políticos de Lula, e também foi vítima de seus próprios erros e de seu partido. Falaremos desses erros na seção final do post.
4) Tímido fortalecimento de Dória e Eduardo Leite. Ambos os candidatos do PSDB melhoraram sua perfomance. Seus votos somados no cenário extenso os colocam à frente do Ciro. Nos cenários reduzidos, aparecem individualmente em empate técnico com Ciro. Nas tabelas estratificadas, que vamos comentar mais abaixo, “lideram” a terceira via em alguns extratos e regiões.
Os dados estratificados do cenário B (com Eduardo Leite) mostram que o governador tem boa performance na região Sul: onde tem 14 pontos, contra 8 de Ciro. Bolsonaro tem 34% no Sul, Lula 36%.
No Norte, porém, Leite tem apenas 1 ponto, contra 13 de Ciro. Bolsonaro tem 45% no Norte, contra 37% de Lula.
No Nordeste, Leite tem apenas 2 pontos, contra 5 de Ciro, 26 de Bolsonaro e 61 de Lula.
No Sudeste, Leite tem 4 pontos, contra 6 de Ciro. Mandetta também pontua 6 na região. Mandetta e Leite, portanto, somam 12 pontos, o dobro de Ciro. Bolsonaro tem 42% no Sudeste, contra 33% de Lula.
Vamos aos outros gráficos.
Os cenários de segundo turno confirmam o que outras pesquisas tem apontado: Bolsonaro perde de quase todo mundo.
Ele perde de Lula por 11 pontos (49% X 38%); de Ciro por 5 pontos (43% X 38%); de Haddad por 3,5 pontos (42% X 38%); de Dória por 2,5 pontos (41% X 38%). E apenas ganha de Eduardo Leite, provavelmente porque o governador ainda é pouco conhecido.
Num eventual segundo turno entre Lula e Ciro, o petista vence com 16 pontos de vantagem (37% X 21%), mas o número de indecisos e nulos neste cenário é tão grande (42%) que fica uma dúvida no ar.
Continuemos.
A imagem de Bolsonaro tem se deteriorado, mas o que impressiona mesmo é que ainda há 37% de entrevistados que tem uma impressão positiva do presidente.
Lula ainda tem uma rejeição relativamente alta (é bem menor que a de Bolsonaro), mas a linha positiva vem crescendo de maneira firme. Após chegar a um mínimo de 28% de positivo em maio de 2020, hoje já tem 43%.
A imagem de Ciro Gomes apresentou melhora nos últimos meses. A linha negativa caiu 7 pontos, de 57 para 50, e a positiva subiu 8 pontos, passando de 24 para 32. Já é uma imagem bem melhor, por exemplo, do que a de Sergio Moro, que hoje tem 28% de positivo e 55% de negativo.
A avaliação do governo Bolsonaro se deteriorou muito nos últimos meses. As notas ruim e péssimo subiram 6 pontos, e chegaram a 59%, o recorde negativo de sua administração. A aprovação (notas ótimo e bom), por sua vez, caíram 5 pontos, e estão em 26%. Mas a aprovação do governo já esteve pior: em março/abril de 2020, chegou a 21%.
Entre famílias com renda mensal até 2 mil reais, 69% desaprovam o governo, percentual que se repete, ironicamente, entre as famílias mais ricas, com renda mensal acima de 10 mil. Em ambas as categorias, apenas 28 ou 29% aprovam o governo.
Nos setores intermediários, a aprovação do governo sobe para 42% a 43%; mesmo aí, porém, a rejeição, 56%, é bem maior que a aprovação.
Entre os eleitores com ensino superior, o governo é desaprovado por 64%, percentual parecido aos 64% de rejeição entre eleitores que tem apenas o ensino fundamental.
Os eleitores gays ou LGBT rejeitam, em sua quase totalidade (94%), o governo Bolsonaro.
