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Defender voto impresso ajuda Bolsonaro

Por Miguel do Rosário em Carta Capital e O Cafezinho Uma das tecnologias menos explicadas das séries Star Trek é o teletransporte, no qual as pessoas se posicionam sobre um pequeno pedestal circular, onde são desmaterializadas. Aparentemente os átomos que compõe seus corpos são convertidos em energia e rematerializados em outro lugar. Há um episódio […]

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Por Miguel do Rosário em Carta Capital e O Cafezinho

Uma das tecnologias menos explicadas das séries Star Trek é o teletransporte, no qual as pessoas se posicionam sobre um pequeno pedestal circular, onde são desmaterializadas. Aparentemente os átomos que compõe seus corpos são convertidos em energia e rematerializados em outro lugar.

Há um episódio que mostra o momento em que os personagens precisam usar o sistema pela primeira vez, numa situação de urgência, e acompanhamos a angústia diante de uma tecnologia nova. E se alguma coisa der errado? Pra onde eu vou?

Essa ansiedade dos personagens é muito comum em todos nós. Quando entramos num avião, temos um certo trabalho em sossegar as partes do nosso cérebro que se recusam em acreditar que seja possível que um troço daquele tamanho possa sair do chão, voar, e não se espatifar no chão.

O processo de fazer com que as pessoas confiem na tecnologia sempre foi um dos grandes desafios da humanidade, sobretudo porque, com muita frequência, ele se choca de frente com a nossa estrutura psíquica.

Existem seitas religiosas que não confiam na medicina moderna, e se recusam a autorizar que seus membros passem por processos cirúrgicos que poderiam lhes salvar a vida.

Hoje, com a pandemia, vimos pessoas ligadas à cúpula do governo, incluindo o presidente da república, difundirem informações falsas sobre remédios, vacina, máscaras e distanciamento social.

Como o próprio Bolsonaro já percebeu, e tenta explorar ao máximo, às vezes é mais popular estar ao lado do que é mais atrasado. O atrasado frequentemente se choca menos com a nossa intuição. As pessoas não vêem o vírus. Não conseguem sequer imaginá-lo, tão pequeno que é, saindo da boca de outra pessoa, flutuando no ar, e chegando até nossas vias respiratórias. Quando Bolsonaro não usa máscara, ele aposta nessa ignorância natural, primitiva, de todos nós. Não podemos enxergar o vírus, então ele não existe!

O voto eletrônico é um outro bom exemplo.

O presidente Bolsonaro, através de sua parlamentar mais fiel e mais próxima, Bia Kicis (PSL-PR), está tentando emplacar um projeto de lei que institui o voto impresso.

O nome irrita alguns de seus defensores, que preferem a expressão “voto auditável”. Mas é assim que o projeto vem sendo chamado pela própria Câmara dos Deputados e pela imprensa. A comissão parlamentar criada para discutir o projeto é chamada de Comissão do voto impresso.

A ideia conta com apoio de alguns setores progressistas, como o PDT e parte do PSB.

O PT e o PSOL vem se posicionando contra o projeto.

O projeto poderia ser discutido tranquilamente pelos deputados, não fosse a campanha de verdadeiro terrorismo patrocinada pelo presidente Jair Bolsonaro e aliados, contra as urnas eletrônicas.

Em entrevista recente, a autora do projeto do voto impresso, Bia Kicis, deu entrevista à Folha em que deixa bem claro que o bolsonarismo prepara a narrativa de fraude, em caso de derrota.

“Eu, como autora da PEC, faço questão de 100% de impressoras nas urnas; repudio uma implementação gradual, que vai legitimar uma possível fraude”, diz Kicis.

A afirmação assustou muitos setores da opinião pública, porque é virtualmente impossível que essa substituição aconteça a tempo de a usarmos em 2022. As próximas eleições presidenciais muito provavelmente usarão o mesmo sistema que estamos usando há tempos, que é a urna eletrônica sem impressão do voto.

