Com privatizações e cortes de investimentos da Petrobrás, atuação de multinacionais no setor de óleo e gás aumentou em quase 30%; especialistas alertam para riscos em relação à garantia de empregos
[Do blog Petróleo dos Brasileiros]
Em meio a menor participação da Petrobras no setor estratégico de petróleo e gás, com privatizações e vendas de ativos, gigantes multinacionais encontraram a oportunidade ideal para adentrar o terceiro maior segmento responsável por atividades econômicas no Brasil.
Aumentando exponencialmente seus desinvestimentos desde 2014, a petrolífera brasileira tem desfeito de suas participações em campos terrestres, focando em atividades no polígono do pré-sal, na região Sudeste – o que ocasionou uma ociosidade e queda de cerca de 27% da participação da empresa no setor brasileiro de petróleo e gás.
Não por acaso, de acordo com a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP), a iniciativa privada, somada às maiores petrolíferas estrangeiras que atuam no Brasil, como a Shell, Sinopec, Total e Petrogal, já respondem por 27% de toda produção nacional do setor petrolífero.
Para suprir a lacuna deixada pela Petrobrás, a maior atuação de multinacionais é até vista como uma solução positiva da perspectiva de alguns pesquisadores. Entretanto, o avanço do processo privatista da estatal já provocou o desligamento de mais de 37 mil trabalhadores próprios por meio de programas de demissão voluntária.
Menor quadro efetivo de trabalhadores
De acordo com o balanço anual da Petrobras, divulgado no fim do último ano, desde 2014 a empresa sofreu uma redução de 43% de seu quadro efetivo de funcionários, passando de 86.108 para 49.050 trabalhadores.
Economista e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho (Cesit), na Unicamp, Marilane Teixeira explica que, ao desligar parte dos trabalhadores, a estatal rompe com uma mão de obra qualificada e com habilidades altas devido às necessidades da companhia.
A empresa se desfaz de um capital humano acumulado durante anos não só em termos de experiência, mas também de potencial, e que as novas empresas que passam a atuar nesse segmento não necessariamente os incorporarão novamente.MARILANE TEIXEIRA, ECONOMISTA DO CESIT/UNICAMP
Na visão da pesquisadora, as empresas multinacionais, além de não terem obrigatoriedade em recolocar os brasileiros no mercado de trabalho, podem priorizar os maiores cargos a um quadro efetivo vindo de fora e ofertar à população nacional vagas com menos benefícios. “Essas empresas não terão problema em contratar trabalhadores com salários mais baixos, com menos direitos e reduzir o nível de qualificação, se comparado ao que os petroleiros da Petrobras adquiriram nos últimos anos”, afirma.
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Responsável pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) no Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e também economista, Cloviomar Cararine corrobora com Marilane sobre a menor qualidade das vagas ofertadas aos brasileiros por multinacionais. “Quando acompanhamos os acordos coletivos dessas empresas do setor privado, os benefícios são piorados se comparados à Petrobras, como menores salários e maiores exposições à risco”.
Para ele, também não existe uma garantia de que as grandes petrolíferas estão comprometidas com a geração de emprego no Brasil e a maneira como essas companhias agregarão mão de obra brasileira dependerá da estratégia adotada por cada empresa.
A geração de empregos vai depender muito dos investimentos e estratégias que as empresas multinacionais adotarão, porque elas não necessariamente estão investindo aqui.CLOVIOMAR CARARINE, ECONOMISTA DA FUP NO DIEESE
Na Petrobras, os trabalhadores terceirizados também foram afetados com os desinvestimentos. A diminuição do quadro de funcionários prestadores de serviços é de quase 75% em sete anos. Eram contabilizados cerca de 360 mil em 2014 e, agora, são pouco mais de 92 mil funcionários.
Piores condições de trabalho
Seguindo um modelo competitivo e instável, Teixeira afirma que a individualização dos trabalhos, imposta por parte das multinacionais, favorece a implementação da Reforma Trabalhista – aprovada em 2019 e que reduz a qualidade e direitos da classe trabalhadora.
“Esses trabalhadores entram a partir das perspectivas dessas empresas, que costumam seguir um modelo competitivo e individualista para implementar as medidas adotadas com a reforma trabalhista, criando insegurança para o trabalhador, que atuará de forma menos coletiva e mais individual para garantir seu emprego”, informa a economista.
Assim, ao se retirar do setor estratégico de petróleo e gás, a Petrobras provoca um maior impacto na quantidade de desempregados do que na recolocação de trabalhadores no mercado de trabalho, com a atuação mais potente de multinacionais no mesmo segmento e, de acordo com Cararine, com a reforma trabalhista, até a estabilidade dos trabalhadores públicos é posta em xeque.
Privatização não é sinônimo de eficiência
A estabilidade de funcionários públicos concursados, como é o caso da categoria petroleira, sempre gerou debate em relação à produtividade e eficiência desses trabalhadores, dando a entender que, em multinacionais, os resultados seriam superiores.
Marilane explica que esse modo de pensar é uma contradição, porque a privatização de empresas estatais sonda o brasil desde os anos 90 e mesmo assim ainda batemos recordes de desemprego.
“Essa filosofia de maior produtividade em multinacionais não se aplica somente à Petrobrás, mas para todas as empresas privatizadas desde os anos 90, e é uma falácia, porque, se a privatização fosse tão eficiente, não teríamos 14 milhões de brasileiros desempregados, 50 milhões na informalidade e a concentração de renda não seria cada vez mais desigual. Essa perspectiva é individualista e não vê o bem estar da sociedade como parte do processo”, contesta a pesquisadora.
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Colaborando para este cenário de desemprego crescente, desde 2015, segundo análise de Panoramas das Estatais, do Ministério da Economia, as cinco maiores companhias públicas brasileiras abriram mão de mais de 111 mil postos de trabalho.
“Quando essas empresas atuam na lógica da rentabilidade e lucratividade, poupam forças de trabalho, então não existe nenhum dado que indique que uma maior atuação das multinacionais gerará mais empregos, pelo contrário, o que se vê é uma transferência de trabalhos qualificados para atuações inseguras e com menos direitos”, conclui Marilane.