69% dos católicos rejeitam o governo. Entre os evangélicos, porém, o governo mantém uma aprovação positiva de 52%, contra 45% de rejeição.
Todos (99%) os eleitores de Haddad no segundo turno de 2018 rejeitam o governo Bolsonaro, ao passo que, entre eleitores de Bolsonaro, o governo tem aprovação de 70%, contra 26% de desaprovação. A lei da inércia, ou primeira Lei de Newton, parece também valer para a política. É difícil fazer as pessoas se convencerem de que votaram errado.
Conclusão & análise
A expectativa de que o bolsonarismo entrasse em colapso não vem se materializando. Um dos dados mais impressionantes da pesquisa Atlas é a estratificação do apoio ao governo conforme o voto no segundo turno de 2018. Bolsonaro mantém 70% de apoio de seus próprios eleitores. Sua estratégia é se comunicar unicamente com quem votou nele.
No entanto, ele perdeu praticamente todos os outros votos. Entre eleitores de Haddad, 99% não apoiam seu governo. Os eleitores que não votaram, ou que votaram nulo/branco, igualmente desaprovam o governo em sua quase totalidade (87% e 95%, respectivamente).
A polarização entre Lula e Bolsonaro se mantém duramente cristalizada, com ajuda do próprio presidente. Ele deixou isso claro em sua live de ontem, em que prometeu apresentar provas de fraude (e não o fez). A nova teoria de conspiração de Bolsonaro é que o TSE e o STF se mancomunaram para dar liberdade a Lula, restituir-lhe os direitos políticos, e, em seguida, fraudar as eleições presidenciais de 2022 para dar a vitória ao petista.
Bolsonaro está apostando pesado nisso, e com a rede que ele possui, é provável que convença um bocado de gente. Esse é o tumulto que ele pretende criar para 2022, e por isso insiste tanto no “voto impresso”. A estratégia é relativamente simples. Ele quer deslegitimar o sistema eleitoral e, com isso, criar um ambiente favorável para contestar a derrota. Como fez Trump nos Estados Unidos. Caso o voto impresso fosse aprovado, por sua vez, Bolsonaro teria o campo de atuação dobrado, porque poderia contestar tanto o voto eletrônico como a recontagem dos votos impressos. Igualmente como fez Trump. Ele denunciaria fraude em ambos. E o processo de demora da recontagem lhe daria tempo para promover tumultos e sedições.
Essa narrativa conspiratória traz para o debate político um fator emocional que ajuda a manter a polarização. O eleitor que rejeita Bolsonaro, mesmo que crítico aos governos petistas, se sente inclinado a votar em Lula como forma de colocar um ponto final, já no primeiro turno, à tentativa do presidente de tumultuar as eleições. O voto em Lula acaba se transformando também num voto de protesto contra os delírios de Bolsonaro.
A terceira via, por sua vez, está mais desorientada do que nunca. O nome principal desse campo, Ciro Gomes, viu sua militância se exaurir nas redes sociais numa luta vazia em torno do “voto impresso”. O PDT defendeu o voto impresso com argumentos inacreditavelmente retrógrados, prejudicando a imagem de Ciro, muito forte em 2018, de que ele representaria um projeto moderno.
Os ataques exagerados a Lula também constituíram um erro, pois Ciro não percebeu que as decisões do STF que anularam os processos do petista criaram uma onda de anistia moral e política aos erros do ex-presidente e de seu partido, e não apenas junto à esquerda.
