Nós, deputadas(os) estaduais do Rio de Janeiro, expressamos nesta Nota nossa indignação pelo ocorrido ontem, durante a operação policial Exceptis, na favela do Jacarezinho, que deixou um saldo de pelo menos 27 mortos, tornando-se a mais letal da história do Rio de Janeiro. Dentre os mortos, um policial civil e 26 “suspeitos”, dos quais apenas três eram alvo de mandados de prisão expedidos pela Justiça. Uma verdadeira chacina!
Apesar da posição recentemente adotada pelo Supremo Tribunal Federal para coibir, durante a pandemia da Covid-19, as fracassadas operações policiais em favelas do Rio, realizadas há décadas sem efetividade na contenção do crime e da violência, a mortífera operação de ontem vem sendo avaliada por policiais e autoridades como “vitoriosa”, dada a sua letalidade. Ora, que polícia do mundo avalia como exitosa uma operação pelo número de mortos que provoca?
Sem ter sucesso na indispensável asfixia da economia do crime nem no imprescindível controle do fluxo de armas entre as organizações criminosas, a polícia fluminense insiste, há pelo menos três décadas, em ações que desprezam ou minimizam planejamento, inteligência e tática policial. Esse tem sido o eixo da “política de segurança” do Rio de Janeiro desde os anos 1990. Entretanto, pode-se chamar essa plêiade de operações extremamente violentas de “política de segurança”? Afinal, uma política de segurança que mereça esse nome deve primar pela preservação da vida e pela redução da violência, não por promover o contrário disso!
Sim, o crime deve ser combatido, com o máximo de rigor, mas na forma da Lei, que não autoriza a polícia a constranger cidadãos, invadir residências, tratar jovens pobres e negros a priori como suspeitos nem muito menos executar pessoas, ainda que suspeitas. O Estado e seus agentes não podem agir na lógica do “olho por olho, dente por dente”. Quem age assim é o crime!
Sim, a integridade e os direitos de nossas crianças e adolescentes, especialmente os que vivem em territórios periféricos, devem ser protegidos, assegurados e ampliados, logo, tratados como prioridade na execução do orçamento público. Contudo, não é o que temos visto na educação, na saúde, na assistência, na cultura, no esporte, na inclusão tecnológica, na formação profissional. O Poder Público que profana suas residências e esculacha ou mata seus pais e irmãos mais velhos é exatamente o mesmo que lhes nega sistematicamente aqueles direitos.
Sobre as vidas ceifadas no Jacarezinho, lamentamos todas: tanto a do policial, também vítima desse estado de coisas, quanto as dos “suspeitos”, quase todos jovens, negros e pobres. Importa lembrar que, no Brasil, não há previsão legal para a pena de morte. Logo, os “tribunais de exceção do crime” e as execuções sumárias feitas pela polícia incorrem, ambos, em grave afronta aos direitos humanos e à legislação brasileira! Nossas normas constitucionais e infraconstitucionais são claras: a Polícia investiga e prende; o Ministério Público denuncia; a Defensoria Pública defende; e a Justiça julga. Fora desse escopo, não há qualquer heroísmo, mas ilegalidade e chacina, exatamente o que vimos ontem no Jacarezinho. Por óbvio, defendemos os bons policiais, homens e mulheres, que se arriscam para nos defender e merecem reconhecimento público e valorização profissional. Defendemos as comunidades e populações subjugadas e oprimidas por traficantes e milicianos, que precisam ser derrotados e tratados no mais absoluto e inclemente rigor da Lei. Defendemos, portanto, uma política de segurança pública que, combinada com outras políticas de desenvolvimento econômico, promoção da cidadania e garantia de direitos, contribua para instalar, enfim, a República, a democracia e a liberdade naqueles territórios.
Exigimos, com firmeza, doa em quem doer, apurações imparciais, céleres e minudentes sobre a chacina do Jacarezinho! Exigimos, ainda, que seja instaurada investigação por órgãos independentes, bem como cobramos aqui, publicamente, as responsabilidades das autoridades constituídas, a começar pelo governador, agora efetivo, Claudio Castro. E a primeira pergunta ao novo titular do Palácio Guanabara é: o que está sendo feito para apurar as violações ocorridas na chacina do Jacarezinho? E mais, governador: sua aliança política com o bolsonarismo dará o tom da política de segurança de seu governo? Seu objetivo será mostrar serviço à família Bolsonaro e demonstrar que o novo governador pode se converter em “bolsonarista de raiz”, nem que para isso tenha que reeditar a política do “tiro na cabecinha”, propagada por seu companheiro de chapa e antecessor, ficando com as mãos sujas de sangue? Ou pretende o governador adotar uma política de segurança que, efetivamente, tenha como objetivos combater a violência, em vez de intensificá-la, e garantir o acesso aos direitos fundamentais, sendo o primeiro deles o direito à vida?
Queremos, por fim, manifestar toda a nossa solidariedade aos moradores da favela do Jacarezinho e aos familiares das vítimas. De todas as vítimas. As favelas precisam de respeito e de políticas públicas duradouras para enfrentar as desigualdades, o preconceito e a violência, seja aquela praticada pelo crime, seja aquela praticada pelo Estado. As favelas precisam se tornar territórios de direitos! Chega de sangue!
Rio de Janeiro, 07 de maio de 2021
Carlos Minc (PSB)
Dani Monteiro (PSOL)
Eliomar Coelho (PSOL)
Enfermeira Rejane (PCdoB)
Flavio Serafini (PSOL)
Monica Francisco (PSOL)
Renata Souza (PSOL)
Rubens Bomtempo (PSB)
Waldeck Carneiro (PT)