Por Arthur Pentagna – Mestre em Economia pela UFPR
A inflação, um velho conhecido vilão em nosso país, voltou a preocupar as famílias brasileiras nos últimos tempos. Hoje, evidentemente, a alta de preços não chega nem perto da magnitude que teve nos anos 80 e início dos anos 90, quando flertamos com um processo hiperinflacionário.
No entanto, devido a características específicas dos atuais aumentos de preços e pelo fato dessa inflação ocorrer ao mesmo tempo de uma grave crise econômica, devemos examinar essa questão com o devido cuidado.
Buscarei, através deste texto, esclarecer para o leitor o que é inflação, quais as diferenças entre índices de inflação diversos, quais são as causas mais comuns da inflação e, por fim, analisarei o caso concreto da inflação em nosso país desde janeiro do ano passado, em especial a inflação dos alimentos.
O que é inflação?
A inflação se caracteriza por um aumento persistente e disseminado de preços. Isso significa que se os preços aumentam no início de um período mas esse aumento é revertido até o final do mesmo, não podemos dizer que houve inflação no intervalo de tempo analisado. Da mesma forma, se apenas um item que um consumidor costuma comprar aumenta de preço dentro de um conjunto de centenas de outros produtos, enquanto os outros diminuem de preço ou permanecem estáveis, um processo inflacionário não é caracterizado.
Quais são as diferenças entre índices de inflação?
Com o que é inflação definido, o leitor pode estar se perguntando: se inflação é algo tão facilmente definível, por que quando se fala em inflação tantas siglas e números diferentes são citados? De fato, existem vários índices de inflação diferentes, com siglas que parecem verdadeiras sopas de letrinhas (IPCA, INPC, IGP, etc). O que diferencia estes índices entre si é qual é a cesta de produtos e qual é o mercado que é considerado quando o índice é elaborado.
Existem índices que buscam medir as alterações de preços para o consumidor final e índices que buscam medir as variações para as empresas, além de índices mistos que consideram ambos os mercados. Além disso, mesmo dois índices que buscam medir a inflação para um mesmo mercado podem ter diferenças metodológicas que fazem com que os números apurados divirjam. Um exemplo é o IPCA e o INPC.
Tanto o IPCA quanto o INPC buscam refletir as variações de preços para o consumidor final (as famílias), no entanto o primeiro leva em conta a cesta de consumo (os produtos que são comprados) média para famílias que ganham até 40 salários mínimos, enquanto o segundo apenas considera as famílias com renda de até 5 salários mínimos. Vale notar que a inflação oficial do Brasil, utilizada pelo Banco Central do Brasil para balizar sua política de juros, é o IPCA, calculado pelo IBGE.
Dessa forma, não existe uma única inflação. Existem várias inflações diferentes. Na verdade, cada consumidor brasileiro tem a sua própria inflação, que se baseia em quais produtos aquele indivíduo compra. O que os índices supracitados buscam medir, na realidade, é a inflação média que certo público vivenciou em determinado período.
Vamos pensar em um exemplo para melhor ilustrar o que está sendo dito. Digamos que um indivíduo hipotético, chamado Carlos, consome apenas dois produtos, arroz e feijão. Carlos tem o seu salário reajustado periodicamente pelo INPC. Se o INPC acumulado no ano anterior foi de 5%, e os preços tanto do arroz quanto do feijão subiram em 10% no mesmo período, Carlos terá uma diminuição de sua renda real. Isso ocorre pois, nesse caso, o índice de inflação utilizado para seu reajuste salarial teve uma variação menor do que a inflação individual de Carlos. Por outro lado, se os preços do arroz e do feijão tivessem permanecido estáveis, Carlos teria tido um aumento de sua renda real. Isso significa que, na primeira situação, Carlos teria menos dinheiro para comprar arroz e feijão, enquanto no segundo caso o oposto seria verdade.
No entanto, se o INPC mede fidedignamente a inflação de todas as famílias que considera e se todos que fazem parte desse conjunto tivessem sua renda reajustada pelo índice, na média não haveria nenhum ganho ou perda de renda real. Ou seja, embora dentro de um conjunto possam haver as cestas de consumo as mais diversas possíveis, o que se busca medir através de um índice de inflação é qual é a cesta de consumo média desse conjunto e qual foi a variação de preços dessa cesta no período analisado.
O que causa a inflação?
