Por Gilberto Maringoni
O Granma, porta-voz oficial do Partido Comunista de Cuba, mencionou agitações em oito cidades e a revista britânica The Economist fala em “mais de 50”. A dissonância mostra a guerra de informações que envolve as manifestações de protesto ocorridas no domingo, 11 de julho.
Foram as maiores contra o regime desde 1994, auge do chamado “período especial”, sucessão de crises acontecidas logo após o fim da União Soviética. Os protestos contra a escassez de produtos nos mercados, precariedade no atendimento à pandemia e recorrentes cortes de energia misturaram-se às palavras de ordem “Abaixo a ditadura”, “Liberdade” e ao hip-hop “Pátria y vida”, em oposição ao slogan revolucionário “Pátria o muerte”. As demandas espalharam-se pelo Facebook, Twitter e redes de WhatsApp.
À diferença de outros países, não se viu tropa de choque nas ruas, com blindados, bombas de gás lacrimogêneo ou balas de borracha. Mas em Havana houve enfrentamentos com a polícia, quando cerca de 50 manifestantes decidiram invadir a sede do Instituto Cubano de Rádio e Televisão.
Na quarta-feira, 14, o colunista Javier Corrales, do New York Times saudou a jornada com o título “O dia em que os cubanos perderam o medo”. Num linguajar típico da Guerra Fria, Corrales, filho de cubanos exilados, denunciou a “repressão comunista” e “uma combinação de forças de segurança de modelo soviético, comitês de vigilantes de bairro e bandidos patrocinados pelo governo, disfarçados de civis”. O certo é que as manifestações baixaram de tom no início da semana.
Apesar da dificuldade em se calcular o número de ativistas nas ruas, a luz amarela acendeu para o governo. O presidente da República e primeiro-secretário do PC, Miguel Díaz-Canel, se deslocou ainda no início da tarde do domingo para o epicentro das mobilizações, a cidade de San Antonio de los Baños, a 35 quilômetros de Havana.
Nas ruas, tentou dialogar com a população. Em declarações à TV cubana, logo depois, reconheceu parte das demandas populares, conclamou “os comunistas” a defenderem o país, ao mesmo tempo em que levantou a suspeita de interferências de Washington nos protestos.
“O bloqueio económico, comercial e financeiro de mais de seis décadas foi endurecido de forma cruel, com o propósito de sufocar nossa economia”, afirmou. De acordo com o Granma, nos últimos dois anos, Cuba teria sofrido perdas de US$ 5 bilhões, o que corresponde a 5% de seu Produto Interno Bruto.
Ao longo de seus quatro anos de mandato, Donald Trump acrescentou 242 novas medidas restritivas à Ilha, quase uma por semana, além de cancelar todos os acordos firmados entre Washington e Havana, durante a gestão Obama.
Entre as novas medidas estão multas a empresas estadunidenses, canadenses, francesas, britânicas e belgas, como a General Electric, os bancos Societé Generale, JP Morgan e a companhias seguradoras, hoteleiras, de aviação, de navegação e locadoras de veículos que mantinham algum tipo de negócio em Cuba.
As restrições envolvem também o impedimento de 34 navios venezuelanos e seis panamenhos de transportar petróleo a Havana, a inclusão do país – sem provas – em um relatório oficial sobre tráfico de pessoas, proibição da reexportação para Cuba de artigos estrangeiros que contenham mais de 10% de componentes norte-americanos, além de pressões junto à Confederação Caribenha de Beisebol Profissional (CBPC), visando impedir a participação do país no Campeonato Caribenho.
O cerco econômico-financeiro-comercial chega ao ponto de restringir a importação de seringas e insumos para aplicação das vacinas Abdala e Soberana, desenvolvidas pelo internamente para o combate à pandemia. De acordo com o site Our world in data, apenas 17% da população de 11,3 milhões havia recebido duas doses dos imunizantes, na última semana.
O bloqueio é a principal das três crises simultâneas enfrentadas pelos cubanos, que resultaram na queda de 8,2% do PIB, em 2020, após uma década com indicadores médios ao redor de 1%, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal).
Ao embargo se soma a pandemia que devastou a indústria do turismo, a principal fonte de ingresso de moeda forte no país. Em 2019, o setor chegou a responder por cerca de 10% do PIB e a gerar quase 500 mil empregos.
A tentativa de reativá-lo, apenas com distanciamento social resultou em novo surto no início de 2021. O controle do vírus, mantido por quase um ano, se perdeu e o sistema de saúde pública – um dos orgulhos nacionais – opera no limite de sua capacidade, apesar da construção de hospitais de campanha.
