Por Carlos Alessandro Silva
O Brasil da verdade perdeu hoje, 24 de março de 2021, um Brasileiro com B maiúsculo, com um legado imenso para a democracia desta nação: Haroldo Borges Rodrigues Lima.
Mais uma das quase 300 mil vítimas da covid-19 no país. Mais um cidadão brasileiro que não teve a chance de tomar a segunda dose da vacina, apesar dos seus 81 anos de idade. Mais uma morte na conta desse bolsonarismo genocida e inconsequente.
Sua biografia não cabe num post, numa reportagem, talvez nem em livro ou filme. Acima de tantas qualidades, Haroldo foi sobretudo um defensor incansável da soberania, da independência, do desenvolvimento nacional. Entendia como poucos a geopolítica mundial e sabia posicionar o Brasil a todo instante neste tabuleiro efervescente. Com sagacidade e autoridade de poucos, cada vez mais raros. Sempre com a diplomacia e a justiça social em primeiro plano. E sem deixar de revestir suas ideias e seus ideais com arte e poesia.
Engenheiro de formação, Haroldo Lima dedicou uma vida inteira por um Brasil melhor para o povo brasileiro e imponente perante o mundo.
Seja no movimento estudantil de esquerda e na Juventude Universitária Católica. Seja nos anos de clandestinidade em que enfrentou o terror do regime militar. Ele e sua adorável esposa Solange Lima foram presos e barbaramente torturados. Ela no final dos anos 1960, na Bahia. Ele em 1976, em São Paulo, depois de escapar de ser assassinado por agentes do Dops e Doi-Codi, a mando do delegado Sérgio Fleury, no episódio conhecido como Chacina da Lapa em que dirigentes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) foram mortos.
Seja em meio século como membro e dirigente do PCdoB. Seja nos cinco mandatos como deputado federal pela Bahia em que protagonizou a defesa da Petrobras, do petróleo como patrimônio nacional e vetor de desenvolvimento social e econômico do país e tantas outras lutas em prol do trabalhador. Como deputado-constituinte, ajudou um ano antes na elaboração da Constituição de 1988 que garante até hoje benefícios sociais inestimáveis à sociedade brasileira como o SUS. E denunciou sem hesitação as violações e as emendas toscas que a Constituição sofre até os dias de hoje.
Orador magnético, vibrante, talhado para grandes plateias, de memória privilegiada. Encantava dos jovens aos mais experientes. Ninguém escapava de Haroldo durante um discurso. Escrevia como um professor que conquista seus alunos na primeira aula. Didático, preciso, detalhista, sempre com um inequívoco compromisso com a verdade.
Mais recentemente, Haroldo Lima conciliava a atividade partidária de trabalhos e palestras com a de colunista político dos portais Vermelho, Nocaute e Opera Mundi. Publicou inúmeros artigos nos principais jornais do país e era fonte recorrente da imprensa especializada no setor de energia, sobretudo petróleo e gás.
Em seus últimos artigos, publicados este ano, Haroldo denunciava a degradação do Brasil como nação na era Bolsonaro. A profusão de atos normativos do presidente fake para incentivar o mercado de armas de fogo no país; o viés político e parcial do ex-juiz Sérgio Moro; e a economia arrasada como um dos saldos da operação Lava Jato.
Para essa pandemia e esse trágico momento do país, eu perdi um amigo, acolhedor como um pai. Conviver mais de oito anos com Haroldo foi uma aula de cidadania, elegância, educação e perseverança. Haroldo semeou flores ao longo dessa bela estrada e ensinou não só com palavras que a vida é lutar até o último instante. E assim foi, um valente, um bravo. Eu e uma fila incontável de amigos e fãs sentiremos muitas saudades.
Descansa em paz, mestre! Haroldo Lima, presente!
*Carlos Alessandro é jornalista e foi assessor de imprensa de Haroldo Lima por mais de oito anos