Por Bresser Pereira
Não há ciência mais ideológica do que a economia. O que não é surpreendente porque ela lida com a repartição da renda, e os interesses envolvidos são muito grandes. Isto explica por que os economistas liberais são tão conservadores. Eles representam os interesses dos capitalistas.
Ora os capitalistas, hoje, são fundamentalmente rentistas. Vivem de juros, aluguéis de dividendos; não são capitalistas empresários, que vivem dos seus lucros e do seu reinvestimento.
Nessa ciência ideológica é curioso como as palavras ganham mudam de sentido ou ganham novos sentidos. Vejam, por exemplo, a questão da emissão de dinheiro.
Os economistas liberais, chamados então monetaristas, eram mortalmente contra a emissão de moeda que, afirmavam ser a causa da inflação. Não era. O aumento da quantidade de moeda apenas sanciona uma inflação que já ocorreu.
O que pode ser causa de inflação é o aumento das despesas públicas quando uma economia está chegando perto do pleno emprego. Porque poderá, então, haver excesso de demanda em relação à oferta.
Desde que as maciças emissões de moeda realizadas pelos bancos centrais após a grande crise de 2008 visando baixar a taxa de juros, ficou provado por A mais B, que elas não causam inflação. Os juros foram para zero e a inflação ficou muito baixa.
Assim, quando se tornou necessário defender as economias das consequências do Covid-19, os economistas dos bancos centrais, que são muito mais realistas que os professores de economia liberais, passaram a emitir mais moeda ainda. Estão certíssimos.
Eles emitem moeda comprando títulos novos do Estado; o dinheiro assim criado é usado para financiar as políticas de auxílio aos pobres, aos desempregados, e às empresas, e para financiar investimentos públicos que estimulem a economia.
Mas, para tornar mais aceitável sua política perante uma sociedade que ainda acredita que emissão de moeda causa inflação, os banqueiros centrais passaram a chamar a emissão de moeda de “compra de bônus”. Um bom nome.
Agora, por exemplo, leio no Valor que a presidente do Banco Central Europeu, acaba de afirmar que ainda é muito cedo para descartar a compra de bônus. Ou seja, não está na hora de parar de emitir moeda.
Enquanto isso nós, no Brasil temos um ministro da Economia que continua a limitar o necessário aumento do auxílio emergencial e não realiza os investimentos públicos também necessários para o país retomar o crescimento.
A desculpa é que deficit público causa inflação, mas já está mais do que provado que isso não é verdade. Só causa inflação quando essa emissão de moeda que financia esses gastos que levam ao excesso de demanda facilita o aumento das margens e dos preços.
Ora, este não é o caso enquanto a pandemia estiver limitando a demanda, principalmente por serviços, e mantendo elevado o desemprego.
Realmente, não é possível termos um governo também na área econômica tão incapaz como esse que está aí. Um governo que é mais ortodoxo que o FMI e os banqueiros centrais.
Paulo
24/04/2021 - 17h52
Eu tenho a impressão de que, no caso Porco Guedes, pesa muito na sua inflexibilidade a necessidade de manter a sua fama de mau. Ele seria desconstruído se cedesse um milímetro na sua política econômica. Só cedeu no auxílio-emergencial porque deve ter sido muito pressionado…Enquanto isso, quem sofre com o neoliberalismo é o Brasil, na contramão do mundo…
Luiz
24/04/2021 - 14h00
Expressões como “excesso de demanda” e “pleno emprego”, são, ou foram aplicáveis em que época no Brasil? É esse o modo de acusar o Estado de gerar desigualdade? É no Estado que existem as grandes fortunas sobre as quais se deve instaurar imposto próprio?
Luiz
25/04/2021 - 11h12
O que é importante notar em meu comentário é a circularidade na relação entre inflação e “excesso de demanda”. Seria a sustentabilidade fundada em razões demográficas a causa dos dois termos? Ou muito antes existiria um valor relativo por imposição da “racionalidade” capitalista?
Edibar
24/04/2021 - 11h12
Emissão monetária gera inflação. Nao há o que discutir nisso. E ela acontece aonde essa emissão é despejada. No caso atual, começa pelo mercado financeiro, com a alta dos preços dos ativos financeiros. Em algum momento pode se espraiar pelo restante da economia.
Por isso nao há o que discutir: emissão monetária, independente do nome que se dê, sempre sempre sempre gera inflação.
Felipe Lins
24/04/2021 - 12h26
Edibar, emissão de moeda sempre gera inflação, mas gerar inflação não é necessariamente ruim. A inflação deve ser previsível e ficar dentro de níveis esperados, não é positivo para a economia nem que seja alta nem que seja negativa ou muito baixa.
No cenário descrito por Bresser, a não emissão de moeda provavelmente geraria, além de cenário deflacionário, fome, sofrimento e debacle econômica, com queda muito mais acentuada do PIB e falência de empresas.
Quando se diz que “emissão não gera inflação”, fala-se em inflação crescente e desenfreada que traga prejuízo à sociedade. Os bancos centrais imprimiram trilhões de dólares e não vemos descontrole da inflação em lugar nenhum.
Odlanir
25/04/2021 - 00h38
Como não há descontrole, Felipe? Tirando o falso índice oficial, a inflação, no Brasil, está provocando mortes, doenças, desespero. Gás de cozinha, óleo de soja, arroz, feijão, carne bovina, carne de frango, gasolina, etanol, ervilha, milho, macarrão, lentilha, creme de leite, todos estes produtos tiveram alta superior a 100% nos últimos 12 meses. Os países ricos são todos deficitários, mas cobrem seus déficits às custas da exploração do terceiro mundo, Brasil, no meio. Compram, aqui, o kg de franco a meio dólar e vendem o balde de frango frito a 20. Compram nosso petróleo muito barato e revendem pra nós mesmos. Levam toda a soja, o milho, o suco de laranja, etc, enquanto o povo brasileiro passa fome. Fazem isso na África, na Ásia, aqui na América do Sul. 60% da população brasileira está em estado de insegurança alimentar. Nosso salário mínimo mensal equivale a um, dois dias de trabalho de um norte-americano pobre, de um europeu pobre. A inflação que a emissão de moeda gera, sim, é repassada pra nós, inocente útil…
Edibar
26/04/2021 - 12h43
O tempo da inflação nunca coincide com o tempo do seu evento causador, no caso, a emissão monetária. Aguarde e se segure. A inflação virá. A ver o que poderá ser feito para controlá-la.
Victor
19/05/2021 - 05h24
Não é o que mostra quando você faz um gráfico M2 X Inflation Index com os dados do FED pós-crise 2008:
https://fred.stlouisfed.org/graph/fredgraph.png?g=E7VN
Emitiu-se muita moeda e a inflação continuou sob controle.