A ideia de uma outra urna, que imprima individualmente o voto, está ao lado da intuição. Você digita o voto na urna eletrônica, que irá imprimir um comprovante, e o eleitor poderá conferir se o seu voto foi computado corretamente. O comprovante, em seguida, será lançado numa urna lacrada, e será usada apenas para o caso de um pedido de auditoria, para o qual se apresente razões concretas.

A academia é simpática à ideia, é um processo pró-intuitivo, a maioria dos países o utiliza.

Na quinta-feira 10, a Folha publicou uma reportagem informando que apenas Brasil, Bangladesh e Butão, dentre os países que usam urnas eletrônicas, não imprimem um comprovante. É uma matéria muito boa, escrita pela jornalista Patrícia Campos Mello, mas o título tem um sabor vira-lata. E daí que o Brasil está sozinho nessa? Em outras áreas também somos conhecidos por nossa singularidade, como por exemplo, o nosso Sistema Único de Saúde, raro no mundo por sua extensão e universalidade. Nenhum outro país é igual ao Brasil. Somos únicos!

Então porque o TSE é tão radicalmente hostil? E se permitem acrescentar a opinião desse articulista, porque eu também considero uma péssima ideia?

Por que precisamos considerar as características brasileiras. O Brasil tem aproximadamente hoje 150 milhões de eleitores, e uma organização do processo eleitoral centralizada numa só instituição. Nos EUA e Índia, países que tem eleitorados maiores do que o Brasil, a contagem dos votos é descentralizada para as diferentes regiões. Nos EUA, não há justiça eleitoral.

A instalação de um novo sistema exigiria gastos da ordem de R$ 2 bilhões apenas para comprar as novas urnas, e mais alguns milhões para o processo de recontagem que fatalmente virá.

A nossa extensão territorial, somada às deficiências do nosso sistema de transporte, tornaria a operação logística para coletar as urnas contendo os papeis uma verdadeira operação de guerra. Não somos os EUA, que é o país mais desenvolvido do mundo. E não quero pensar como faz a Índia, pois considero um grande atraso um país com um eleitorado de quase 900 milhões tenha cedido ao obscurantismo analógico e apelado para a impressão do voto (mesmo que apenas para fins de recontagem).

Mais importante que tudo, porém, é que os brasileiros pensem no futuro de nossa democracia, que deve ser digital. Quando superarmos os problemas relativos à intimidação de eleitores, que não ocorrem nos EUA, por exemplo, pois os americanos votam por Correio, precisamos implementar sistemas de votação por celular, que permitam que as pessoas votem de casa, no trabalho, do exterior, de qualquer lugar.

Em alguns sentidos, o Brasil já é um modelo global de cultura digital. O Auxílio Emergencial que a oposição conseguiu obrigar o governo a pagar em 2020, por exemplo, usou um aplicativo que ajudou a reduzir as filas nas agências da Caixa. Mesmo assim, houve filas, porque ainda temos um longo caminho pela frente para instrumentalizar e ensinar os brasileiros para a cultura digital.

Temos que avançar para uma democracia mais digital e mais tecnológica, inclusive por questões orçamentárias e ambientais. O processo de interação entre governos e população precisa ser barato, simples, ágil, rápido, confiável.

É muito mais inteligente apostar no digital. No futuro próximo, as ansiedades e preconceitos analógicos irão desaparecer, e dificilmente algum país do mundo manterá sistemas eleitorais com impressão de voto.

Os recursos que se pretende gastar na substituição de nossas urnas por modelos que imprimam o voto deveriam ser gastos no desenvolvimento de urnas e softwares nacionais, abertos, fiscalizáveis e simples, com uso de tecnologia blockchain, que impede qualquer tipo de fraude.

Os problemas relativos à segurança da urna eletrônica devem ser resolvidos dentro da esfera eletrônica. Fazemos pagamentos e transferimos dinheiro eletronicamente, e os problemas de segurança são pontuais, rastreáveis e neutralizados de diversas maneiras.

O Brasil precisa discutir o aprofundamento de sua democracia, através da introdução de mecanismos mais frequentas de consulta à população.

