Por Chico D’Angelo, deputado federal (PDT-RJ)
A Marinha do Brasil era uma instituição que, nos primeiros anos da República, parecia viver nos tempos da escravidão. Com um corpo de oficiais formado por gente saída das elites, a corporação estabelecia recrutamentos forçados das camadas populares, impunha-lhes quinze anos de serviço obrigatório e pagava soldos extremamente baixos.
Como se não bastasse, a Companhia Correcional estabelecia um código disciplinar baseado em prisões, confinamentos a pão e água em solitárias e castigos corporais. As punições físicas eram aplicadas com chibatas enfeixadas com agulhas de aço, as chamadas linhas de barca. Coisa de fazer corar feitor e capitão-do-mato.
Em certo dia de 1910, o marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes foi condenado ao castigo de 250 chibatadas. Após o castigo, o comandante José Carlos de Carvalho teria dito que as costas de Marcelino pareciam, após o castigo, uma tainha lanhada para ser salgada. Explodiu então a revolta entre os marujos.
Sob o comando do praça João Cândido Felisberto, os marujos se amotinaram no encouraçado Minas Gerais e nos navios Bahia, São Paulo e Deodoro, exigindo a abolição imediata dos castigos corporais e dos demais itens do código disciplinar da Marinha de Guerra do Brasil. Clamavam por melhorias na alimentação e dignidade nos soldos.
Apenas nas primeiras horas após o início do levante, cerca de três mil pessoas deixaram a cidade em doze composições especiais para Petrópolis.
A bandeira dos rebeldes tremulou nos mastros dos navios durante quatro dias. A frota comandada por João Cândido, com dois mil 379 homens, assombrou os poderosos. Acuado, o Congresso Nacional aprovou a anistia a todos os revoltosos e o fim dos castigos corporais na marinha de guerra.
O alto comando da Marinha, indignado com a insubordinação dos marujos, negros e mulatos em sua ampla maioria, perpetrou, então, um dos momentos mais infames da história brasileira: não houve a anistia programada.
Os marujos, que abandonaram os navios confiando nas promessas oficiais, foram punidos. Inúmeros rebeldes foram deportados ilegalmente para os seringais do Acre, onde trabalhariam e morreriam como escravos dos barões da borracha.
Outros tantos foram submetidos a fuzilamentos sumários a bordo de um cargueiro do Lloyd, o Satélite. João Cândido acabou confinado numa masmorra na Ilha das Cobras. Sobreviveu aos tempos de cativeiro.
Em 2019, apresentei projeto para que o nome de João Candido entre no livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. O projeto ainda não foi aprovado, já que continua sendo boicotado, desde a sua apresentação, por membros da bancada bolsonarista.
A demora em aprovar o nome do líder da Revolta da Chibata não macula o nome de João Cândido; ele já está na História. Ela macula o papel da Comissão de Cultura da Câmara, em virtude da demora em reconhecer a grandeza do Almirante Negro, um gigante na luta contra a tortura e o racismo no Brasil!
Alexandre Neres
27/04/2021 - 21h00
Muito apropriada a homenagem do deputado Chico D’Angelo ao Almirante Negro, eternizado na música de Aldir Blanc e João Bosco.