Por Grupo Prerrogativas
Ao julgar a suspeição de Sergio Moro, o Supremo Tribunal Federal enfim reconheceu que Lula não teve direito a julgamentos justos no âmbito da Operação Lava Jato.
Vítima de uma perseguição política liderada por um juiz acusador, que coordenou a equipe de procuradores da Força Tarefa, Lula foi retirado de uma eleição para a qual era franco favorito, e foi criminosamente privado de sua liberdade por 580 dias.
Embora ainda não tenha sido disponibilizado o acórdão, a certidão de julgamento registrou que a ordem foi concedida para anular todos os atos decisórios praticados pelo então juiz Sergio Moro no caso do tríplex, incluindo-se os atos praticados na na fase pré-processual, nos termos do que veiculou o ministro Gilmar Mendes.
Portanto, não há dúvida de que o caso do tríplex foi integralmente anulado, desde o seu início e sem qualquer possibilidade de convalidação dos atos instrutórios.
A questão que se segue diz respeito ao destino dos demais casos em que Sergio Moro proferiu decisões contra Lula.
Notadamente sobre os casos do Sítio de Atibaia e do Instituto Lula haveria possibilidade de extensão da ordem de habeas corpus?
A simples leitura do voto histórico do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado por votos não menos brilhantes da lavra de Ricardo Lewandowski e de Cármen Lúcia, nos remete a uma única resposta possível: todos os casos em que Sergio Moro proferiu decisões contra Lula devem ser anulados, uma vez que a suspeição, nos termos reconhecidos pelos ministros, por pacífica Doutrina a respeito e por farta jurisprudência, é condição personalíssima de um juiz em relação a um determinado réu.
Condição que lhe tira qualquer possibilidade de conduzir com equilíbrio e isenção qualquer que seja o ato processual em relação aquele específico réu.
Se estamos diante de uma condição personalíssima que afeta e compromete o juiz Sergio Moro em face de Lula, está claro que esta suspeição é inafastável sempre que a mesma relação processual se repetir. Assim, não resta outra alternativa senão reconhecer a quebra da imparcialidade em todos os processos nos quais Moro praticou atos decisórios que afetaram Lula, direta ou indiretamente.
Erros e acertos são contingências de qualquer decisão judicial, mas a independência do tribunal e a imparcialidade do julgador são condições indispensáveis de possibilidade para um julgamento justo e para o ex-presidente levou o magistrado a usurpar atribuições acusatórias e investigatórias, corrompendo o devido processo legal com inadmissível abuso de poder.
A toda evidência, os fundamentos apresentados no julgamento revelam que a quebra da imparcialidade não se restringiu a particularidades do caso do tríplex. Pelo contrário, o conjunto de fatos concretos analisados pelos magistrados, como bem demonstrou a competente defesa técnica coordenada pelos colegas Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins, dizem respeito a uma disposição pessoal do juiz contra o réu, recorrente e sistemática. Disposição , é bom que se diga e reconheça, caracterizada pela existência de interesses políticos próprios de Moro contra o petista.
Desse modo, o vício processual não está em um procedimento específico, mas no vínculo subjetivo estabelecido entre o juiz e o réu, razão pela qual a suspeição se estende, por imperativo lógico, reitera-se, a todos os demais inquéritos e processos.
Basta analisarmos os argumentos apontados na demonstração da parcialidade para perceber que a questão transcende o caso do tríplex.
Em síntese, os pontos analisados pela Corte foram: i) a espetaculosa condução coercitiva de Lula, sem que fosse oportunizada previamente a intimação pessoal para o depoimento; ii) a quebra de sigilos telefônicos de Lula, de seus familiares e até mesmo de seus advogados, com o intuito de monitorar e antecipar as estratégias defensivas; iii) a divulgação ilegal de conversas obtidas em interceptações telefônicas de Lula com familiares e terceiros; iv) a atuação do então juiz Sergio Moro para impedir o cumprimento de ordem do TRF4 que determinava a soltura de Lula; v) a prolação de sentença por Sergio Moro em que manifesta sua percepção sobre sentir-se agredido e provocado pela atuação da Defesa de Lula; vi) o levantamento, de ofício, do sigilo de parte da delação premiada de Antônio Palocci Filho, cuja narrativa buscava incriminar Lula; e vii) aceitação do cargo de Ministro da Justiça após a eleição do atual Presidente da República Jair Bolsonaro, que há muito despontava como principal adversário político de Lula.
