Em sua coluna de hoje no Valor, a jornalista Maria Cristina Fernandes, o texto mais elegante do Brasil, traz vários alertas sobre os perigos do “voto impresso”.
Intitulado Escada para o golpismo, o artigo diz que “a velha desconfiança da urna eletrônica alia-se à fábrica de tramoias do bolsonarismo que, no limite, levará à falência de uma verdadeira campeã nacional, a apuração confiável dos votos.”
Ela oferece também algumas informações que eu ainda não tinha visto em outros lugares.
Por exemplo, a emenda do voto impresso que foi aprovada por quase todos os partidos, em 2015, era do então deputado Jair Bolsonaro.
No site da Câmara dos Deputados, encontramos facilmente seu discurso de 28 de abril de 2015, onde ele defende a emenda de sua autoria:
Assim sendo, eu acredito, Sr. Presidente, nobres pares, que a aprovação da Emenda n° 10 a essa PEC, por coincidência emenda de minha autoria, possa resgatar o que há de mais importante numa eleição democrática, que é a sua confiabilidade. A emenda permite o voto impresso ao lado da urna eletrônica, ou seja, o eleitor digita o voto para Presidente até Deputado Estadual, por exemplo, aparece na tela o nome do candidato, ele aperta um botão e assim imprime em um pedaço de papel aquela relação. Então, o eleitor, para confirmar a escolha, aperta um botão e aquele voto impresso cai em uma urna de lona, uma urna como aquela do passado. Ao término das votações, às 17 horas, os votos são apurados eletronicamente e aquela urna de lona vai para o respectivo Tribunal Regional Eleitoral. Em havendo suspeição, qualquer Presidente de partido poderá pedir a recontagem, parcial ou total, dos votos. Pronto!
Fernandes é crítica da iniciativa, por entender que ela serve aos interesses do bolsonarismo em alimentar desconfianças contra a urna eletrônica. E critica os setores da oposição que vem se deixando arrastar para essa armadilha:
(…) Muitos parlamentares continuam presos às suas convicções sem se importar com quem se aliaram. Têm à disposição um sistema que funciona sem nenhuma prova de violação ao longo de um quarto de século. Preferem tentar o que uns veem, candidamente, como aprimoramento, outros, como vacina contra a propaganda bolsonarista de fraude e uns tantos, ainda, como chance de conquistar o eleitor do presidente, numa espécie de bolsonarismo sem Bolsonaro.
Os presidentes do PSD e do PSDB, segundo Fernandes, já declararam oposição ao voto impresso, mas não há garantia de que controlarão o voto de seus parlamentares. Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, fez um discurso favorável ao projeto – o que gerou uma reprimenda pública do partido em redes sociais.
Sobre o PDT de Ciro Gomes, Maria Fernandes observa que a antiga crítica de Leonel Brizola estaria desatualizada, pois teria sido feita “antes da fiscalização ampliada do processo e da biometria do voto”, além de outras inovações que também ajudam a reduzir os riscos de fraude.
O Cafezinho apurou que o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, se engajou pessoalmente, dentro das reuniões do partido, para bloquear qualquer oposição ao voto impresso, alegando que é uma bandeira histórica de Brizola. Alguns dos militantes trabalhistas mais próximos a Ciro tem publicado artigos dizendo que o sistema eleitoral brasileiro “é o pior do mundo”.
Carlos Siqueira, presidente do PSB, mantém uma posição hostil à urna eletrônica, sob o argumento de que a “última grande democracia a usá-la, a Alemanha, cedeu a impressão”. Argumento este que tem sido rebatido por Barroso como síndrome do complexo de vira-lata. O Brasil tem outras singularidades, e, de vez em quando, pode acontecer de estarmos à frente de outros países.
De qualquer forma, o PSB acaba de receber entre seus quadros o deputado Marcelo Freixo, que já declarou expressamente sua forte oposição ao voto impresso, qualificado por ele de a “cloroquina de 2022”.
Outra informação interessante de Maria Fernandes é que havia, dentro do PT, algumas “poucas vozes que se levantaram a favor do voto impresso”, por medo de que Lula ficaria “vulnerável aos ataques bolsonaristas”. Mas elas foram enquadradas pelo ex-presidente Lula, e chamadas de covardes, numa reunião fechada do partido.
Na audiência da comissão que discutiu o voto impresso, a presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, fez um dos discursos mais assertivos e duros contra o projeto.
A informação é importante porque o PT tem 53 deputados. Juntamente com o PSL, é a maior bancada da Câmara.
Por se tratar de uma emenda constitucional, o projeto precisa reunir 308 votos, uma tarefa bastante desafiadora para uma matéria que gera tanta polêmica. Nesse sentido, os votos do PDT e PSB, que somam juntos 55 parlamentares, podem ser decisivos.
No PCdoB, a opinião também deve pender contra o voto impresso, a julgar pela entrevista recente de Manuela D`Ávila, dirigente nacional e um dos principais quadros do partido, a jornalista Miriam Leitão.
No campo progressista (especialmente no PDT), os defensores do projeto não gostam do termo “voto impresso”. Preferem “voto auditável”, mas essa é uma batalha que eles já perderam, sobretudo porque o projeto em curso na Câmara traz esse nome de maneira muito explícita: voto impresso. A crítica de Manuela D’Ávila, de que o voto impresso favoreceria o voto de cabresto, é rechaçada pelos defensores do projeto, porque o comprovante impresso emitido pela urna ficaria dentro de uma urna lacrada. Mas o presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, tem lembrado que, na recontagem, esse voto será manuseado. O sigilo poderá ser quebrado, e o eleitor poderá ser identificado, caso haja alguma combinação prévia entre o “comprador” do voto e o eleitor. O eleitor pode combinar, por exemplo, em votar num candidato exótico para uma das vagas para o legislativo.
Fernandes lembra ainda que dois partidos dos extremos ideológicos, Novo e PSOL, fazem oposição ferrenha ao voto impresso.
A opinião do Novo sobre o tema já foi expressa por um de seus principais quadros, João Amoedo.
O presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, por sua vez, enviou ao Cafezinho, a nosso pedido, a seguinte mensagem:
“Considero esse debate inoportuno nesse momento. Estamos há pouco mais de um ano da eleição, a prioridade deveria ser discutir as medidas para garantir emprego, vacina, para enfrentar a profunda crise que vivemos. Quem quer fazer do voto impresso o centro do debate, quer fugir dos problemas fundamentais para o futuro do Brasil”.