Um governo popular e desenvolvimentista precisará enfrentar resistências sociais enormes às reformas necessárias, e o uso de instrumentos de consulta popular, previstos na Constituição, seriam muito bem vindos. Esses instrumentos precisam ser vulgarizados, normalizados, e para isso sua operacionalidade precisa ser ágil e simples.

Muito se fala que os dados serão o petróleo da nova era. Entretanto, o valor do dado reside justamente na possibilidade de manuseá-lo eletronicamente, cruzando-os e submetendo-os às tecnologias de inteligência artificial. Não devemos reduzir seu valor inventando um “backup” em papel que se seria considerado sempre, por grupos conspiracionistas, como a “prova” da invalidez do dado eletrônico. E quando, angustiados pelos ataques de má fé, pedíssemos para contar os votos em papel, bastaria incendiar o galpão e manter a lenda viva da fraude.

O futuro da humanidade passsa pelo aprofundamento da democracia. Precisamos construir um sistema político global, para discutir as grandes questões que desafiam a sobrevivência da nossa espécie, como as pandemias, o clima, o desemprego. É óbvio que esse passo, para ser dado, precisará se apoiar numa democracia inteiramente digitalizada, em que qualquer cidadão do mundo, de qualquer lugar, possa eleger seus representantes junto à comunidade internacional.

Como cidadãos engajados nesse processo de “politização” e “democratização” da humanidade, e como adeptos de um projeto nacional de desenvolvimento que seja focado, entre outras coisas, na tecnologia digital, acredito que devemos nos distanciar dessa energia conspiracionista que nasce de um preconceito analógico.

No caso do Brasil, temos um problema de ordem urgente. Bolsonaro quer desqualificar as urnas eletrônicas para dar algum tipo de golpe, nem que seja puramente midiático, em 2022. Discutir o voto em papel, nos termos e no momento que interessam a Bolsonaro, apenas servirá para ajudá-lo em seu plano.

Vamos derrotar Bolsonaro em 2022 usando as urnas eletrônicas sem impressão de voto, numa eleição monitorada pelo TSE. Por isso, precisamos valorizar a urna tal qual ela é, e prestigiar o TSE. São essas três instituições, a urna, o TSE, e a confiança popular no processo, que nos garantirão o esmagamento do bolsonarismo e de todas as suas facetas políticas.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Alexandre Neres

12/06/2021 - 19h22

Várias vezes eu entro nesse assunto em tom de deboche.

Mas hoje vou tentar falar sério.

Vejo algumas poucas vozes progressistas defendendo a posição de vocês e acho que a pauta em si é legítima. Se até a Nasa não é indevassável, quanto mais as urnas brasileiras. Acho que está sujeita de alguma forma a ser fraudada, conquanto não haja nada consistente nesse sentido, mas acho que contribui para a democracia se puder tornar mais transparente e auditável todo o processo. Para mim,o maior atestado de legitimidade das urnas foi a Dilma ter ganho do Aécio em 2014. Se houvesse um esquema forte de fraude, o Aécio teria levado.

Porém, ah porém…

Uma causa está imbricada as suas circunstâncias.

Jair Bolsonaro está tentando construir uma narrativa de urnas fraudadas na medida em que é cada vez mais concreta a possibilidade de levar uma tunda. Está indo além disso, articulando um golpe e está cada vez mais enredando as Forças Armadas.

Ou seja, ainda que cheios de boas intenções, vocês estão dando palco às maluquices do capitão. O pleito legítimo de vocês não poderia ser mais inoportuno. No fundo, vocês estão legitimando o discurso golpista do capitão cloroquina.

Depois das próximas eleições, quando tirarmos do Palácio o ser mais abjeto que já passou por ali, e olha que a concorrência é grande, creio que essa discussão pode prosperar e quiçá chegar a um bom termo para o bem da democracia.

Nesse momento, ao lado da Carla Zambelli, parece mais uma conversa do gabinete paralelo, repleta de negacionistas e terraplanistas, com suas teorias conspiratórias amalucadas.