A terceira turbulência é a queda no fornecimento do petróleo da Venezuela, motivada pelo sucateamento de sua estatal, a PDVSA, e pelo bloqueio da navegação, por pressão dos EUA. Um acordo firmado entre Hugo Chávez e Fidel Castro, em outubro de 2000, garantia o fornecimento do óleo em condições especiais.
A compensação seria feita através do fornecimento de serviços médicos, educacionais e esportivos, além de remédios, vacinas, açúcar e do envio de médicos cubanos. Em 2017, eram entregues em média 105 mil barris diários. Agora atravessam o mar do Caribe apenas 56 mil. Com a geração baseada em termelétricas, movidas a diesel, os apagões são inevitáveis.
Cuba buscou, nos últimos anos, realizar diversas mudanças em sua estrutura econômica, destinadas a facilitar e atrair investimentos. As alterações começaram com a nova Constituição, sancionada em abril de 2019, após debates abertos à sociedade e um referendo que contou com a participação de 85% do eleitorado, segundo o governo.
A maior novidade em relação à Carta de 1976 é a flexibilização da propriedade pública, em favor de investimentos privados, em especial na área do turismo, e na ampliação de estabelecimentos fabris e comerciais, sem abrir mão do caráter socialista da economia.
A segunda grande mudança foi a reforma cambial de dezembro de 2020, que unificou o padrão vigente desde 1994. Duas moedas circulavam pela Ilha, o peso conversível (CUC), atrelado ao dólar, e o peso cubano (CUP), utilizado em todas as demais transações internas, inclusive o pagamento de salários. Importante para a expansão do turismo, o sistema acentuou a busca por dólares por parte da população, gerando disparidades sérias.
A reforma, batizada de Tarea ordenamento, elimina o CUC, unifica as taxas de câmbio, desvaloriza a moeda nacional e resulta em aumentos de preços internos e na eliminação de vários subsídios. Diante de um aumento da taxa de inflação, houve aumentos salariais de até 500%. No entanto, as distorções se acentuaram diante da escassez de produtos.
Cuba poderia tentar uma via chinesa para o socialismo, com a adoção da concepção “um país, dois sistemas”, formulada por Deng Xiaoping, em 1978, e que abriu caminho para um surpreendente desenvolvimento econômico?
Difícil. O país não comporta uma economia de escala, o que dificulta a implantação de uma base industrial diversificada. Em qualquer situação – seja na época em que existia o chamado campo socialista, ou na integração à divisão internacional do trabalho como ela é – o país tem grandes chances de se firmar como uma economia subsidiária, ou complementar às maiores. Dificilmente terá um mercado interno suficiente para bancar uma industrialização de ponta, a não ser como plataforma de exportação.
Tal condição poderia criar novo problema, colocando o país permanentemente sujeito à demanda externa. A antiga dependência da URSS até hoje não foi resolvida. O petróleo venezuelano representou uma saída eficiente enquanto durou, combinada com a alta do turismo.
Não se pode minimizar a agressão imperial e o bloqueio econômico. Sem ambos, Cuba superaria inúmeros problemas e teria um desenvolvimento menos oscilante. Mas é preciso atentar também para a existência de insuficiências estruturais internas.
EdsonLuiz.
19/07/2021 - 23h02
A quem interessar, saiba que aqui escreve um humanista extremamente cioso dos fatos para formar juízos. Ser humanista exige extrema responsabilidade.
Sou desde sempre, desde minha formação de esquerda, desde a minha fase política infantil (todos temos uma fase política infantil, alguns para sempre), atento à realidade factual para que meu espírito de corpo, e principalmente eventuais convêniências minhas não contaminem meu juizo. Eu não tenho direito, acho que ninguém tem, de achar que o mundo existe para ser meu fetiche e, por capricho ideológico, violentar a dignidade e a existência das pessoas com as minhas crenças.
A necessidade de pertencimento a um grupo, que nós humanos temos, nos exige entortar a realidade, mesmo quando a conhecemos, fazendo a nossa percepção da realidade coincidir com a de nosso grupo para angariarmos a aceitação deste, que sempre nos exige cumplicidade e adesão tácita, quando a coesão do grupo é fundamentada em ideologismo.
Esse também é um comportamento político. É um comportamento que nos faz hipócritas, mas política é sempre em grupo, e para ser feita incorpora um tanto de hipocrisia mesmo.
