Por Nelson Marconi
A pandemia de Covid-19 lançou desafios para o mercado de trabalho no mundo todo, exacerbando uma mudança estrutural que já vinha acontecendo no emprego. No Brasil, essa tendência não foi diferente, como mostrou o economista Nelson Marconi em artigo na edição de abril da revista Conjuntura Econômica, em que observou o comportamento desse mercado a partir de uma análise da composição ocupacional – mais precisamente, das 15 combinações de ocupação e setor que representam em torno de 60% do total de ocupados do país na PNAD Contínua do IBGE – entre o final de 2019 e de 2020.
Entre outros resultados, o levantamento reforça a constatação de que profissionais mais bem qualificados conseguiram se manter mais empregados do que os demais, especialmente se comparados à camada informal de trabalhadores, mais castigada pela crise sanitária. Marconi destaca que essa tendência não fala somente sobre a importância de educação de qualidade e do estímulo à qualificação profissional, mas sobre a necessidade de políticas que colaborem para o crescimento de empresas em segmentos de maior valor agregado, que ofertem essas ocupações de qualidade.
“Observando-se os países do núcleo da OCDE, vemos que a preocupação hoje é a de gerar bons empregos, recuperar a classe média que eles foram perdendo ao longo do tempo”, diz Marconi ao Blog da Conjuntura Econômica.
O economista aponta que países desenvolvidos têm buscado costurar medidas de apoio a setores que unam a geração de emprego com atividades ambientalmente sustentáveis.
“Isso é claro em economias como a Alemanha, que traça um plano estratégico de recuperação da indústria de forma a garantir um desenvolvimento conectado com a sustentabilidade, algo cada vez mais relevante. O pacote de estímulo lançado por Joe Biden nos Estados Unidos também aponta nessa direção, no momento em que valoriza a mudança na matriz energética. E é por aí que temos de pensar nossa estratégia”, cita.
No caso do Brasil, Marconi destaca que a dominância de uma matriz energética renovável é um ponto de partida positivo que precisa ser valorizado. “Temos espaço para manter uma matriz que combine bem ambas as coisas: energia limpa e exploração de petróleo.”
Outro segmento no qual Marconi aponta vantagem competitiva do Brasil é o de biotecnologia. “Temos capacidade de explorá-lo tanto para o ramo médico quanto alimentar, pois contamos tanto com uma rede de cientistas capacitados quanto recursos naturais para isso.
Além da área de saúde, outro segmento que tende a ter sua demanda ampliada, especialmente por mais serviços, empregando mais gente”, afirma. Também consta da lista de Marconi de atividades potencialmente promissoras a economia criativa.
“Esta não será o principal empregador, o que não significa que devamos desperdiçar toda expertise que temos na área cultural. Além de ser valiosa para o Brasil, ela traz consigo uma série de demandas de serviços – de desenvolvimento de softwares, aplicativos, suporte em termos de equipamentos eletrônicos, som, vídeo – que também são relevantes”, diz.
Marconi ressalta que sua defesa não implica negação à indústria tradicional, mas a necessidade de se guiar as atenções a setores potencialmente importantes no novo mundo que se espera após a pandemia. E nos quais deveriam se concentrar os debates de políticas de desenvolvimento produtivo daqui adiante. “Essa decisão precisará acontecer, basta ver o que o próprio Biden está fazendo, indicando diretamente que há setores que neste momento é preciso privilegiar”, afirma.
O ponto de partida, diz o economista, é ter uma discussão aberta e transparente com o setor produtivo, para mitigar a pressão de grupos de interesse sobre as decisões. “Se o governo demonstrar clareza sobre onde quer chegar e sua estratégia para isso, fica mais fácil”, diz. O segundo ponto, para evitar erros de políticas anteriores em que o gasto com incentivos não gerou retornos relevantes para a sociedade, é uma definição objetiva de contrapartidas e as condicionalidades.
“Acho que uma boa medida para a maior parte dos casos é conectar essas contrapartidas a metas de exportação. Pois se uma empresa ganha mercado fora, é porque é eficiente no que faz”, diz. Outras métricas possíveis, descreve, podem estar relacionadas ao desenvolvimento de novas tecnologias, métodos de produção e mesmo de gestão. E, por fim, buscar canais de estímulo compatíveis com a situação fiscal que o país enfrenta. Para Marconi, nesse campo, a melhor saída é o caminho de linhas de crédito especiais, em detrimento de políticas tributárias.
“Essas podem estar destinadas, por exemplo, a empresas de capital estrangeiro que transferem tecnologia; empresas nacionais que apoiam sua atividade em pesquisa e desenvolvimento, ou mesmo as que ampliem suas exportações”, descreve. Aqui, o professor da Eaesp ressalta sua defesa por uma política de juros diferenciados e o papel dos bancos públicos nessa operação, ferramentas que dividem a opinião de economistas, devido ao risco de, se mal-usadas, afetar negativamente os juros da economia e o mercado de crédito como um todo.
Marconi lembra que nessa equação sobre o futuro do mercado de trabalho ainda falta debater políticas voltadas ao alto nível de informalidade que deve persistir na economia brasileira, bem como em formas de apoiar o aumento de eficiência nas atividades por conta própria, que também tenderão a crescer. Por enquanto, no curto, prazo Marconi defende que o essencial é manter a ajuda tanto para os trabalhadores da economia informal quanto para as empresas, especialmente com o programa de redução de jornada e salário (BEM), que colabora para a manutenção do emprego. “O melhor seria voltar a crescer, fortalecendo a estrutura produtiva. Por ora, entretanto, o importante é garantir a manutenção de parte da demanda, o que ajuda as empresas a não sucumbirem rapidamente”, conclui.
Texto postado originalmente no blog da Conjuntura Econômica em 13 de abril de 2021.