Ugo

12/06/2021 - 16h42

Estão apostando tudo em alguém que hacqueie as urnas e transfira votos de um candidato para outro, por isso não querem que o voto seja auditavel pois sabem que irão perder…isso a gente entendeu muito bem

    marco

    13/06/2021 - 19h13

    Inacreditável !!!
    Continua essa conversinha de que a possibilidade de auditagem da urna eletrônica seja uma volta ao voto impresso.
    Vivi para ver a auto proclamada esquerda defender quer esse judiciário ,neoliberal até a medula e os generais do GSI sejam os reais garantidores do processo eleitoral.
    Só eles possuem as chaves do código fonte, o que na prática torna o Brasil semelhante ao Irã onde um conselho de notáveis estabelecem quem podem ser , lá os candidatos , aqui, os eleitos.

William

12/06/2021 - 16h32

Renunciar a própria opinião só porque é a mesma de uma ou outra pessoa é sinonimo de hipocrisia e idiotice astronômica.

Gilmar Tontolão

12/06/2021 - 16h21

Mais de uma hora de moto passando e a processão ainda não tinha acabado… só com fraude nas urnas a esquerda volta ao poder em 2022.

Bolsonaro sabe do que a esquerda são capazes (sentiu na pele literalmente) e que não há chances para a mesma em 2022…o que resta é mandar hackear as urnas por isso quer o voto auditavel.

Alias…quem marcou a presença do Adélio Bispo ná câmera o mesmo dia da facada….?

Será que fez tudo sozinho ou estava ao mesmo tempo em Brasiia e Juiz de Fora….?

Alexandre Neres

12/06/2021 - 12h56

Não tenho como não deixar de parabenizar o Miguel do Rosário por mais um artigo excelente!

O Miguel está na ponta dos cascos. Em ótima fase.

Em todo canto que olho, só dá Miguel. Seja na Carta Maior, no Brasil 247, na Forum, no DCM e agora na Carta Capital.

O Miguel tá bombando! Com artigos bem redigidos, lastreados em argumentos bem concatenados e mirando certeiro no alvo a ser atingido. Bingo!

Rony Lopes Lunguinho

12/06/2021 - 12h39

Entregar bandeiras para o bolsonarismo usar é uma burrice sem tamanho. Ela já tomou nossas cores e olha no que deu.

Ronei

12/06/2021 - 12h26

Votar na urna é a mesma coisa de fazer sexo virtual…colocar um X na cara do candidato nao tem preço !!

Ugo

12/06/2021 - 12h25

Nao tem nada de atrasado no voto em papel tanto que em paises bem mais pra frente que o Brasil vota-se no papel e ninguem reclama de nada.

Atrasado é nao ter esgotos nas casas e criar analfabetos em doses industrias mas votar em urnas eletronicas…isso sim é atraso.

Zulu

12/06/2021 - 12h22

“A nossa extensão territorial, somada às deficiências do nosso sistema de transporte, tornaria a operação logística para coletar as urnas contendo os papeis uma verdadeira operação de guerra”.

Que besteira é essa em 2021…?

Cada colegio faz a sua contagem das urnas onde ha uma comissao, envia o resultado para a prefeitura que soma tudo e envia ao Estado ou diretamente ao TSE.

Ou o voto é 100% digital ou é 100% no papel…caso contrario quem perder vai pedir a contagem dos comprovantes logo que o resultado é proclamado.

    Kleiton

    12/06/2021 - 23h04

    Não existe internet, tem que transportar as urnas onde ? É cada uma…

    Nós colégios eleitorais há um comissão que faz a contagem e envia tudo de forma eletrônica para quem tem que enviar.

    É assim que funciona onde se vota no papel, ninguém transporta as urnas em lugar nenhum, só dois que é feita a apuração as urnas são lacradas e armazenadas.

Querlon

12/06/2021 - 12h15

Na quinta-feira 10, a Folha publicou uma reportagem informando que apenas Brasil, Bangladesh e Butão….pois é, que privilegio !!

Willy

12/06/2021 - 12h13

Defender o voto impresso ou nao é ter um opiniao e ser coerente com a mesma ao invés de hipocrita. FIM


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