Os economistas, em geral, dividem a inflação em dois tipos: inflação de demanda e inflação de oferta. A inflação de demanda ocorre quando a economia, por estar muito aquecida, começa a apresentar uma aceleração da inflação. Os consumidores, nesse caso, estão demandando produtos em um volume que as empresas não são capazes de suprir, o que leva a um aumento de preços. Uma analogia para entender esse fenômeno é pensar em um carro. Quanto mais você acelera, mais rápido esse carro irá se movimentar. No entanto, atingido certo limite, seguir acelerando não fará com que o carro se mova mais rápido, mas sim gerará mais calor. Dessa forma, o motor do carro irá superaquecer.
A inflação de oferta, por outro lado, não ocorre em função de um aumento na demanda por produtos. Esse tipo de inflação ocorre devido a algum evento que influa negativamente nas condições da economia de ofertar produtos. O exemplo mais comum são as quebras de safra. Quando algum item, digamos o milho, acaba tendo uma produção muito menor do que o usual devido a um evento climático adverso, o preço do mesmo irá subir mesmo na ausência de uma maior demanda.
Ao que interessa: inflação no Brasil de 2020 para cá
Depois dessa introdução, vamos ao assunto principal desse texto. Qual tem sido a trajetória da inflação do ano passado para cá e quais são suas causas? Buscarei examinar essas questões nos próximos parágrafos.
Em primeiro lugar, como dito anteriormente, a inflação pode ser medida de diferentes maneiras. Entre janeiro de 2020 e março deste ano, o índice oficial de inflação, o IPCA, acumula alta de cerca de 6,7%, uma média de 0,43% ao mês. Esse número, perto da inflação que já vivenciamos em um passado não tão distante, está longe de parecer assustador. Entretanto, como explicarei com mais detalhes a seguir, existem sim motivos para ficarmos alertas.
O INPC que, como já explicado, também mede a inflação para o consumidor, porém com foco em famílias de menor renda, aponta para uma inflação acumulada de 7,5% no mesmo período. Já o índice que o IPEA calcula de inflação por faixa de renda mostra uma taxa de 7,9% para famílias de renda muito baixa (o IPEA considera famílias de renda muito baixa aquelas que recebem até cerca de um salário mínimo e meio por mês). Assim sendo, fica evidente pela comparação entre os diferentes indicadores que os pobres vêm sofrendo mais com a inflação do que os mais ricos.
Isso ocorre pois dentre os grupos que compõem a cesta de consumo destes índices o que teve um aumento mais acentuado foi o de alimentação e bebidas. Esta despesa, por motivos óbvios, consome uma parcela maior da renda dos pobres do que dos ricos. Em outras palavras, alimentos e bebidas respondem por uma fatia maior da cesta de consumo média dos mais pobres. Logo, a inflação das famílias de menor renda é mais influenciada por variações nos preços dessa espécie de produtos.
Enquanto o índice geral do IPCA subiu 6,7% desde janeiro do ano passado, alimentos e bebidas subiram 15,7% de acordo com o mesmo indicador. Já o INPC, que subiu 7,5% no mesmo intervalo de tempo, registrou uma alta de 17% para esta categoria de produtos. Vale notar que mesmo a inflação para alimentos e bebidas é diferente entre os dois índices pois, como já esclarecido, a metodologia dos dois considera populações diferentes (famílias com renda de até 40 salários mínimos no caso do IPCA e até 5 salários mínimos no caso do INPC), além de haverem algumas outras diferenças menos significativas.
Entre os “campeões” de aumento de preço estão o arroz e o feijão (pobre Carlos!), que subiram, respectivamente, 70% e 52,6% de acordo com o IPCA. Outros itens essenciais que também tiveram aumentos bastante significativos são a batata-inglesa, com 44,2% de inflação no período, e o óleo de soja, que quase dobrou de preço, subindo 90,7%.
Vamos, então, às causas da inflação que tem se verificado no último um ano e três meses. Resta evidente que o principal determinante dos aumentos de preços recentes não foi uma pressão de demanda, uma vez que estamos atravessando uma grave crise econômica ao mesmo tempo que enfrentamos a pandemia do coronavírus. O desemprego, na verdade, está no pico da série histórica iniciada em 2012. Por conseguinte, a demanda também se encontra fortemente deprimida.