Pois bem. Além da inafastabilidade da suspeição de Moro como condição personalíssima contra Lula, não se pode olvidar que a decisão proferida pelo STF atingiu expressamente todos “os atos praticados na fase pré-processual”. Nesse ponto, vale ressaltar que tanto o caso do Sítio de Atibaia quanto o caso do Instituto Lula estão fundamentados em atos, agora anulados, que foram praticados durante a fase pré-processual do tríplex. No caso do Instituto Lula, inclusive, há prova emprestada diretamente do caso, o que demonstra que os três casos estão interligados e não podem ter solução distinta a respeito da suspeição do magistrado.
A segunda turma do STF merece, pois, nosso reconhecimento e nosso aplauso. Reconhecimento de inúmeros juristas, professores, advogados e demais operadores do direito que lutam incansavelmente para a reacreditação do nosso sistema de justiça.
Outro ponto importante a se destacar é a decisão do ministro Edson Fachin que declarou a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento de todos os feitos em que Sergio Moro atuou contra Lula. Tese sustentada, desde o início, pela defesa técnica do réu.
Fato é que a incompetência territorial não prejudica a suspeição. E nem poderia.
Tanto antes, reforça as razões que demonstraram a quebra da imparcialidade mediante a construção artificial de um juízo universal em Curitiba, com o propósito de desempenhar a perseguição política liderada por um juiz acusador, em conluio com procuradores que sempre agiram como advogados privados de acusação.
Além de reforçar a suspeição de Moro, pois os desdobramentos do habeas corpus que discute a questão da incompetência territorial da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba são reveladores da motivação política e da flagrante parcialidade dos procuradores da Força Tarefa da Operação Lava Jato.
Ao agirem como parte nesse habeas corpus, constituindo advogados particulares e formulando pedidos em um processo no qual não tem interesse jurídico para agir e interferir, os procuradores em questão revelam que, na verdade, também possuem interesses pessoais nas manobras supostamente articuladas por Fachin visando a condenação e inelegibilidade de Lula.
Manobras anunciadas por um colunista de um importante jornal, mas que não nos parecem verídicas.
Se o fossem, colocariam Fachin em uma posição tão constrangedora e parcial quanto a do próprio Moro.
Em nenhuma democracia moderna um juiz pode ter estratégia para “ganhar” uma causa, como se fosse advogado da parte.
No dizer de Roberto Tardelli, procurador aposentado, “isso seria verdadeiramente bizarro”.
Não cremos nisso. E não queremos crer…
Fachin, como os demais integrantes da Corte, merece respeito. E fará por merecer…
Já está corrompido o Estado que viola suas próprias regras a pretexto de um combate messiânico contra a corrupção.
Um julgamento justo e imparcial só pode ocorrer em um sistema acusatório que delimite adequadamente a separação das funções de investigar, acusar e julgar. Há uma longa caminhada rumo a um país livre, soberano, justo e solidário.
E o primeiro passo para restabelecer a credibilidade do sistema de justiça brasileiro é o reconhecimento definitivo da suspeição de Moro em relação a todos os casos que envolveram Lula, pois se valeu da nobre função de magistrado para afrontar a soberania popular com seu projeto político de poder.
E que a este reconhecimento se some, em boa hora, o reconhecimento de uma condição que o reforça. A condição de juiz incompetente.
Ps: Importante frisarmos, para que se esgote o assunto, que a remessa da decisão monocrática de reconhecimento de incompetência do juízo de Curitiba para o Plenário da Corte é, além de contraditória, flagrantemente contrária aos comandos do Regimento interno do Supremo Tribunal Federal. Nenhuma interpretação, por mais criativa, seria capaz de justificá-la.
De toda sorte, caso esta matéria não seja debatida em uma espécie de “juízo de admissibilidade, eventual e bem vinda ratificação da tardia declaração de incompetência da vara de Curitiba jamais poderia fazer com que , como sustentam os “meninos dourados” ou “filhos de Januário”, o julgamento do HC da suspeição perdesse o objeto.
Concursos para o Ministério Público são, em regra, muito exigentes.
Deltan e cia (sem trocadilhos) deveriam saber, pois, como aqui dissemos, que o julgamento de um caso apenas reforça o do outro. São julgamentos claramente complementares.
Deveriam saber, também, que suspeição tem precedência em relação à incompetência.
E, por fim, deveriam saber que a segunda Turma concluiu o julgamento da suspeição. A extensão para os demais processos é mera consequência lógica. Causa finita. Não existe recurso de Turma para o Plenário.
Um réu não pode ser julgado duas vezes pelo mesmo tribunal, mormente se foi vencedor no primeiro julgamento. Seria uma reformatio in pejus, o que é vedado pelo Direito mundial.
Deviam saber, ou estudar.
Assinam:
Fernando Hideo Lacerda, jurista.
Marco Aurélio de Carvalho, advogado.
Lenio Streck, jurista.
Pedro Serrano, jurista.