Análise: o vigarista esférico pode ser reeleito?

Jair Bolsonaro e Sergio Moro (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

O físico suíço Fritz Zwicky, famoso não apenas por ter sido um dos primeiros cientistas a descobrir a existência da “matéria escura” (dark matter), um elemento invisível e misterioso que seria responsável por cerca de 85% de toda a matéria do universo, mas também por seu mau-humor não desprovido de graça, costumava chamar seus críticos de “espherical bastards”, que eu quero traduzir aqui para vigaristas esféricos.

A explicação de Zwicky é que eles seriam vigaristas independente do lado que alguém os olhasse.

O xingamento me parece perfeitamente adequado ao presidente Bolsonaro, porque, de fato, ele é um vigarista seja qual for o ângulo pelo qual se o considere.

Demorei um pouco para achar a palavra vigarista. Antes disso considerei usar “idiota”, mas logo me dei conta que o problema do presidente não é propriamente idiotia. Afinal, suas tramoias têm método. E indivíduos metódicos podem ser criminosos, psicopatas, delinquentes, mas nunca idiotas.

Explicada a expressão, vamos à pergunta do título. Ele pode ser reeleito?

Um artigo publicado hoje no Valor, assinado pelo editor de política do jornal, César Felício, considera que sim, Bolsonaro pode ser reeleito, embora não por seu desempenho no governo, já que a situação sócio-econômica não poderia ser mais desgraçada.

O trunfo de Bolsonaro, segundo o artigo, seria o fato de que a principal força de oposição, o lulopetismo, teria rejeição ainda maior do que a de Bolsonaro. Essa é a opinião de analistas de importantes institutos de pesquisa, como Antonio Lavareda, do Ipespe, Marcia Cavallari, do Ipec (ex-Ibope), e Maurício Moura, do Ideia Big Data.

“O antipetismo ainda é mais relevante que o antibolsonarismo. Se Lula estiver no segundo turno contra Bolsonaro, a eleição presidencial parece resolvida a favor do atual presidente”, afirma Antonio Lavareda, diretor científico do Ipespe.

A afirmação talvez seja exagerada. Os pendores liberais e conservadores dos analistas do mainstream são conhecidos. O antipetismo do qual eles tanto falam está entranhado neles mesmos. No entanto, essa é uma constatação que, curiosamente, acaba por confirmar em parte o que eles dizem, embora por uma razão diferente. Devemos acreditar que o antipetismo é uma força importante não apenas porque os pesquisadores o afirmam, mas porque identificamos que ela contamina a imparcialidade dos próprios pesquisadores!

De qualquer forma, as pesquisas começam a aparecer em abundância, e daqui até as eleições deveremos ter material com o qual trabalhar quase toda semana.

Nesta sexta-feira, por exemplo, foi divulgada uma nova pesquisa do Paraná Pesquisas, instituto que setores da esquerda jamais perdoaram por alguns “erros” (para ser delicado) cometidos em eleições anteriores.

Entretanto, como eu já escrevi em incontáveis ocasiões, não devemos acreditar em nenhuma pesquisa, e sobretudo não devemos olhá-las de maneira emocional. Elas oferecem sempre um pretexto para o debate político. Fingir que elas não existem, ou acreditar somente naquelas que trazem números que nos agradam, é uma postura muito equivocada. Se você acreditar numa pesquisa, então precisa olhar para todas. O critério mínimo é que seja registrada no TSE, o que, ao menos, oferece a seus responsáveis o risco de pagarem multas milionárias caso se prove que foram deliberadamente fraudadas.

Então vamos ao Paraná Pesquisas, divulgada hoje pela Veja (íntegra aqui).

Foram divulgados cinco cenários. Vamos usar analisar aqui três cenários. O número 1, com todo mundo: Moro, Haddad, Ciro, Huck, Doria e Boulos; o número 4, com Lula no lugar de Haddad; e o número 5, com Haddad, sem Huck e Doria. 

Os comentários vem depois dos gráficos. 

O cenário 1 é o mais completo, e que nos permite analisar a força dos principais candidatos individuais. 

Bolsonaro tem 32%, o que expressa com relativa precisão o percentual de brasileiros que, nas pesquisas de aprovação, dizem lhe apoiar e lhe dão notas ótimo e bom. 

Enquanto esse percentual não cair para ao menos uns 20%, o presidente continuará sendo um candidato muito perigoso e competitivo para as eleições de 2022.

Os adversários de Bolsonaro seguem todos empatados, em torno de 10%: Moro, Haddad, Ciro, Huck.

João Dória ainda não decolou, apesar de toda a projeção que ganhou durante a pandemia, em que apareceu nacionalmente em virtude dos embates com Bolsonaro e das notícias sobre a vacina contra a Covid-19. O tucano tem 5% nas pesquisas. 