Eu concordo muito com a máxima de Aristóteles de que o homem é um animal político, mas quando sucumbimos à hipocrisia da política a ponto de nos contaminarmos por ideologismos para conservarmos algum sentido de pertencimento a uma causa idealizada, nos afastamos tanto dos fatos, nos afastamos tanto da realidade, que não só nossa interferência política perde sentido real como passamos a ser um estorvo à vida política e à sociedade. Mas, desconectados da realidade e no entanto sob o abrigo e acolhimento do grupo, ao qual hipotecamos nossa identidade, transformando uma questão existencial em um modo de existir, desse nosso grupo passamos a ser dependentes emocionalmente e muitas vezes materialmente, e o grupo, por sua vez, também fica dependente de nós, de nossa adesão.
E assim, passamos a existir e justificar nossa existência sempre alinhada e em função do grupo, dos seus interesses e da visão de mundo particular do grupo, de seu ideologismo. Com isso, não é a razão que nos orienta, é nossa necessidade subjetiva e dependência emocional e, não poucas vezes, dependência material.
Ideologismo é coisa de não intelectual por excelência, mas é incrível como os que gostam e precisam de ideologismo também gostam de ser tidos por intelectuais. Os subalternos ideológicos do grupo também, só que, não conseguindo ser vistos como intelectuais, assumem o papel de seus seguidistas. Uns e outros, líderes e liderados, em grupos de alienação, existem desse jeito.
A dominação do líder sobre o grupo lhes dá sentido para o que querem…e poder, que o liderado aceita por alienação de sua identidade ao grupo e por transferência de seus desejos à figura do líder. Disso costuma nascer os Mitos e seus seguidores. Mitos de diversas dimensões e representatividades políticas, sempre alienantes, e sempre em ambiente fanatizado.
Algumas vezes, o domínio dos líderes lhes dá outras coisas também, favores de diversas naturezas e alguns outros recursos.
Mas eu, euzinho, prefiro não me alienar. Eu prefiro existir.
O custo humano da submissão a ideologismos atinge o alienado e atinge o mundo onde ele interfere, nunca tem conexão com a realidade e violenta todos os submetidos, inclusive a maioria não aderente vulnerabilizada, submetida à força bruta, que para conseguir recuperar sua sanidade, liberdade e autonomia e dignidade precisa arranjar coragem para enfrentar as estruturas de repressão dos Mitos ditadores.
Tony
18/07/2021 - 17h56
Mais um blá blá bla inútil…a solução dos problemas de Cuba é a democracia, o resto são sempre as mesmas cretinices há 60 anos nas quais poucos desadatados ainda acreditam.
EdsonLuiz.
18/07/2021 - 16h43
Podemos contar a história e fazer as análises que quisermos. Os fatos, as consequências dos fatos, esses quem sabe são aqueles que sofrem suas contradições. O Cubano, mesmo sob a botina pesado do regime, está dizendo. Respeite o povo!
Na economia, delírios alternativos foram abandonados por todos os países, mesmo pelas autocracias, que, mantidos os delírios alternativos na economia, já não mais existiriam.
As economias da China e do Vietnan, hoje, estão plenamente integradas à economia mundial. E isso foi bom! Na China, em 40 anos de implantação do capitalismo, mais de 850.000.000 de pessoas saíram da miséria em que viviam quando estavam sob a economia de ” caráter socialista”.
Sobram os estados aterradores Coreia do Norte e Cuba.
Vejam os que leem torto quando querem : eu falei ” estados aterradores “, não falei ” estados terroristas “. Terrorista valeria para a Correia do Norte, mas não vale para
Cuba. Ao menos não vale para a Cuba de hoje. O terror que Cuba faz é com os seus próprios nacionais, não permitindo sequer que se desloquem de Havana para Los Banos sem que sejam autorizados.
O ‘império’ nega seringas a Cuba?
MENTIRA! Nenhum medicamento ou insumo é negado. Há um documento específico do Congresso dos Estados Unidos sobre comércio de medicamentos com Cuba, e diz que NÃO HÁ BLOQUEIO DE REMEDIO E ALIMENTO.
Agora, caras pálidas, isso eu e você podemos saber : o que o Granma escreve, o que um blogue bolsonarista escreve ou o que o dois’quatro’setismo escreve, não se lê ou lê-se com muito cuidado.
Em Cuba não existe imprensa livre!
Se você tentar exercer liberdade de imprensa em Cuba você vai ser imprensado. E vai doer! Muito!
E cuidado com quem defende regimes duros, sejam ditos de esquerda ou de direita. Eles vão tentar impor um regime duro contra você também.
Viva a democracia!
Quem defende a perfeita implementação do capitalismo e da democracia possível, pode ganhar de presente a Dinamarka, a Suécia, a Suissa, Nova Zelândia, Noruega, Holanda, … e ainda avançar mais rápido para aquilo que um modo de produção faz dele mesmo pela ação do homem.
