O jacaré se volta contra Bolsonaro (análise da pesquisa Exame/Ideia)

Num de seus discursos recentes anti-vacina, o presidente Jair Bolsonaro lançou suspeitas sobre o produto da Pfizer, dizendo que “se você virar um jacaré, é problema seu”.

Os brasileiros, como de praxe, reagiram com humor. Milhares de memes foram produzidas para debochar do presidente, algumas envolvendo répteis dançando, felizes, após serem devidamente imunizados contra a Covid-19.

A campanha aberta de Bolsonaro contra a vacina, mais a redução drástica dos gastos do governo com auxílio aos vulneráveis, acabaram gerando uma situação na qual a imagem usada pelo presidente pode ser usada ainda de uma outra maneira: a “boca do jacaré” das pesquisas de aprovação vem se abrindo cada vez, ameaçando engolir o governo.

A expressão “boca de jacaré” é velha conhecida dos analistas de pesquisa. Ela acontece quando vemos dois fatores iniciarem um processo de divergência no tempo, com uma linha indo para cima, a outra indo para baixo.

A boca do jacaré, por exemplo, fica bem nítida na pesquisa Exame/Ideia divulgada hoje, com levantamento realizado entre os dias 18 e 21 de janeiro, que mostra a linha vermelha da rejeição a Bolsonaro subindo 8 pontos, chegando a 45%, ao passo que a linha azul da aprovação desaba 11 pontos, indo a 27%.

Movimento muito similar acontece com a aprovação do governo. Às vezes a percepção popular sobre a figura pessoal do presidente da república se diferencia do julgamento sobre a administração. Não é o caso hoje. Provavelmente até mesmo pela forte personalidade do presidente, a população está julgando presidente e governo pela mesma régua.

A avaliação do governo também mostra o jacaré abrindo a boca: o percentual de “Ruim/Péssimo” disparou 11 pontos, atingindo 45%, enquanto o “Ótimo/Bom” caiu igualmente 11 ponto, indo a 27%.

 

Não é a primeira pesquisa a detectar esse movimento. Na verdade, desde que o valor mágico de R$ 600/mês do Auxílio Emergencial parou de cair na conta de quase metade das famílias brasileiras (em milhões de casos, chegando a R$ 1.200/mês, já que até duas pessoas da mesma família podiam receber), iniciou-se um processo de mudança drástica da percepção popular sobre o governo.

A Exame divulgou alguns dados estratificados que nos permitem entender melhor os motivos dessa deterioração do prestígio do governo.

Por exemplo, a tragédia ocorrida em Manaus há poucos dias, quando diversos brasileiros morreram por falta de cilindros de oxigênio, impactou profundamente a aprovação na região Norte, onde o governo tinha os seus melhores números na pesquisa imediatamente anterior, feita no dia 15 de janeiro. 

No dia 15 de janeiro, o governo era aprovado por 44% dos eleitores da região Norte, percentual que caiu hoje para 23%; na mesma região e no mesmo intervalo, a rejeição ao governo subiu de 32% para 57%!

 

A pesquisa mostra ainda que 64% dos brasileiros com ensino superior desaprovam a administração Bolsonaro. 

Esses 45% que rejeitam tanto o governo quanto o presidente, considerando que o eleitorado brasileiro chegou a 148 milhões de votantes, correspondem a cerca de 67 milhões de brasileiros. 

Então temos 67 milhões de eleitores, entre os quais a parcela mais instruída da população, dispostos a apoiar a oposição ao presidente. 

A pesquisa apurou também que 38% dos evangélicos avaliam o governo como ótimo ou bom. Segundo a Exame, “o grupo segue sendo a fortaleza de aprovação do presidente”. Por outro lado, é preciso ver que 38%, apesar de ser um número forte, não está perto sequer de constituir uma maioria simples. E pode-se ver pelo outro ângulo,  62% dos evangélicos não acham o governo ótimo ou bom. 

Como o governo Bolsonaro não sinalizou para este ano nenhuma disposição de aumentar as transferências de renda, nenhum projeto de geração de empregos, e continua preso aos dogmas ultraliberais de Paulo Guedes, é difícil ver como a tendência de deterioração da sua imagem poderia ser revertida. 

Alguns outros dados divulgados pela pesquisa de hoje:

  • A desaprovação do presidente é maior nos estratos de maior renda e de maior escolaridade: entre os que ganham mais de cinco salários mínimos, 58% não aprovam a gestão do presidente. No grupo dos que têm ensino superior, 64% desaprovam o governo federal.
  • Entre os evangélicos, 38% apoiam o governo Bolsonaro, ante 20% dos católicos e 23% dos que declaram seguir outra religião.
  • Para 60% dos entrevistados, o quadro atual na capital amazonense deve impactar o modo como analisam o trabalho do presidente. Para outros 22%, não deve fazer diferença.
  • O impacto dos acontecimentos em Manaus também repercute mais na população de alta escolaridade e renda: 71% dos que têm ensino superior dizem que a avaliação do governo deverá ser impactada, assim como 67% das pessoas com rendimentos superiores a cinco salários mínimos têm a mesma opinião.
  • A pesquisa EXAME/IDEIA também perguntou sobre como a população avalia o trabalho do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Enquanto 28% dos entrevistados consideram o trabalho do ministro como bom ou ótimo, outros 32% consideram a gestão de Pazuello ruim ou péssima. Outros 33% avaliam como regular.

  • Os dados mostram que a avaliação do ministro é melhor do que a do governo (que 27% consideram bom ou ótimo; 45% acham ruim ou péssimo). “A população com menos instrução geralmente não sabe quem são os ministros, mas conhecem o presidente. Por isso, o governo federal tende a ser mais responsabilizado em momentos de grave crise”, diz Moura, do IDEIA.

 

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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