Logo, é razoável supor que são fatores do lado da oferta que têm pressionado os preços para cima. No entanto, quais exatamente são esses fatores? É nesse ponto que entra outra variável macroeconômica chave: o câmbio. Desde o fim de 2019, nossa moeda se desvalorizou cerca de 30% frente ao dólar. Em maio do ano passado, essa desvalorização chegou a bater 47%. Mas por que isso interessa para os preços dentro de nosso país?
A variação do câmbio causa dois tipos de efeitos nos preços internos de um país. Um efeito direto e um indireto. O efeito direto é mais simples de se entender: existem certos bens que um país consome que são importados. O exemplo mais corriqueiro é aquele utilizado pelo presidenciável Ciro Gomes em seus discursos: pão é trigo, trigo é dólar. Como o Brasil necessita importar boa parte do trigo que consome, quando nossa moeda se desvaloriza necessitamos de mais reais para comprar uma mesma quantidade de trigo. Isso faz com que o preço de todos os produtos que derivam do trigo, como pães e massas em geral, subam.
O efeito indireto é um pouco mais complexo. Esse efeito se dá pelo aumento no custo de oportunidade que uma desvalorização cambial causa. Mesmo que um bem não seja importado, um produtor que abasteça o mercado interno com aquele produto aumentará o preço do mesmo caso ele suba no mercado internacional pois vender para o exterior fica mais vantajoso do que vender dentro do país. Assim sendo, para “equilibrar a balança”, o produtor irá cobrar um preço mais alto para que seja indiferente vender no exterior ou não.
Somam-se a esses efeitos do câmbio, o fato de que alguns de nossos principais produtos de exportação agrícolas, como o café, a soja, o milho e o açúcar, vêm subindo de preço no mercado internacional desde 2020. Esse aumento causa um efeito análogo ao efeito indireto do câmbio, também forçando os preços internos para cima. Por fim, outro fator que pode ter contribuído para a alta no preço dos alimentos que já foi apontado por alguns economistas é a ausência de uma política de manutenção de estoques reguladores pela CONAB.
Conclusão
Busquei, através deste texto, esclarecer algumas questões-chave quando se fala sobre inflação e debater brevemente o processo inflacionário que vem ocorrendo no nosso país desde o ano passado. Como ressaltado ao longo do texto, estamos longe de vivenciar uma inflação descontrolada como a que vivemos nos anos 80 e início dos anos 90. Entretanto, existem elementos que suscitam justas preocupações com a atual inflação.
Depois de passarmos pela maior crise econômica registrada em nossa história, no biênio 2015-2016, nossa economia se recuperava a passos de tartaruga manca. Muito antes que houvéssemos recuperado os níveis de renda per capita de 2013 (o pico histórico), a crise do coronavírus sobreveio e nos colocou em uma situação econômica ainda mais dramática. A década que acabamos de atravessar foi a mais perdida de nossa história, superando negativamente a década de 1980, com uma contração recorde de nossa renda per capita. Estamos bem mais pobres hoje do que estávamos em 2010, por incrível que pareça. O fato de haver uma inflação concentrada em alimentos nesse cenário desolador deve deixar-nos alerta. Já existem evidências que indicam para um aumento substancial da fome em nosso país, por exemplo.
Busquei argumentar no presente texto que nossa inflação provavelmente está sendo influenciada por fatores do lado da oferta, em particular o câmbio e os preços de nossas commodities agrícolas no mercado internacional, e não por pressões de demanda interna. No entanto, cabe fazer a ponderação que nem sempre desvalorizações cambiais são negativas. Existe ampla literatura que trata dos efeitos positivos de um câmbio relativamente desvalorizado para a estrutura produtiva de um país. O que é mais alarmante, mais uma vez, é que essa desvalorização se dê concomitantemente a uma crise econômica sem precedentes.
Paulo
12/05/2021 - 20h03
O que fica patente é que o Brasil não produz pra sua população, desde a soja e o gado até o arroz e feijão, passando pelo petróleo e minerais, dentre outros. Ficamos reféns…Alguém precisa repensar isso! É a própria noção de país que se vai esgarçando. Não somos prioridade para os nossos agentes produtivos…
Pedro
13/05/2021 - 14h35
A prioridade para os agentes produtivos é quem lhes pague mais. Simples assim! Sempre foi e sempre será assim. Lide com isto.
Paulo
14/05/2021 - 00h14
Sério?
Pedro
16/05/2021 - 13h46
Sim.
Qual é a dificuldade de se dar conta de tamanha obviedade???