Na contramão do resto do país, o agronegócio vive um novo boom

Um estudo divulgado há pouco pelo IPEA nos ajuda a entender o peso do agronegócio na economia brasileira, no passado recente, hoje e no futuro.

Nenhum projeto de desenvolvimento poderá prosperar se não possuir uma compreensão profunda sobre a força econômica – e, portanto, também política – dos produtores rurais.

A hegemonia de ideias liberais e conservadoras no Brasil se explica, em boa parte, pelo peso do agronegócio na economia. Questionar essa hegemonia é bem mais difícil no Brasil do que, por exemplo, nos Estados Unidos, onde os setores de tecnologia – politicamente muito mais avançados – tem bem mais preponderância do que as atividades agrícolas e mineirais.

Ironicamente, todavia, o agronegócio brasileiro é mais dependente do Estado do que qualquer outro, pois precisa de financiamento a juros baixos para renovar anualmente o cultivo, adquirir novos maquinários e comprar insumos.

Essa dependência, ao invés de se converter numa relação de respeito da iniciativa privada com o Estado, degenerou num patrimonialismo rasteiro e egoísta. Para os produtores rurais, o Estado lhes pertence como por uma lei natural. Eles podem usufruir de financiamentos de longo prazo, a juros baixos, que somam centenas de bilhões de reais todos os anos. Mas só eles. Oferecer condições similares a qualquer outro setor seria violar o dogma sagrado do liberalismo tupiniquim.

Além disso, o grande agronegócio, baseando em propriedades com enorme extensão de terra, especializou-se em exportação. Dependem pouco do mercado doméstico. Isso acabou por gerar uma cultura isolacionista. O desemprego nas cidades pode ser recorde. A fome pode grassar no país. Não importa, pois nas fazendas, protegidas por milícias armadas, nunca entrou tanto dinheiro.

Neste exato momento, o agronegócio vive um novo boom. As exportações cresceram dramaticamente em quantidade e valor, e os preços continuam subindo. As perspectivas para os próximos meses continuam boas, porque os estoques mundiais permanecem em declínio.

A recuperação nos preços das principais commodities exportadas pelo agronegócio brasileiro teve início já no segundo semestre de 2020.

Entretanto, como a maioria dos contratos são fechados antecipadamente, só agora os produtores e exportadores estão se beneficiando deste aumento.

As cotações da carne bovina estão alcançando recordes históricos. Para a soja, houve um pico anterior, em janeiro de 2013, mas a recuperação dos últimos meses também é impressionante.

Interessante notar que o período de 2014 a 2016 experimentou uma tendência constante  de declínio dos preços de quase todas as commodities. O petróleo e o minério de ferro também registraram forte queda de preço nesse intervalo, com seus preços caindo a mínima história em 2016.

Essa fragilidade econômica ajudou a alimentar a crise política no Brasil, a qual foi agravada pelas turbulências causadas pela Lava Jato, que desestabilizou as grandes empresas de construção civil, a Petrobras, o governo federal e vários governos estaduais.

Para mais informações, leia o estudo do IPEA, cujo texto, tabelas e gráficos seguem abaixo.

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No Ipea

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Exportações do agronegócio cresceram 20,9% no primeiro semestre de 2021

Estoques mundiais de soja e milho seguem em baixa

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou, nesta sexta-feira (23), um estudo sobre o comércio exterior do agronegócio brasileiro, além do balanço de oferta e demanda mundial dos principais produtos. De acordo com o Grupo de Conjuntura do Ipea, a balança comercial dos produtos do setor fechou o mês de junho de 2021 com saldo positivo de US$ 10,8 bilhões. No acumulado do ano, até junho, o agronegócio exportou US$ 61,5 bilhões, ultrapassando o volume comercializado no mesmo período do ano passado – US$ 50,9 bilhões, o que corresponde a um crescimento de 20,9%.

