Douglas Adams, um dos mestres da ficção científica, passou um recado muito interessante em seu livro mais conhecido:
“A história de toda grande Civilização Galáctica tende a passar por três fases bem distintas e reconhecíveis, que são as da Sobrevivência, Investigação e Sofisticação, também conhecidas como as fases do Como, Por que e Onde.
Por exemplo, a primeira fase é caracterizada pela questão Como vamos comer? A segunda pela questão Por que nós comemos? E a terceira pela questão Onde iremos almoçar?”
O comentário do livro me parece, além de bem humorado, profundo e universal o bastante para eu ousar aplicá-lo à conjuntura brasileira e à análise da pesquisa divulgada hoje, 7 de maio de 2021, pelo Paraná Pesquisas, para termos uma ideia do que acontecerá daqui a exatamente 514 dias.
O espírito do eleitor também experimenta em si as três fases. Hoje, ele vive intensamente a primeira, na qual sua maior preocupação é o emprego, a saúde, a segurança pública – a sua sobrevivência física, em suma.
Dentro de alguns meses, porém, quando a proximidade eleitoral começar a subir a temperatura política da sociedade, ele se sentirá inclinado a fazer outra pergunta: por que eu devo votar nesse ou naquele candidato que estão me oferecendo? É o início do processo de busca de um fundamento político para sua decisão.
Por fim, chegaremos, às vésperas da eleição, ao processo de consolidação efetiva dos votos, ou seja, ao momento em que a preocupação do eleitor não é mais a sua própria sobrevivência imediata, já colheu informações suficientes sobre o leque de candidatos, e se sente confiante para tomar uma decisão definitiva.
Segundo uma pesquisa Datafolha realizada feita logo após o primeiro turno das eleições de 2018, quase 40% dos eleitores afirmaram ter escolhido seu candidato a menos de 15 dias do momento de votar. Entre eleitores com renda familiar até 2 salários, que formam o grupo social mais numeroso, esse percentual sobe para 43%.
Interessante notar que as eleitoras mulheres, segundo a mesma pesquisa, também tendem a escolher seu candidato presidenciais em data mais próxima ao pleito. Enquanto apenas 30% dos homens afirmaram ter decidido seu voto a presidente a menos de 15 dias das eleições, esse percentual chega a 44% entre mulheres. Cerca de 23% das mulheres disseram ter escolhido o candidato a presidente na véspera ou no dia da eleição, contra apenas 13% dos homens!
Naturalmente, temos que ler esses números com objetividade: quem não escolheu o candidato a 15 dias da eleição não tende a votar em qualquer um, e sim naquele de seu entorno familiar, ou seja, a maioria acaba seguindo a tendência já observada nas pesquisas.
Mesmo assim, a pesquisa nos dão uma ideia do potencial de surpresa de uma eleição, o que é uma característica saliente do processo eleitoral contemporâneo, sobretudo em democracias dinâmicas e agitadas como a brasileira, nas quais os sistemas de controle sobre a informação, quando existem, são frágeis e ineficientes. Isso ficou claro sobretudo em algumas eleições regionais, como a do Rio de Janeiro, em que um candidato que parecia desconhecido, o ex-juiz Wilson Witzel, disparou na reta final e quase ganhou no primeiro turno.
O relatório completo da pesquisa eleitoral divulgada hoje pela Veja foi publicado há pouco no site do Paraná Pesquisas.
São vários cenários de primeiro e segundo turno, potencial de voto, e números de aprovação do governo.
Reproduzimos abaixo o print das tabelas/gráficos da pesquisa, seguido de nossos comentários. Como são muitos cenários, vamos falar apenas dos principais. Por exemplo, a Veja publicou hoje a notícia de que Sergio Moro não deverá ser candidato, então vamos excluir o cenário 1, em que ele está presente.
Vamos pular para o cenário 2.
Neste cenário, Bolsonaro pontua 34%, contra 29,6% para Lula. O atual presidente ainda tem vantagem sólida no Sul e no Sudeste, onde ganharia com perto de 40% e 34%, respectivamente, contra 28% e 24% de Lula. O petista, por sua vez, tem vantagem no Nordeste, onde seu percentual vai a 37%, contra 30% de Bolsonaro.
Correndo nas raias da “terceira via”, Ciro e Huck pontuam 6% cada, Dória tem 4%, João Amoedo 2,9% e Mandetta 2,4%.
Os cenários 3 e 4 não são muito diferentes do cenário 2. A diferença é a presença de nomes como Tasso Jereissati e Eduardo Leite.
Agora começam os cenários de segundo turno.
Num hipotético segundo turno entre Lula e Bolsonaro, o presidente leva uma vantagem de 2,7 pontos, o que está perto da margem de erro (2 pontos). Bolsonaro venceria sobretudo entre eleitores do sexo masculino, mais velhos e de religião evangélica.
Num cenário de segundo turno entre Lula e Ciro, por sua vez, o petista ganharia com 10,5 pontos de vantagem. O único segmento em que Ciro venceria Lula seria entre eleitores com ensino superior, entre os quais ele pontuaria 38,8%, contra 27,2% para Lula.
Numa disputa entre Bolsonaro e Ciro, o presidente venceria com 8 pontos de vantagem. Ciro venceria entre mulheres e quase empataria com Bolsonaro entre eleitores com ensino superior.
Nos cenários de Lula X Doria e Bolsonaro X Doria, o tucano ficaria 17 pontos atrás de Lula e 11 pontos atrás de Bolsonaro.
Os potenciais de voto mostram que todos os principais candidatos tem alto índice de rejeição, que variam de 47% a 52%. O potencial positivo de voto de cada um, somando as colunas “com certeza votaria” e “poderia votar”, mostram Bolsonaro e Lula com aproximadamente 50% cada um, Ciro com 46% e Doria com 41%.
Os números de aprovação do governo Bolsonaro confirmam o que outras pesquisas vem apontando: um declínio acelerado do prestígio da administração federal.
Entretanto, Bolsonaro ainda tem aprovação relativamente alta no Sul (51%) e no Norte/Centro-Oeste (49%).
A evolução das notas do governo mostram o aumento da polarização em torno de Bolsonaro. Cerca de 14% dão a nota máxima para o governo, “Ótimo”, percentual que é uma constante desde o início da pesquisa, em maio de 2020. A nota mínima, porém, “Péssimo”, subiu bastante, para 34,5%, recorde da série.
Segundo a pesquisa, 57% dos católicos e 56% dos eleitores com ensino superior o reprovam.