Uma das análises interessantes que se costuma fazer sobre a ascensão de Jair Bolsonaro é a de que ele representa o “homem comum”. O (ainda) presidente é o típico tiozão do churrasco que não sabe nada sobre muitas coisas, mas age como se soubesse tudo sobre todas as coisas.
É o lema do filósofo Sócrates invertido: em vez de “só sei que que nada sei“, a atitude de Bolsonaro diante da vida pode ser descrita como um grande “não sei quase nada, mas vou agir como se soubesse“.
Se esse tipo de postura é perigosa para qualquer pessoa (a empáfia é, não raro, a mãe da tragédia), calcule o risco para o presidente de um país com mais de 200 milhões de habitantes. Depois acrescente o fato de que este governante está enfrentando a maior crise de saúde mundial desde a gripe espanhola.
O resultado dessa equação é terrível para o presidente tiozão do churrasco – e pior ainda para a população do país que ele comanda.
O caso da famigerada cloroquina, por exemplo. Em vez de simplesmente aguardar o posicionamento majoritário dos pesquisadores e dos órgãos de medicina, para então orientar a população do seu país a seguir o recomendado, o presidente escolheu agarrar-se a um ou dois remédios e, como um pianista em surto, bater na tecla de que eles funcionam contra a Covid-19.
Só que, bem, não funcionam.
Mas, como ninguém nunca viu um típico tiozão do churrasco voltar atrás e pedir desculpas pelo erro cometido, Bolsonaro segue em sua louca cavalgada – agora chamando o charlatanismo (cloroquina, remédio para vermes etc.) de “tratamento precoce”.
É possível e até provável que existam outros interesses por trás da insistência nesses remédios. Ainda assim, me parece que o elemento tiozão do churrasco – aquela presunção estúpida que tantas vezes assola o ser humano e o impede de ter a humildade necessária para aprender as coisas – também está presente em mais esta patacoada presidencial.
“Mas Bolsonaro sempre falou que não entendia nada de economia”, alguém poderia argumentar. Só que esse tipo de coisa fez parte da estratégia de apresentá-lo como um homem comum. Por que Paulo Guedes foi o escolhido, então? Foi a lábia? O perfume? O hálito quente de chiclete de menta velho que Bolsonaro sentiu quando Guedes lhe sussurou pela primeira vez que queria vender tuuudo?
É evidente que nada disso. Mesmo que um governante não seja um especialista em teorias econômicas, ele sempre tem um objetivo, um projeto. Com esse projeto em mente, o governante dá ouvidos a este ou aquele economista. E os rompantes autoritários não mentem: o projeto de Bolsonaro sempre foi chegar ao poder e lá permanecer. E mais nada. Sob esta lógica, ele acertou ao escolher Guedes, pois um economista bem quisto pelos agentes do mercado financeiro poderia lhe abrir muitas portas – que, de fato, foram escancaradas.
Na questão da cloroquina também existe uma lógica subjacente. Bolsonaro sobrevive do confronto e, dentro da sua minúscula perspectiva de mundo, qualquer coisa serve para manter sua base coesionada e a máquina de guerra a pleno vapor. Inclusive fazer campanhas estapafúrdias a favor de remédios ineficazes/perigosos e colocar todas as dúvidas do mundo sobre a única alternativa comprovadamente eficaz para debelar a pandemia: a vacina.
O detalhe é que essa loucura anticientífica está provocando a morte de milhares de brasileiros todos os dias. E contando.
Por isso o tempo político de Bolsonaro começa a fechar no horizonte, e os ventos do impeachment sopram cada dia mais fortes e ameaçadores. A tentativa do governo de negar que recomendou o uso desses remédios picaretas, em tempos de redes sociais e prints, é prova de que até eles sabem o tamanho do buraco em que estão metidos.
Do alto de sua expertise em estratégia política, o presidente não considerou que um genocídio pudesse atrapalhar seus planos. Cedo ou tarde o tiozão do churrasco bebe demais e, então, cai na piscina.
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