Dados da Fundação Getúlio Vargas, atualizados até março de 2021, e antecipados à Folha hoje, mostram que o Brasil vive uma crise social de proporções catastróficas. Provavelmente nenhum outro país experimentou uma tragédia da mesma magnitude.
Vamos aos números brutos: de agosto de 2020 a março deste ano, 32 milhões de famílias que pertenciam à chamada classe C, uma categoria que se encaixa no perfil às vezes chamado de classe média baixa, registraram queda dramática de renda, o que as levou a perda de moradia, à situação de perigosa insegurança alimentar, e a descer na pirâmide de renda para as classes D e E.
Milhões despencaram diretamente da classe C para a classe E, ou seja, para a mais absoluta miséria.
As classes D e E, por sua vez, viram suas fileiras crescerem exponencialmente, com ênfase na classe E, a mais pobre de todas, que ganhou 24,4 milhões de pessoas nos últimos oito meses. A classe D recebeu 9 milhões de pessoas.
As classes A e B, que sempre representaram uma minoria da sociedade, perderam 3,1 milhões de pessoas.
Esses números significam que a sociedade brasileira, que já era uma das mais desiguais do mundo (na verdade, o Brasil só não é mais desigual que pequenas monarquias árabes, que tem renda per capital alta), está passando por um processo de aprofundamento brutal dessa desigualdade.
E a estimativa para 2021 é de mais perdas.
Segundo a consultora Tendências, as famílias das classes D/E devem experimentar uma perda de 14,4% em sua massa de renda. A classe C deve registrar perda de 3%.
A renda das classes mais elevadas, por sua vez, registrarão estabilidade ou alta. A classe B deve registrar estabilidade, e a classe A verá sua renda aumentar em cerca de 3%.
Em 2019, o número de pessoas vivendo na probreza extrema representava cerca de 11% da população, ou aproximadamente 24 milhões de pessoas.
Segundo o FGV Social, com base em dados do IBGE, este grupo saltou para 16% da população em março de 2021, ou 35 milhões de pessoas.
A reportagem da Folha acrescenta ainda uma informação preocupante. Muitas dessas pessoas decaídas na miséria, são pessoas com razoável nível de instrução e oriundas de um ambiente familiar estável.
O fator principal que levou a esse quadro, naturalmente, foi a pandemia. Mas o pesquisador Marcelo Neri, diretor do FGV Social, atribui grande parte da responsabilidade à negligência do governo federal, que interrompeu abruptamente, sem planejamento, a distribuição do Auxílio Emergencial.
“O governo acabou produzindo muita instabilidade, o que é péssimo, em particular, para os mais pobres”, disse Neri à Folha. “A generosidade de 2020 mostrou que o governo não foi sábio, pois agora não tem dinheiro para socorrer os que mais precisam em um momento muito difícil.”
A nova rodada de Auxílio Emergencial terá um valor muito baixo (média de R$ 250), chegará a menos pessoas, e encontrará as famílias mais desorganizadas financeiramente, dificultando a sua própria eficácia.