Outro erro de Ciro foi a expulsão da deputada Tábata Amaral, ainda mais da maneira traumática como se deu. O PDT não entendeu que havia um grande e promissor espaço vazio na política nacional, o do liberalismo progressista (liberalismo de esquerda), campo onde a Tábata é uma das maiores estrelas. O partido não precisa se tornar “liberal progressista”, mas poderia incorporar esse campo. Isso pavimentaria o caminho para Ciro fazer as parcerias necessárias com os partidos de centro e centro-direita que poderiam proporcionar enormes recursos políticos para sua candidatura. Para um partido que abriga uma quantidade expressiva de quadros extremamente reacionários, o liberalismo progressista de Tábata seria um contraponto saudável. Ao atacar e expulsar Tábata, o PDT perdeu a aura de legenda de “centro” ou de “esquerda moderada e moderna” que parecia ser a sua principal estratégia a partir de 2019. Após aquele movimento, Ciro perdeu o apoio dos liberais progressistas, que provavelmente agora devem migrar para uma terceira via de centro-direita, ou para Lula.
A pesquisa Atlas mostra que o eleitorado de Ciro permanece extremamente concentrado entre famílias com renda mensal superior a 10 mil. Na tabela estratificada do cenário B, Ciro tem 16% entre famílias com renda acima de 10 mil, e apenas 5% entre aquelas com renda inferior a 2 mil.
Esse eleitorado de classe média alta tem mais visibilidade em algumas redes sociais, mas não dá volume nas pesquisas.
Lula, todavia, mesmo nesse eleitorado mais rico, com renda mensal acima de 10 mil, tem 26%; Bolsonaro lidera nesse extrato, com 32%.
Entre famílias com renda até 2 mil, Lula tem 52%, contra 31% de Bolsonaro.
Houve um momento, breve, após a restituição dos direitos políticos de Lula, em que as forças da terceira via iniciaram articulações que poderiam unificá-las ao redor de uma candidatura. Ciro era um nome cogitado, até por aparecer, até então, relativamente isolado em terceiro lugar. Os nomes da terceira via assinaram uma carta coletiva em defesa da democracia. Houve uma live com a participação de Mandetta, Ciro e Kalil. Enfim, apareceram sinais de que havia disposição dos nomes da terceira via de se unirem com vistas ao “bem maior”.
Mas esse movimento se desmanchou, por várias razões. Primeiro, Lula iniciou articulações agressivas – e bem sucedidas – para se aproximar de seus velhos amigos de centro. Em seguida, o PSB recebeu dois grandes quadros políticos, Dino e Freixo, num movimento coordenado com Lula, para trazer o partido para órbita de sua candidatura. Isso imediatamente isolou o PDT na esquerda, repetindo o que aconteceu em 2018, tornando-o menos competitivo e, portanto, com menos poder gravitacional para atrair o centro.
Por fim, restou claro às forças de centro-direita que Ciro Gomes tem um projeto desenvolvimentista que, em alguns aspectos, parece estar à esquerda do PT, e, portanto, haveria resistências políticas intransponíveis para uma associação com ele. Como diria um famoso gaúcho, ideias não são metais que fundem.
Hoje está claro que os partidos de centro e centro-direita irão se organizar em torno de uma ou mais candidaturas próprias. Pode haver uma fragmentação, com PSDB, PSD, PSL e DEM lançando seus candidatos, até mesmo para testarem suas forças. A necessidade de se fazer bancada federal, cujo tamanho determina o volume dos fundos partidários, estimula esse movimento.
A polarização parece consolidada. Há espaço de crescimento, porém, para dois campos que reúnam em torno de si o voto útil daqueles que não querem Lula ou Bolsonaro. Ciro ocupa um desses campos, mas ele apresenta imensa dificuldade para avançar além da esquerda. E a esquerda está meio que “tomada” por Lula.
Não seria surpresa, portanto, se Ciro fosse ultrapassado por uma candidatura liberal, como a de Eduardo Leite, que reunisse inicialmente os votos classe média alta das capitais, e, em seguida, conquistasse os eleitores da região Sul e do estado de São Paulo.
A lógica eleitoral sugere que uma candidatura de centro-direita, com perfil liberal, teria mais chances (ainda que remota) de atrair o eleitorado conservador, e tirar Bolsonaro no segundo turno.
Mas a política raramente segue a lógica. E tudo vai depender, naturalmente, da resiliência de Bolsonaro.