Os números por segmento são apenas uma curiosidade sem grande valor estatístico, pois como o professor Jairo Nicolau ensina em seu último livro, as margens de erro dos dados estratificados são muito maiores do que as margens de erro dos totais. 

Mesmo assim, apenas para conversarmos (e talvez com vaga esperança de que eles podem conter alguma verdade), vamos comentar os números segmentados. Os principais pontos são:

  • Principal força de Bolsonaro está no Sul e Centro-Oeste, onde ele tem cerca de 35% dos votos. 
  • Esse perfil conservador do eleitor sulista contamina também o desempenho dos outros candidatos. Moro, por exemplo, que concorre com Bolsonaro junto ao mesmo público conservador, fica em segundo lugar na região Sul, com 13,7%, contra 8,8% de Haddad e 7,4% de Ciro. Huck tem 7,0%, Doria, 4,6%, e Amoedo 3,7% no Sul. 
  •  Os votos de candidatos da direita, somados, totalizam 64,5% do total dos votos no Sul. 
  • A nível nacional, considerando todas as regiões, os candidatos de direita (Bolsonaro, Moro, Huck, Doria e Amoedo) somam 59,5% dos votos. 
  • Os candidatos da esquerda (Haddad, Ciro e Boulos) somam 23,7%.  
  • Caso Ciro seja classificado como um candidato da direita, conforme querem alguns petistas, então este campo político teria, no total, 69,5% dos votos, e a esquerda (Haddad e Boulos somente), por sua vez, teria apenas 13,7% dos votos.  
  • Com muita generosidade, poderíamos classificar Huck (além de Ciro, naturalmente) como um candidato de esquerda, o que nos daria um placar ligeiramente menos desequilibrado: 51,5% para a direita, e 31,7% para a esquerda. 

Comentário: os números mostram que a conquista de votos de centro e mesmo de centro-direita é uma questão de sobrevivência para o campo progressista. Além disso, as tentativas de classificar Ciro como um candidato da direita são grotescas, porque, se fosse o caso, então a direita teria quase 70% dos votos totais, e teríamos uma situação absolutamente sem chances de vitória para a a esquerda.

***

Vamos ao cenário 4, com Lula ao invés de Haddad, uma situação que ajuda a jogar luz sobre o potencial máximo de votos de um candidato petista no primeiro turno, já que o poder de transferência de votos de Lula é um fato incontestável, como vimos em 2018. Os principais pontos desse cenário são:

  • Interessante notar que Bolsonaro não perde absolutamente nada com a presença de Lula. Ele tinha 31,9% no cenário 1, com Haddad, e tem agora 32,2%, com Lula.
  • Moro também mantém intacta sua performance diante de Lula: tinha 11,5% no cenário com Haddad, e tem 11,6% com Lula. 
  • O único que perde pontos com a entrada de Lula é Ciro, mas também não muita coisa. O pedetista tinha 10,0% no cenário com Haddad, e cai para 8,7% no cenário com Lula, queda de 1,3 pontos – o que é menor que a margem de erro. 
  • Este cenário não traz o nome de Luciano Huck, cujos votos, aparentemente, parecem ter ido, em sua maioria, para Lula. 
  • No cenário com Lula, a direita totaliza 52% dos votos, o que é uma conta parecida com a que tínhamos chegado no cenário 1, caso tivéssemos a generosidade de não considerar Huck como um candidato de direita. A esquerda, por sua vez, somaria 30,2% votos. 

  • O cenário 5 é o mais enxuto. Não temos Moro, nem Huck, nem Boulos.
  • O cenário indica que Bolsonaro, com 37,6%, herda a maior parte dos votos de Moro, ao passo que os votos de Huck parecem se diluir entre Haddad e Ciro, que ampliam sua pontuação para 14,3% e 13%, respectivamente.
  • Uma análise rápida dos números estratificados deste cenário traz algumas curiosidades: Ciro ultrapassa Haddad no Nordeste e entre eleitores com ensino superior. Reitero, esses dados são quase anedóticos, visto que as margens de erro dos números segmentados são muito elevadas. 
  • Os votos da direita (Bolsonaro, Doria, Amoedo e Mandetta) somam 51,1%, ao passo que os votos da esquerda, somados, chegam a 27,3%.
  • Caso Ciro seja classificado como direita, então este campo teria 64,1% dos votos, contra 14,3% para a esquerda. 

Conclusão: Reitere-se que, a luz dos números observados nas pesquisas, será uma questão de vida ou morte, para derrotar Bolsonaro, conquistar nacos do eleitorado conservador e de centro.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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