Por Pedro Josephi
Nesta data, em 2004, aos 82 anos nos deixou Leonel de Moura Brizola. Uma das lideranças produzidas e formadas pela política brasileira mais conectadas com as entranhas do seu povo. Foi o único a ser eleito governador em dois estados brasileiros, do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro, além de ter sido prefeito de Porto Alegre, e parlamentar.
Sob os ideais trabalhistas, no Rio Grande, enquanto governador, promoveu a reforma agrária, sob a égide de uma firme organização política e social dos agricultores a quem eram distribuídas as terras.
Desapropriou latifúndios improdutivos e aqueceu a economia do estado por meio da agriculta familiar. Tinha um entendimento de induzir o desenvolvimento por meio da indústria, tendo implantado a de Aços Finos Piratini, a de Açúcar Gaúcho e outras de trigo.
Entendendo o Estado como coordenador estratégico desse desenvolvimento, nacionalizou, de forma célere, a Companhia Elétrica para que não faltasse energia para as indústrias, após a recusa dos americanos em fazer as concessões. Triplicou, assim, a produção elétrica.
Por outro lado, Brizola garantiu o acesso à educação em todas as partes do Estado, multiplicou o número de escolas, criando uma rede pública de ensino primário e médio, além de formar e contratar dezenas de professores para o antigo “colegial”. Para financiar toda a política social do seu governo, criou de forma pioneira a Caixa Econômica Estadual com linhas de crédito popular e acessível aos parques industriais.
Um visionário em defesa do Brasil e da democracia de tal forma que foi o principal líder, mentor e organizador da Campanha da Legalidade, uma mobilização da sociedade civil e dos segmentos militares para defesa da posse do presidente eleito, João Goulart, que sucederia à Jânio Quadros que renunciara.
Brizola mobilizou a população, a Brigada Militar do Rio Grande do Sul e as emissoras de rádio, constituindo a “Cadeia da Legalidade” para dominar a opinião pública nacional. Greves, manifestações e ações em defesa da democracia foram vistas em todo país, tendo no Sul a peculiaridade de Brizola ter armado os civis.
A confiança e a sintonia era tão grande com o povo que após a garantia da posse de João Goulart, que estava em viagem para a China, a população espontaneamente devolveu as armas cedidas pelo estado à época.
Com a ditadura militar, mais a frente, foi obrigado a partir para o exílio. No seu retorno, mesmo tendo perdido a sigla tradicional trabalhista no Brasil, reorganizou as lideranças e fundou o PDT. Foi eleito governador do Rio de Janeiro com Darcy Ribeiro de vice.
Juntos, implementaram os CIEPS (Centros Integrados de Educação Pública), cujo projeto arquitetônico era de Oscar Niemeyer, no qual, os alunos ficavam em horário integral e tenham acesso à alimentação supervisionada por nutricionistas, cuidados odontológicos, prática de esportes, leitura e de incentivo à cultura.
Valorizando o samba como expressão popular e nacional, construiu o Sambódromo da Marquês de Sapucaí, projeto de Niemeyer, para o desfile das Escolas de Samba do Rio. A estrutura fora do carnaval era utilizada como salas de aula. Uma simbiose entre a revolução educacional e cultural.
Como no Sul, emitiu títulos de posse para as comunidades do Rio, fez regularização fundiária, juntamente com o então secretário de Habitação, Carlos Alberto Oliveira, Caó, e alterou a condução da segurança pública, afirmando ser a necessidade daqueles locais a presença e os serviços do Estado e não da polícia militar.
“No meu governo, polícia não sobe o morro”, dizia. Não era um chamado à impunidade, mas a ciência de que o povo precisava emergencialmente de educação, emprego e renda, e não de repressão.
Brizola era um líder popular, nacionalista e também preocupado com os povos indígenas, com o movimento negro e com a luta das mulheres. Abrigou no PDT nomes como Mário Juruna, primeiro indígena deputado federal; Carlos Alberto Oliveira, Caó, deputado constituinte responsável pela inclusão na Constituição do crime de racismo como inafiançável e imprescritível, militante negro, também deu nome a lei 7.716/89, que regulamentou a previsão constitucional; Abdias do Nascimento, Lélia Gonzáles, dirigentes do Movimento Negro Unificado, entre outras figuras, como a sambista Beth Carvalho. Difícil era não ter em Brizola uma referência social.
Alçado pela popularidade, tentou ser presidente em algumas oportunidades, sem sucesso eleitoral, mas foi fundamental para formação do Estado Brasileiro e da consciência nacional-trabalhista.
Neste momento de grave crise, sentida pelos mais pobres e indefesos; neste momento de fragilidade das instituições e das forças políticas; neste momento de instabilidade social, a coragem, a bravura e a capacidade de articular saídas para o povo brasileiro que Brizola tinha nos faz muita falta.
Brizola segue vivo na mente e nos corações do povo brasileiro como o melhor presidente que este país não teve.
Por Pedro César Josephi é advogado, professor de Direito e presidente da Fundação Leonel Brizola – Alberto Pasqualini em Pernambuco