A pesquisa Poder 360 e o princípio da incerteza

Pesquisas eleitorais capturam a realidade de uma maneira que os físicos, há mais de cem anos, entenderam ser uma armadilha. 

Na teoria da incerteza de Heisenberg, pedra angular da física quântica, não é possível saber simultâneamente a localização da partícula e seu momentum (expressão que significa tanto a velocidade como a direção de seu movimento).

Quanto mais certeza temos sobre a posição da partícula, menos teremos sobre para onde ela está indo. 

Gosto de pensar que pesquisas eleitorais seguem a mesma regra.

Por isso mesmo, é preciso sempre olhar para o movimento, ou seja, para várias pesquisas e para momentos sucessivos de cada pesquisa. 

Feita essa “oração” à boa ciência, analisemos a pesquisa Poder 360, divulgada ontem à noite. 

Uma primeira observação é que ela é uma pesquisa que não é boa para ninguém, embora sempre possamos encontrar um ponto positivo para cada um.

Não é boa para Lula porque mostra ele caindo desde abril nas intenções de voto no primeiro turno, embora dentro da margem de erro. Hoje ele tem 31%. Ponto positivo: sua vaga no segundo turno continua garantida, e ganha de todos no segundo turno. 

Não é boa para Bolsonaro porque ele perde no segundo turno para todo mundo. Sua oscilação positiva de 1 ponto, para 33%, também está na margem de erro. Ponto positivo: parou de cair e aparece numericamente à frente de Lula, o que lhe garante a poderosa fotografia de “líder da pesquisa”.

Não é boa para Ciro Gomes, porque ele depende hoje do esvaziamento de Bolsonaro, não de Lula, para ter chances de ir ao segundo turno, e perde feio de Lula nas simulações de segundo turno. Ponto positivo: cresceu 4 pontos e, com 10%, se isolou como principal candidato da terceira via. 

Confira dois infográficos abaixo. Voltamos em seguida. 

Antes de passar a análise dos detalhes, outra pequena oração à ciência: o professor Jairo Nicolau nos ensinou que números estratificados de pesquisa tem margens de erro monstruosas, e que, portanto, possuem baixo valor estatístico. 

Como não quero perder a diversão de analisá-los, tratemo-los como entretenimento. Não creio que irá causar nenhum estrago à democracia fingir que eles estão próximos à realidade, e usá-los para fazer algumas especulações. Apenas tentem não levar as conclusões a ferro e fogo, porque elas são baseadas em números frágeis, instáveis, que podem mudar completamente numa outra pesquisa.  

Continuamos depois do gráfico.

Sexo

Algo que sempre chama atenção nessas pesquisas, e aí temos um dado que, decididamente, podemos enxergar em todas elas, e em todos os movimentos sucessivos, é o brutal sexismo do eleitorado bolsonarista. É um eleitorado hegemonicamente masculino.

Entre homens, Bolsonaro tem 45%, contra 26% de Lula e 12% de Ciro. Ou seja, Bolsonaro tem mais votos entre homens do que a soma de Lula e Ciro. É uma liderança e tanto num setor obviamente muito estratégico!

Mas Lula lidera entre mulheres, com 36%, contra 23% de Bolsonaro. 

Em eleições anteriores, notei que o voto masculino costumava “antecipar” o voto total, porque as mulheres, em geral, são mais indecisas. Mas acho que isso já mudou. O voto feminino hoje está mais consciente e decidido.

Idade

Bolsonaro se tornou o candidato dos mais velhos, que é uma camada da população mais conservadora e mais vulnerável. O presidente se comunica com essa faixa com mais facilidade. Essa história do “voto impresso”, por exemplo, apela diretamente aos preconceitos analógicos do eleitor mais velho. 

Entre eleitores com mais de 60 anos, Bolsonaro tem 37%, uma diferença muito grande em relação aos 22% de Lula.

Região

Bolsonaro tem vantagem muito pronunciada nas regiões agrícolas, como o Centro-Oeste, Norte e o Sul, que possuem áreas importantes que vem se beneficiando do boom das commodities. 

Lula mantém sua vantagem no Nordeste. Tem 41%, contra 36% de Bolsonaro e 5% de Ciro. É impressionante como Lula literalmente evapora o voto cirista no Nordeste. 

Ciro tem uma boa pontuação no centro-oeste, 17%, quase empatando com os 20% de Lula na região. Isso pode significar que o pedetista poderia estar realmente herdando o voto do bolsonarista arrependido.

Escolaridade

Lula tem liderança importante entre eleitores com nível superior. O petista marca 38%, contra 26% de Bolsonaro e 9% de Ciro. Esse eleitor mais “instruído” faz diferença nas redes sociais.

Renda

Esse é o dado que me parece mais preocupante para Lula. Mas, reitero, dados estratificados costumam ser muito imprecisos. Na próxima pesquisa, podem estar completamente diferentes.

O petista ganha apenas entre eleitores “sem renda fixa”. Em todas as demais, Bolsonaro ganha. Se isso for verdade, Bolsonaro ainda tem liderança dos setores mais organizados da sociedade (mas não acho que isso seja verdade, até porque outras pesquisas não mostram isso).

Uma faixa importante, por incorporar um segmento do eleitorado que é ao mesmo tempo numeroso e influente nas redes sociais, é que aufere renda familiar entre 2 e 5 salários. Nessa faixa, Bolsonaro tem 34%, Lula 29%, e Ciro 16%.

Entre o eleitorado com renda familiar entre 5 e 10 salários, Lula tem 23% nessa faixa e Bolsonaro tem 31% nessa faixa. Ciro tem sua melhor pontuação, 21%.

Conclusão: Não vou concluir nada em cima dos dados estratificados, porque eles não merecem tanta atenção. O que podemos dizer é que o cenário permanece muito polarizado entre Lula e Bolsonaro.

A terceira via, aparentemente, não tem outro nome além de Ciro, que, no entanto, se vê diante de duas enormes obstáculos, Lula e Bolsonaro.

Os cenários de segundo turno confirmam que Lula é mais forte que Bolsonaro, e portanto a única chance da terceira via seria tirar o atual presidente do páreo, mas essa pesquisa mostra Bolsonaro parando de cair e até oscilando um ponto para cima, o que não é, portanto, bom sinal para Ciro.

Ademais, o cenário de segundo turno dessa pesquisa traz Lula com vantagem de 20 pontos sobre Ciro, com 33% de brancos e nulos que, provavelmente, são eleitores bolsonaristas que rejeitam ambos os candidados.

Lula, por sua vez, tem o grande desafio de conquistar o voto masculino, penetrar nas regiões agrícolas, e reduzir a sua rejeição na classe média.

Num cenário hipotético com Luciano Huck, o petista também venceria com larga vantagem. Huck não deve participar, mas o cenário ajuda a entender para onde vai o eleitorado.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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