“Os exportadores brasileiros começaram a sentir, em junho, a recuperação parcial dos preços médios das exportações da maior parte dos produtos do agronegócio, com destaque para a carne bovina, a soja e o milho”, avaliou Ana Cecília Kreter, pesquisadora associada do Ipea e uma das autoras do estudo. No entanto, o preço médio recebido em junho das commodities analisadas ainda se encontra abaixo das máximas históricas, registradas no início da década passada.

Os preços médios de quase todas as commodities agrícolas sofreram queda nos dois últimos anos. Entretanto, houve forte recuperação nos preços no mercado internacional, a partir do segundo semestre de 2020. No entanto, esta recuperação não tinha sido percebida pelos exportadores brasileiros. A partir do segundo trimestre deste ano, as remunerações em dólar das exportações brasileiras começaram a refletir parte da escalada desta alta dos preços, culminando, em junho, com máximas recentes na maioria dos principais produtos exportados.

O aumento da demanda mundial da soja e do milho vem contribuindo para o crescimento da produção a cada safra, principalmente no Brasil. O que se observa, no entanto, é que os estoques de soja e milho estão cada vez mais baixos. “E boa parte desses estoques se encontra em território chinês”, declara Ana Kreter. Apesar disso, dos dois grãos analisados, a soja é o único na China que os estoques e a produção não atendem à demanda doméstica, o que sinaliza uma boa perspectiva para o produtor rural brasileiro que começa a planejar a safra 2021/2022. O crescimento de vendas das carnes (bovina, suína e de frango), que avançou 25,3% em valor e 17,3% na quantidade no primeiro semestre de 2021 frente a 2020, foi impulsionado pela carne suína. O Brasil vem exportando cada vez mais essa proteína desde 2018, em decorrência da Peste Suína Africana (PSA), que afetou a competitividade em produtores concorrentes.

A soja segue com destaque como o principal produto de exportação brasileira. Só no primeiro semestre de 2021, houve alta de 25,3% no valor, apesar da queda de 2,2% em quantidade. No país, apesar do plantio tardio decorrente do atraso na janela climática ideal, a maior parte da safra já foi colhida. Mesmo assim, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) indicam para a possibilidade de um novo recorde de produção nacional na safra 2020/2021 – crescimento de 9,65% e 8,9%, respectivamente – que deverá manter o Brasil como maior produtor e exportador mundial de soja. Brasil, Estados Unidos e Argentina representam, juntos, 90,5% das exportações mundiais do grão.

O milho também vem sofrendo com a queda nos estoques. A quebra de safra no Brasil já começa a se refletir na balança comercial: o país registrou, em junho, queda de 70,8% na quantidade exportada na comparação com junho de 2020. No acumulado do ano, houve crescimento no valor (30,9%) e na quantidade (12,6%). Tanto a Conab quando o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) preveem queda das exportações para a safra 2020/2021 – 15,5% e 6,3%, respectivamente. Problemas climáticos causaram a quebra na safra tanto no Brasil como na Argentina (os principais exportadores do grão), mas isso não deve comprometer a oferta mundial.

Apesar do agronegócio ser um setor tradicionalmente exportador, as importações avançaram 20,2% no primeiro semestre de 2021, passando de US$ 6,2 bilhões para US$ 7,5 bilhões. O principal produto importado pelo Brasil foi o trigo, com avanço de 16% no valor, mas queda de 5,1% na quantidade. Na sequência estão os peixes, produtos hortícolas, papel e óleos de dendê ou palma. Juntos, os cinco principais itens são responsáveis por 50% das importações brasileiras no primeiro semestre de 2021.

A China segue como o principal destino das exportações do agronegócio brasileiro, com 39% das exportações em valor, seguida pela União Europeia (14,5%) e Estados Unidos (6,4%), no primeiro semestre deste ano. Juntos, representam quase 60% do total exportado pelo Brasil. Na comparação com o mesmo período de 2020, a China aumentou as importações em 20,1%, assim como a União Europeia (16,5%) e os Estados Unidos (30,2%).

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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