Brasil continua asfixiado pelo pagamento de juros da dívida

O economista André Lara Resende tem defendido, em seus livros, que a economia política do país saia das mãos de um grupinho fechado de falsos iluminados, e seja discutida democraticamente, com transparência, pela sociedade brasileira. 

Parafraseando De Gaulle, a economia é algo importante demais para ficar em mãos de economistas. 

Um dos pontos obscuros da nossa macro-economia, e que o establishment faz questão de manter obscuro, é o pagamento de juros pelo governo sobre a dívida pública federal. Segundo o IFI, nos últimos 12 meses, o governo gastou o equivalente a 4,2% do PIB, ou R$ 313 bilhões com o pagamento de juros da dívida pública. 

A confusão se dá porque alguns alegam que essa despesa não sai do orçamento público, porque, na verdade, o governo a pagaria emitindo mais dívida. Não é bem assim. Bancos, fundos, grandes ou pequenos investidores, recebem, periodicamente, rendimentos gerados pelos títulos da dívida pública. O governo, de fato, rola a dívida eternamente, mas todo mês é obrigado a pagar bilhões de reais relativos aos juros dessa dívida. 

Essas despesas são medidas em valores correntes ou constantes (ajustados pela inflação) e também por percentual sobre o PIB. 

Interessante constatar ainda que os gastos com a dívida vinham experimentando um declínio constante desde meados de 2003. A partir de meados de 2014, com o enfraquecimento político do governo (a Lava Jato começa em abril daquele ano), e a opção desastrosa por um “cavalo de pau” conservador na economia, forma-se a tempestade perfeita. E o percentual das despesas com juros da dívida, que já eram os maiores do mundo, começam uma escalada muito rápida, chegando a 9% no início de 2016, o que mostrava que o governo tinha perdido o controle sobre a política macroeconômica do próprio Banco Central.

Os gastos do governo com juros da dívida, em valores constantes para dezembro de 2020, mostram que os detentores de títulos da dívida nunca ganharam tanto como nos piores anos da crise econômica do país. Em janeiro de 2016, por exemplo, auge da crise, as despesas acumuladas em 12 meses chegaram perto de R$ 700 bilhões. 

Num comparativo internacional, o Brasil gasta muito mais com juros da dívida do que a maioria dos países. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), com números atualizados até 2011, o Brasil ficou em terceiro lugar num ranking com 160 países, atrás apenas de Líbano e Grécia, ambos países pequenos envolvidos em profundas crises fiscais.  Num ranking com 30 países mais importantes, o Brasil fica num primeiro lugar distante em gastos com juros da dívida, que corresponderam a 5,7% do PIB. Em segundo lugar, vinha a Itália, que todavia tinha uma dívida pública equivalente a 120% de seu PIB. A dívida do Brasil em 2011 correspondia a 65% do PIB. 

Os EUA, que tinha dívida pública equivalente a 102% do PIB em 2011, registrava despesas com juros da ordem de 2,3% do PIB.

O Japão, com dívida pública correspondendo a 230% do PIB, gastava com juros apenas 0,87% do PIB.

China, Coréia do Sul, Austrália, Chile, Suécia, Noruega, registravam despesas com juros da dívida pública abaixo de 1%, ou mesmo negativas.

 

No ano de 2020, em função dos gastos emergenciais necessários para se combater a pandemia, a dívida pública brasileira explodiu, chegando a 88% ao final de 2020. O IFI estima que ela deve chegar perto de 100% em dezembro, quando os números forem divulgados. 

 

Outro fator preocupante é a piora dos prazos de vencimento da dívida pública, que estão ficando mais curtos. Em 2017, apenas 17% da dívida pública federal tinha prazo inferior a 12 meses; hoje, são 28%, o maior percentual da história recente. Em 2017, 25% da dívida tinha prazo acima de 5 anos; hoje são apenas 18,6%.

O resultado primário do governo central nunca foi tão ruim. Em novembro, chegou a 9,63% do PIB, ou R$ 716,7 bilhões. Isso significa que as despesas do governo superaram suas receitas em mais de R$ 700 bilhões. 

Outro gráfico importante divulgado pelo IFI refere-se às despesas discricionárias da União, categoria na qual se incluem os investimentos públicos.

Para 2020, espera-se que o gasto discricionário da União corresponda a somente 1,7% do PIB, o que representará uma forte queda sobre 2019 e o menor desde 2008. Para 2021, o IFI prevê gastos discricionários ainda menores, de apenas 1,5% do PIB.

Em valores constantes de novembro de 2020, as despesas discricionárias até novembro de 2020, no acumulado de 12 meses, somavam R$ 128 bilhões, um dos menores valores dos últimos anos.


Repare ainda que as despesas com vulneráveis foram interrompidas drasticamente a partir de setembro de 2020, o que explica, aliás, a forte queda da popularidade do presidente Bolsonaro. Estamos entrando em 2021 com um país asfixiado triplamente: por um governo liderado por um sociopata; por um regime econômico que nos paralisa e nos impede de crescer; e por uma situação social extremamente preocupante, sobretudo diante da completa indiferença do governo.

Conclusão

Todos esses números deixam claro que o Brasil precisa mudar radicalmente a sua política econômica. O primeiro ponto é dar um fim ao teto de gastos, que asfixia o país, não permitindo que o governo faça os investimentos necessários para destravar a nossa economia.

O comparativo com outros países mostram que o Brasil tem vivido, nos últimos anos, aprisionado na armadilha dos juros altos. A opção tem nos colocado num ranking funesto, de país que mais gasta com juros no mundo.

A questão do endividamento público precisa ser objeto de um grande debate nacional. O Brasil não pode mais gastar um percentual tão grande do PIB apenas com juros da dívida, ainda mais nesse momento, em que a crise econômica volta a se transformar em crise social, e há necessidade de ampliar programas de transferência de renda.

Acima de tudo, o Brasil precisa ter um projeto nacional de desenvolvimento, de cunho estruturalista, ou seja, que seja um novo desenvolvimentismo, focado em alguns fatores hoje essenciais para que tenhamos um crescimento sustentável:

  • elevação da produtividade, sobretudo através da assimilação de novas tecnologias;
  • foco com meio ambiente e na chamada economia verde, que não mais deve ser vista como gasto, ou um peso, e sim como uma grande oportunidade para nos desenvolvermos com qualidade de vida;
  • incremento quantitativo e qualitativo da educação, ampliando os anos de estudo, a qualidade do ensino, e integrando de maneira mais inteligente os processos educacionais e o mercado de trabalho;
  • ampliação e qualificação de programas de transferência de renda, de maneira que sejam cada mais mais inteligentes e abrangentes, ou seja, chegando efetivamente àqueles que precisam, e no momento certo.
  • implementação de estratégias modernas de reindustrialização, focada em setores complexos, de maneira a combater a armadilha em que nos encontramos, segundo a qual sempre que crescemos, nossa balança de pagamentos volta a ficar insustentável, em função do aumento das importações de produtos e serviços.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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