Quem defende países ” com caráter socialista ” pode ganhar a Coreia do Norte, Cuba, Venezuela, … e avançar mais rápido para sofrer abusos de ditadores e saber o peso das botinas de seus soldados.
Abaixo todas as ditaduras!
Alexandre Neres
19/07/2021 - 01h09
Meu caro EdsonLuiz,
Por coincidência, estava lendo esses dias Discurso sobre o Colonialismo, do Aimé Césaire, escrito em meados do século passado, cujo trecho a seguir vem a calhar: “Indo além, não faço segredo de que, para mim, a barbárie da Europa Ocidental é hoje incrivelmente grande, só superada, e muito, apenas por uma: a norte-americana.
E não estou falando de Hitler, do carcereiro ou do aventureiro, mas do ‘homem de bem’, do vizinho; nem da SS, nem do gângster, mas do honesto burguês…”
Li vários intelectuais, partidos, jornalistas e artistas renomados como Chomsky, Maringoni, Pomar, Fiori, Breno Altman, Roger Waters, Padura, PSOL, PT, todos de certa forma se posicionando em determinado sentido, falando a mesma língua, das dificuldades impostas pelo bloqueio econômico, de prejuízos da ordem de US$5 bi, da dificuldade em conseguir respiradores, de que devido à importância do turismo tiveram que reabrir a ilha e o contágio aumentou, que Cuba está desenvolvendo vacinas e vacinando com vacinas próprias etc. Por outro lado, li EdsonLuiz falando que tudo isso é balela. Deve ser. Boto fé.
Só peço que você não coloque no mesmo barco Pablo Milanés e Roberto Carlos. O rei apoiou a ditadura de 1964, até hoje tem programa na Rede Globo por causa dessas ligações, embora em 2013 a Rede Globo fez seu mea culpa por ter apoiado (e erguido seu império durante) a Gloriosa, afora o fato de apoiar Bolsonaro até hoje. Tudo bem, sei que sua ligação é afetiva, afinal de contas, como Míriam Leitão, ele também é capixaba. Agora exaltar aquele jovem musculoso ligado a Miami, o do Patria Y Vida, é um pouco demais, não? Tu acha que ele desempenha um papel equivalente ao de Chico Buarque em relação às ditaduras brasileira e portuguesa? Enfim, de um lado estão os nomes que citei, do outro estão este famoso quem, EdsonLuiz (sedizente progressista), Kassab e a turba da GloboNews.
O movimento Black Lives Matter também se manifestou a respeito: “O Black Lives Matter condena o tratamento desumano dado aos cubanos pelo governo federal dos Estados Unidos e insta-o a suspender imediatamente o embargo económico. Esta política cruel e desumana, ditada com a intenção de desestabilizar o país e minar o direito dos cubanos de escolher seu próprio governo, é a principal razão da actual crise”… “O povo cubano está a ser punido pelo governo dos Estados Unidos porque manteve o seu compromisso com a soberania e a autodeterminação”.
Como vaticinou a filósofa Angela Davis, “numa sociedade racista, não basta não ser racista, É necessário ser antirracista”. Parafraseando-a, venho te conclamar no sentido de que não basta não ser Bolsonaro, tem que ser antibolsonaro. A disputa que se avizinha em 2022 é entre civilização e barbárie. FHC e Rodrigo Maia já se aperceberam disso.
Por fim, mas não menos importante, gostaria que você se posicionasse sobre os Estados Unidos da América. Os EUA deram suporte a inúmeras ditaduras latino-americanas, fabricaram inúmeros golpes, inclusive no Brasil, consoante farta documentação. Os EUA são aliados da Arábia Saudita, uma ditadura feroz e assassina, que inclusive matou há pouco tempo um jornalista norte-americano e ficou por isso mesmo. Enfim, os EUA são para você um exemplo de democracia? Já ouviu falar sobre a Doutrina Monroe, sobre o Grande Porrete de Teddy Roosevelt que distribuiu pancada na América Latina a torto e a direito e seu querido Sergio Morto o adora? Quanto a esse rapazola do Patria Y Vida, incensado em matérias da GloboNews, isso te faz lembrar as primaveras coloridas ocorridas neste século em diversos países, inclusive na América Latina e Brasil, as quais constituem as assim chamadas guerras híbridas? O que te parece?
Um abraço
PS https://www.brasildefato.com.br/2021/07/17/roger-waters-fala-sobre-cuba-e-defende-fim-do-embargo-economico-a-ilha