À espera dos cadáveres nas ruas

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Um golpista não costuma anunciar que vai dar um golpe. Os golpes invariavelmente são perpetrados sob palavras bonitas como liberdade, democracia e justiça.

Sendo assim, podemos dizer com segurança que o que houve nos últimos dias no Brasil foi uma tentativa de golpe. Basta observar a sequência de acontecimentos:

  • Próceres do bolsonarismo como os deputados federais Eduardo Bolsonaro e Bia Kicis incitam motim na PM baiana;
  • Bolsonaro, acuado pelo centrão e pelo Senado, troca o ministro da Defesa e todo o comando das Forças Armadas, provocando uma crise militar;
  • Aliados do governo tentam emplacar na Câmara Federal um projeto de lei que amplia os poderes do presidente (incluindo a pandemia na Lei de Mobilização Nacional, que trata de ocasiões de guerra), fazendo com que Bolsonaro passe a chefiar as polícias militares dos estados e possa até convocar civis.

A alteração da lei foi barrada no Congresso e não houve adesão ao motim na Bahia, e talvez só por isso não estamos todos sob intervenção do governo federal, que busca incansavelmente garantir que as pessoas possam sair das suas casas como se nada estivesse acontecendo, e assim morra ainda mais gente, porque pelo visto quase 4 mil por dia (oficiais) é ainda pouco para o genocida.

E qual a reação do presidente da Câmara dos Deputados à tentativa de golpe? Um cândido “a troca de ministros é normal, está dentro do critério de escolha do presidente”. Arthur Lira é o homem que tem o poder de aceitar um dos trocentos pedidos de impeachment que pairam sobre sua mesa, e até deu esperanças de que poderia fazê-lo ao ameaçar o governo com “remédios amargos” dia desses. Diante da ofensiva de Bolsonaro, parece ter recuado.

Mas o recuo é perigoso para o próprio Lira, porque a hecatombe tende a se aprofundar.

Miguel Nicolelis é um dos cientistas que continua alertando sobre o tamanho da tragédia que se avizinha. “Estamos a poucas semanas de um ponto de não retorno na crise do coronavírus no Brasil”, disse ele em sua coluna no El País. O ponto de não retorno a que ele se refere é o colapso funerário, que, caso instalado, “começaremos a ver corpos sendo abandonados pelas ruas, em espaços abertos. Teremos que usar o recurso terrível de usar valas comuns para enterrar centenas de pessoas simultaneamente, sem urnas funerárias, só em sacos plásticos, o que vai acelerar o processo de contaminação do solo, do lençol freático, dos alimentos, e com isso gerar uma série de outras epidemias bacterianas gravíssimas”.

Para quem acha que é exagero, o segundo maior cemitério de São Paulo já está suspendendo enterros por falta de vagas.

A marcha da morte de Bolsonaro não vai parar. Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (presidente do Senado) são os atores que podem colocar um freio no morticínio, dando início a uma CPI e ao processo de impeachment.

Ou podem esperar os cadáveres nas ruas, as valas coletivas e as “epidemias bacterianas gravíssimas”. De um jeito ou de outro, os nomes de ambos não serão esquecidos.

Pedro Breier: Pedro Breier nasceu no Rio Grande do Sul e hoje vive em São Paulo. É formado em direito e escreve sobre política n'O Cafezinho desde 2016.
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