Por Eder Alcantara Oliveira
Os anos de 2020 e 2021 têm sido marcados pelo avanço de um inimigo invisível, o novo coronavírus e suas variantes, responsável pela pandemia de covid que assola a humanidade. No caso, o inimigo invisível são seres muito pequenos, imperceptíveis a olho nu e transmitidos por gotículas expelidas pelo nariz e pela boca de pessoas contaminadas (sintomáticas ou assintomáticas).
Tornou-se uma espécie de arma biológica nas mãos de governantes que não priorizam a defesa da vida, negam a ciência e se valem de uma política anti-indígena que atenta contra os direitos elementares dos povos originários.
Neste contexto maior, nós, indígenas, quaisquer que sejam as etnias existentes no Brasil, continuamos na luta contra o novo coronavírus e também contra o vírus da discriminação, do desrespeito, da intolerância e do racismo de que somos vítimas desde 1500.
Se, por um lado, a pandemia de covid começa a ser combatida com eficácia por meio de vacinas desenvolvidas e produzidas em vários lugares do planeta, por outro a luta contra o vírus do racismo seguirá até que parte da sociedade nacional não mais queira dizimar os povos originários ou nativos das Américas, pois nossos ancestrais já estavam aqui há bem mais de 12 mil anos.
Por isso, este 19 de abril de 2021, o Dia do Índio, será o segundo ano em que as aldeias da Terra Indígena Buriti, localizada em Mato Grosso do Sul, comemorarão o Dia da Resistência Indígena, haja vista que a data não é celebrada meramente como momento de festa e confraternização, mas como ocasião especial para fortalecermos a luta pela vida.
Também é uma oportunidade para refletirmos sobre à resistência em prol da valorização de nossa cultura e história, bem como para rememorarmos nossos ancestrais e valorizarmos nosso modo de ser etnicamente diferenciado.
Nas aldeias da Terra Indígena Buriti, as crianças aprendem desde cedo que temos o direito de ir e vir igual a qualquer cidadão brasileiro, que somos povos originários e forjados para sermos guerreiros da paz e do bom viver em sociedade. Somos guerreiros não porque promoveríamos guerra contra alguém, mas porque todos os dias resistimos a uma guerra genocida inaugurada há mais de cinco séculos, quando aqui chegaram os primeiros invasores europeus.
Significa dizer que temos que continuar defendendo nosso modo de ser, viver e existir, seja no dia a dia do contato direto com os não-índios, seja nas redes sociais, onde muitas vezes as nossas vozes têm maior alcance. Por vezes, temos que derramar o próprio sangue defendendo os nossos territórios e já perdemos muitos patrícios ou parentes na luta em defesa da Terra Indígena Buriti, onde moramos desde longuíssima data.
Nós, indígenas, podemos usar tecnologias desenvolvidas pelos não-índios tanto quanto os não-índios também se valem de tecnologias desenvolvidas por nós e por nossos antepassados. Se usando certas tecnologias não-índias seguimos sendo indígenas, os não-índios por certo não se tornarão indígenas usando as nossas tecnologias: redes, canoas, arcos e flechas, culinária, ciências nativas aplicadas à agricultura etc.
Fomos nós, povos indígenas, que legamos à humanidade as matas e as florestas, os rios, as lagoas e os córregos preservados e muitos alimentos presentes na mesa de milhões de pessoas: desde variedades de milho, batatas, mandioca, abóbora e feijão, passando por frutas das mais diversas (pequi, guavira, tamarindo, maracujá, bocaiúva etc.), até o cuscuz, beiju e tapioca popularizados no país.
Soma-se a isso o legado das plantas medicinais que curam doenças das mais diversas, como é o caso da raiz do fedegoso, do cerne do maleitoso e das sementes de sucupira usados regionalmente no combate à covid, dentre tantas outras, inclusive algumas que foram pirateadas e transformadas em medicamentos produzidos por laboratórios multinacionais e vendidos em farmácias mundo afora.
Por tudo isso e muito mais, neste dia 19 de abril de 2021, nós da Aldeia Buriti, organizados em 16 vilas, ficaremos em nossas casas, no interior da comunidade, e seguiremos mantendo e valorizando nossa cultura por meio de danças, rezas, jogos tradicionais, comidas típicas etc. Desejamos que no próximo ano, em 2022, possamos fazer desta data um dia ainda melhor para refletirmos e comemorarmos o Dia da Resistência Indígena no Brasil.
Viva longa aos povos indígenas!
Eder Alcantara Oliveira é licenciado e mestre em História, respectivamente pela UCDB e UFGD, docente da Escola Municipal Indígena Alexina Rosa Figueiredo e vereador pelo PDT no município de Dois Irmão do Buriti, Mato Grosso do Sul.