A canção Cartomante de Ivan Lins e Vitor Martins, imortalizada na voz de Elis Regina, que fala da queda sucessiva de todos os reis, parece se aplicar à Lava Jato com perfeição.
Caiu Moro, o todo-poderoso que comandava a Lava Jato raíz, a de Curitiba. Moro foi condenado pelo STF como um juiz parcial; todos seus processos contra o ex-presidente Lula foram anulados.
Caiu Dallagnol, o procurador-chefe da Lava Jato. Como depois foi revelado, Dallagnol dava “palestras” particulares a representantes do mercado financeiro em troca de dinheiro, tentou criar uma fundação que serviria para sequestrar alguns bilhões de dólares da Petrobras, combinava acusações com o juiz, e ainda ficamos sabendo que adquiriu – para especulação – dois apartamentos em Curitiba com crédito do Minha Casa Minha Vida.
E agora caiu o juiz Marcelo Bretas, que é hoje alvo de acusações cabeludíssimas por parte de um advogado que assinou um acordo de delação premiada com a Procuradoria Geral da República.
Se fosse possível fazer gradações para a corrupção, certamente uma das mais repugnantes é aquela cometida por um juiz que vende sentenças.
É disso que Bretas é acusado. Mas não só isso. Segundo a reportagem publicada na Veja há pouco, o criminalista que fez a delação afirma que Bretas não é um magistrado imparcial, e que se porta como policial, promotor e juiz ao mesmo tempo.
O advogado acusa Bretas de negociar penas, orientar advogados, perseguir réus, combinar estratégias com o Ministério Público, direcionar acordos, pressionar investigados, manobrar processos e até mesmo usar seu poder para influenciar eleições.
São todos crimes gravíssimos, que, em qualquer país do mundo, significariam longos anos de prisão para um juiz.
A delação de Nythalmar Dias Ferreira Filho, um jovem advogado de 31 anos, lembra a Vaza Jato, como foi apelidado o vazamento de mensagens de procuradores e juiz da Lava Jato, porque Ferreira também apresentou prints e áudios de conversas.
A Veja afirmou que teve acesso à íntegra de todos os anexos da delação, e o que a revista relata é de arrepiar os cabelos.
Marcelo Bretas teria condenado o Almirante Othon Pinheiro, heroi nacional por seu trabalho pioneiro com engenharia nuclear, a uma pena monstruosamente alta, 43 anos, como forma de “intimidar” outros réus a assinarem acordos de delação premiada.
É difícil imaginar uma decisão mais desumana, injusta e, obviamente ilegal, pois a liberdade de nenhum cidadão brasileiro pode servir de “moeda” para que um juiz “compre” uma delação que lhe interesse.
Outro item da delação que provoca náuseas profundas foi a tentativa (infelizmente bem sucedida) de Marcelo Bretas de influenciar as eleições para o governo do estado do Rio, em 2018. Segundo a delação, Bretas teria divulgado denúncias contra Eduardo Paes às vésperas da eleição, como maneira de lhe atingir eleitoralmente. O adversário de Paes, o ex-juiz Wilson Witzel (hoje cassado e impeachmado) ganhou as eleições.
A acusação do advogado ganha densidade pelo fato de Bretas divulgar em suas redes sociais imagens que demonstram sua relação de “parceria” com o ex-governador Wilson Witzel.
O anexo da delação que trata de influência em eleições, todavia, não pára aí. O advogado relata que houve uma negociação entre Bretas e o candidato Eduardo Paes para que o juiz não lhe perseguisse. Paes teria prometido a Bretas um lugar para a irmã do juiz em seu governo. Também prometeu sair da política, sempre em troca de “alívio” por parte do magistrado.
Com a vitória de Witzel, a irmã de Bretas foi nomeada para um cargo na Controladoria-Geral do Estado.
Caso haja comprovação desses fatos, trata-se de corrupção e venda de sentença.
A delação ainda relata o grande esforço de Marcelo Bretas, que incluiria a transferência da Lava Jato paulista para o Rio de Janeiro, para envolver o ministro Gilmar Mendes na Lava Jato. Como a Lava Jato paulista havia conseguido prender Paulo Preto, que seria um dos principais “operadores” do PSDB, e como Bretas entendia que Mendes era um homem ligado aos tucanos, ele tentou articular, junto com outros membros da Lava Jato fluminense, a vinda dessa investigação para o Rio de Janeiro, imaginando que pudesse encontrar algum fato que prejudicasse o ministro do STF.
A delação já foi aprovada pelo Ministério Público, e agora falta ser homologada pela justiça.
Houve um tempo em que se falava na necessidade de se manter delações em segredo de justiça, mas esse é um escrúpulo que parece ter ficado enterrado num passado distante. Magistrados como o próprio Marcelo Bretas usaram o instrumento de delação como uma arma de chantagem contra o que consideravam seus “inimigos políticos”. Sergio Moro usou contra o PT e contra Lula, tentando influenciar as eleições de 2018. Não apenas conseguiu influenciar, de fato, aquele pleito, como ainda ganhou o cargo de ministro da Justiça, com a promessa de que, mais tarde, seria indicado para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Agora sabemos que o lavajatismo realmente foi uma metástase de corrupção judicial, que contaminou amplos setores do judiciário e do ministério público.
Cai o rei de Espadas , cai o rei de Ouros , cai o rei de Paus , cai, não fica nada.