Por Augusto Solano Lopes Costa
Ainda estamos em meio aos efeitos e transformações decorrentes da pandemia. Efeito imediato para os profissionais da advocacia, a crise é equivalente à grande depressão econômica de 1929. E é a maior crise que a advocacia enfrenta nestes 35 anos de exercício profissional que vivencio.
Entristecido, evoco a famosa citação de José Saramago, lida por ocasião do encerramento do Fórum Social Mundial realizado em Porto Alegre em 2002. Nela é descrita a situação do Camponês de Florença, que após perder uma pretensão em que se discutia a questão limítrofe dos marcos de propriedade – tendo conhecido o resultado, negativo à sua pretensão – subiu ao campanário da pequena igreja da aldeia e lá tocou o sino, como que para avisar à população que a Justiça havia morrido.
Neste momento em que completamos mais de 19 meses sem atividade forense, desde setembro de 2019 (greve dos serventuários) e março de 2020 (início da pandemia), até os presentes dias, lembro justamente do Camponês de Florença.
Quando leio que setores da economia lamentam seus prejuízos e resultados negativos advindos das situações pandêmicas, lamento muito mais as vidas que se perderam. Praticamente nenhuma família ficou livre de haver pranteado algum familiar e ente querido cuja vida foi ceifada.
E o comparativo com o exercício profissional da advocacia se faz inevitável. Longo período sem o exercício regular da atividade. Estoica e heroica, ela resiste bravamente nas ações em que a OAB/RS busca freneticamente o diálogo. Na conjunção, há que contornar as barreiras possíveis, mas que esbarram nos obstáculos instransponíveis dos meandros cibernéticos e dificuldades impostas pela vagarosa ambientação à modernidade.
A Justiça Estadual do RS, a mais abrangente e diretamente ligada ao nosso dia a dia, desnudou-se atrasada em seu processo de digitalização de seus processos e serviços; e naquilo em que se iniciava, foi literalmente atropelada pelos fatos.
Do outro lado do balcão, nós advogados e partes, já combalidos das refregas de outros campos de batalha, nos vimos diante de algumas situações inusitadas. Literalmente atropelados pelos fatos, vamos dando um jeito aqui e por ali. Como a água que escorre nas enchentes, buscando uma saída.
Não nos é permitido buscar o porquê desta situação – mas, sim, buscar ou vislumbrar saídas pela sobrevivência. Sem salários garantidos no final do mês, a busca é literalmente pela sobrevivência. Nesta guerra buscamos somente sobreviver e tentar saber o que virá? E como virá?
Verificaremos isso no andar do tempo. Oxalá seja antes que o Camponês de Florença suba novamente ao campanário daquela pequena igreja da aldeia. Ele foi visto já na escadaria; estamos torcendo para que ele desista no meio da subida!
Augusto Solano Lopes Costa é advogado (OAB/RS nº 22.740), de São Gabriel/RS.
Texto publicado originalmente no site Espaço Vital